Justiça decidirá o futuro das famílias do acampamento boa sorte em Candeias do Jamari

A área em questão tem histórico de conflitos marcados desde o ano de 2016

CPT-RO
Publicada em 13 de novembro de 2020 às 15:30
Justiça decidirá o futuro das famílias do acampamento boa sorte em Candeias do Jamari

No dia 05 de outubro de 2020 a 5ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJRO decidiu convocar as partes para a audiência de justificação inicialmente marcada para o dia 13 de novembro de 2020 às 14h. A ação refere-se a um processo de Reintegração/Manutenção de posse (nº 1005076-41.2020.4.01.4100) em que consta como autora a senhora Marselha Rita Serrate de Araújo e como réus um total de 26 famílias do acampamento Boa Sorte, localizado no município de Candeias do Jamari, em Rondônia.

Localização do Acampamento Boa Sorte /Fonte: acervo fundiário Incra / atividade de campo em 2020 (GTGA e CPT-RO)          

 A área em questão tem histórico de conflitos marcados desde o ano de 2016. Ano em que as famílias de sem-terras iniciaram a ocupação, e a reinvindicação de reforma agrária dos Lotes 05, 06, 19, 45 e 46 localizados na Gleba Baixo Candeias e Igarapé Três Casas. A referida área possui extensão de mais de 30 mil hectares e é conhecida como Fazenda Urupá. Como consta em um trecho do documento de imissão de posse emitido pela Justiça Federal.

Parte do documento que provê a imissão de posse da área ao Incra, assinado em 24 de agosto de 2007/
Fonte: acervo CPT-RO 

A sentença final do documento acima citado, se deu em 7 de maio de 2008 pela Justiça. Entre as irregularidades existentes na área citam-se a CPI de Grilagem de Terras, ocorrida no ano de 2001, e da operação Terra Limpa iniciada em 2004. O enfretamento a corrupção advinda de servidores do Incra buscou apresentar as irregularidades que vinham sendo efetivadas desde a década de 1970 em que a Agropecuária Industrial e Colonizadora Rio Candeias obteve a alienação da área para implementação de produção de atividade da pecuária. Registro esse que fora cancelado no ano de 1975 pelo governo federal. O que não impediu a ação de grilagem por parte da Madeireira Urupá em consonância com irregularidades da autarquia.

O histórico de conflitos pode ser apresentado desde o ano de 2009, um ano após a data de criação do PA Flor do Amazonas, em que o camponês Gildézio Alves Borges, conhecido como Neguinho, foi assassinado às margens de um riacho. Anos mais tarde, dessa vez já no acampamento Boa Sorte, durante a primeira reintegração de posse sobre o processo: 7030302-08.2017.8.22.0001, requerida por Hernando Linhares Neto, ocorrida em 07 de dezembro de 2017, o sem-terra Hugo Rabelo Leite foi quem perdeu sua vida.

São inúmeras as ações de pistolagem noticiadas e registradas judicialmente nesta área. O que levou à fala do Procurador do Ministério Público Federal (MPF-RO) Raphael Bevilaqua, a afirma que “pistolagem envolvendo agentes de segurança pública é muito comum na região. Eles agem como uma milícia rural” (Dolce, 2020).

Existem milícias que agem em prol de latifundiários, estes que, mesmo declarando que não precisam de terra, afirmam que são os donos pelo fato de a terem comprado. E em função disso, impõe terror às famílias, ao usar a farda e pistolas pagas com o dinheiro público para ameaçar sem-terras pais e mães de família que lutam pelo direito de ter um pedaço de terra para sobreviverem com suas famílias.

 

Atividade de agroecologia com família do Boa Sorte

Em julho de 2019 houve nova ameaça judicial de iminente despejo após a justiça estadual transformar um interdito proibitório [1] em reintegração de posse, com base no processo 7042089-97.2018.8.22.0001, a pedido de Marselha Rita Serrate de Araújo. O processo refere-se ao Lote de Terras n.º 03, setor 08 localizado na Gleba Baixo Candeias e Igarapé Três Casas. Lote este que os moradores alegam não existir e que a área ocupada pelas famílias corresponde ao Lote 19 conforme é apresentado no mapa do Incra e no mapa seguinte construído com as informações do Incra e dos moradores do Boa Sorte.

 

 

Mapa do Incra cedido aos moradores do Acampamento Boa Sorte
 
No documento da decisão assinada no dia 05 de outubro de 2020 fica expresso que: [...]A comprovação da posse pela autora, antes da ocupação pelos requeridos, não está devidamente demonstrada, mormente diante das informações apresentadas pelo MPF, que evidencia o tempo em que os requeridos encontram-se no local (seria desde 2016), e que os lotes 03 e 04 sequer existem no mapa da área e os ocupantes estariam no lote 19[...] (MPF, 2020).

Mapa dos lotes que compõe a área do Acampamento Boa Sorte

A área do acampamento Boa Sorte possui 118 lotes com 80 famílias, cultivando nos moldes da produção da agricultura familiar, ou seja, realizando de fato a função social da terra. O do Lote 19, requerido por Marselha Rita Serrate de Araújo como se fosse o Lote 03 do setor 08. A área de aproximadamente 884,95 hectares é ocupada por 26 famílias, com aproximadamente 34 crianças em idade escolar, e com grande produção de macaxeira, banana, abacaxi, batata doce, abóbora, mamão e criação de pequenos animais, que abastecem as cidades de Candeias do Jamary e de Porto Velho.

                                                     Parte do que é produzido pelas famílias do Boa Sorte

Após a memória do processo de luta das famílias que ocupam a área do Acampamento Boa Sorte espera-se que, assim como diz a decisão do referido processo, a proteção aos direitos inerentes à propriedade e à posse se adeque, de fato, aos princípios da dignidade humana e da função social da Terra e não apenas aos interesses particulares engendrados no modo de produção capitalista que acumula e degrada o meio ambiente e os sujeitos sociais, coletivos e culturais da Amazônia.

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