Lamentável espetáculo

"Não se discursa mais. O que entra para os anais da câmara são grunhidos, palavrões e impropérios", escreve Denise Assis

Fonte: Denise Assis - Publicada em 07 de junho de 2024 às 15:42

Lamentável espetáculo

Zé Trovão parte para cima de Janones (Foto: Reprodução/X)

As cenas de quase pugilismo, na Câmara dos Deputados, nos dão bem a dimensão da feição que ganhou o cenário político, desde que o fascismo mostrou as suas garras por aqui.

O dito não vale, o prometido é visto como oportunidade para se aplicar pequenos golpes na pauta - vejam o que aprontou o senador Rodrigo Cunha (Podemos) -, na votação dos importados... 

Não se discursa mais. O que entra para os anais da câmara são grunhidos, palavrões e impropérios desfechados contra o colega, com o fito de tirá-lo do sério e, esquentado, desfechar um soco, ou um pontapé contra o opositor. Dependendo do nível de estresse e da insistência a essas incúrias, há os que não se seguram e partem, sim, para as vias de fato. 

Argumentos foram banidos. Ficaram num passado, quando víamos grandes nomes do parlamento fazer uso da palavra, defendendo ideias e projetos. Hoje, sobram projetos regressivos e faltam palavras, diálogo e cordialidade. Como? Que coisa mais antiga! Reagiria um bolsominion, disposto a já tirar da bolsa uma peruca, uma echarpe, um chapéu, ou qualquer artifício, desde que lacre nas redes sociais e emperre a discussão em alto nível, ou a defesa de uma pauta útil ao país.

Não. Eles não estão preocupados com o país. O alvo é o outro. A aniquilação do outro. O poder de destruição sobre o outro. Sabemos quando isso aflorou. Sabemos que rosto tem esse ódio. E sabemos também o quanto ele é nocivo na política e em que magnitude ele é amplificado nas mídias. Aqui e mundo afora.

“O poder da representação das mídias pode ser equiparado ao poder da própria política, delimitado pelas ações da política e do sistema econômico. Mas o poder da mídia, ao contrário da política, está na sua capacidade de difusão de outros poderes”, como afirma Bourdieu (1989, p.188). Eu completaria: está no seu poder de destruir grupos e pessoas, quando usada para amplificar atitudes e mensagens inverídicas e violentas. 

Estendendo esse poder para as plataformas, tem-se a certeza de que as redes viraram vitrine e arma para sufocar a política e fazer valer apenas a força bruta, as imagens violentas, a lacração. 

Lamentável espetáculo nos proporcionaram, na sessão de ontem (05/06), os deputados envolvidos no empurra-empurra – Janones de um lado, Nikolas e Zé Trovão de outro. 

A cena, tradução do que é hoje o Congresso “empoderado”, pode nos tirar muito mais do que a crença nos políticos. Pode nos levar a uma das últimas políticas de boa cepa, com credibilidade e espírito público. A minha solidariedade à deputada Luiza Erundina, barbaramente atacada, e a minha torcida para que continue praticando a boa política, em defesa do país.

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

717 artigos

Lamentável espetáculo

"Não se discursa mais. O que entra para os anais da câmara são grunhidos, palavrões e impropérios", escreve Denise Assis

Denise Assis
Publicada em 07 de junho de 2024 às 15:42
Lamentável espetáculo

Zé Trovão parte para cima de Janones (Foto: Reprodução/X)

As cenas de quase pugilismo, na Câmara dos Deputados, nos dão bem a dimensão da feição que ganhou o cenário político, desde que o fascismo mostrou as suas garras por aqui.

O dito não vale, o prometido é visto como oportunidade para se aplicar pequenos golpes na pauta - vejam o que aprontou o senador Rodrigo Cunha (Podemos) -, na votação dos importados... 

Não se discursa mais. O que entra para os anais da câmara são grunhidos, palavrões e impropérios desfechados contra o colega, com o fito de tirá-lo do sério e, esquentado, desfechar um soco, ou um pontapé contra o opositor. Dependendo do nível de estresse e da insistência a essas incúrias, há os que não se seguram e partem, sim, para as vias de fato. 

Argumentos foram banidos. Ficaram num passado, quando víamos grandes nomes do parlamento fazer uso da palavra, defendendo ideias e projetos. Hoje, sobram projetos regressivos e faltam palavras, diálogo e cordialidade. Como? Que coisa mais antiga! Reagiria um bolsominion, disposto a já tirar da bolsa uma peruca, uma echarpe, um chapéu, ou qualquer artifício, desde que lacre nas redes sociais e emperre a discussão em alto nível, ou a defesa de uma pauta útil ao país.

Não. Eles não estão preocupados com o país. O alvo é o outro. A aniquilação do outro. O poder de destruição sobre o outro. Sabemos quando isso aflorou. Sabemos que rosto tem esse ódio. E sabemos também o quanto ele é nocivo na política e em que magnitude ele é amplificado nas mídias. Aqui e mundo afora.

“O poder da representação das mídias pode ser equiparado ao poder da própria política, delimitado pelas ações da política e do sistema econômico. Mas o poder da mídia, ao contrário da política, está na sua capacidade de difusão de outros poderes”, como afirma Bourdieu (1989, p.188). Eu completaria: está no seu poder de destruir grupos e pessoas, quando usada para amplificar atitudes e mensagens inverídicas e violentas. 

Estendendo esse poder para as plataformas, tem-se a certeza de que as redes viraram vitrine e arma para sufocar a política e fazer valer apenas a força bruta, as imagens violentas, a lacração. 

Lamentável espetáculo nos proporcionaram, na sessão de ontem (05/06), os deputados envolvidos no empurra-empurra – Janones de um lado, Nikolas e Zé Trovão de outro. 

A cena, tradução do que é hoje o Congresso “empoderado”, pode nos tirar muito mais do que a crença nos políticos. Pode nos levar a uma das últimas políticas de boa cepa, com credibilidade e espírito público. A minha solidariedade à deputada Luiza Erundina, barbaramente atacada, e a minha torcida para que continue praticando a boa política, em defesa do país.

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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