Leo, guerreiro amazônico

Nascido há 62 anos na Ilha de Assunção no baixo Madeira em Porto Velho, filho de um antigo soldado da borracha e de uma descendente de cearenses, Manoel Pereira Neto quase não era conhecido nas redes sociais nem nas “altas rodas” da cidade que o acolheu a partir do ano 1980. Mas tinha muitos amigos e admiradores.

​​​​​​​Professor Nazareno*
Publicada em 26 de julho de 2017 às 08:58

Nascido há 62 anos na Ilha de Assunção no baixo Madeira em Porto Velho, filho de um antigo soldado da borracha e de uma descendente de cearenses, Manoel Pereira Neto quase não era conhecido nas redes sociais nem nas “altas rodas” da cidade que o acolheu a partir do ano 1980. Mas tinha muitos amigos e admiradores. Leo, ou Cabo Leo, era um autêntico rondoniense que se orgulhava da sua humilde origem beiradeira e de seus jeitos e astúcias em cima de um trator da prefeitura da capital onde trabalhou por mais de 30 anos abrindo e encascalhando ruas e avenidas. Garoto pobre do interior, Cabo Leo já fez de tudo na vida para sobreviver e criar sua família com muita dignidade e caráter. Sempre alegre e tranquilo, foi gari, garçom no antigo Jaú, prático de barco, pescador, caçador e um mateiro dos bons. Leo morreu, mas poucos souberam disso.

Como ninguém, o Cabo Leo sabia andar no meio do mato. Nunca se perdeu e desde pequeno caçava como passatempo. “Eu entro em qualquer mata e saio na hora que eu quiser” costumava dizer. Aprendeu a viver a vida simplesmente vivendo a vida. Ajudou no lazer de muitas autoridades sem nada cobrar. Acampar no mato? Cabo Leo é o guia. Pescar na extinta Cachoeira do Teotônio sempre foi um de seus esportes favoritos. Tarrafear era com ele mesmo. Pescava por prazer e depois doava todo o peixe para os conhecidos que encontrava. “Para casa eu só levo o do almoço”, dizia alegremente. “Peixe no rio Madeira é como uma mina, não acaba nunca”, acreditava piamente. Nunca teve orgulho de ser rondoniense, pois dizia que ninguém escolhe lugar para nascer. “O bom é a gente viver para ajudar os familiares e os amigos”, pregava.

Cabo Leo viu o mar, viajou de avião e não se afobou. Mesmo sendo a primeira vez, se comportou como um veterano. Como beiradeiro que anda em barco pequeno nos perigosos e traiçoeiros banzeiros do Madeira em dias de temporal, não via empecilho nenhum em estar nos céus. Viu o frio de zero grau sem maiores problemas. “Com roupas grossas, frio não tem nenhuma novidade”, acreditava. Só não entendia como há pessoas “tão bestas” que viajam só para curtir essa temperatura de friza (freezer). Garantia que já tinha trabalhado em geleira de um barco pesqueiro entre Porto Velho e Manaus e por isso já estava acostumado ao tempo frio. Perguntado se gostava de sua terra natal ele dizia que Rondônia foi feita só para os ricos. “Se sobrar alguma coisa, eles dão de esmolas para nós os pobres, que não têm vez em lugar nenhum do mundo”.

Sempre operando máquinas, ajudou na abertura da Avenida rio Madeira, hoje Chiquilito Erse, abriu a Jorge Teixeira para ligá-la ao aeroporto, hoje Espaço Alternativo e quando o José Guedes era prefeito de Porto Velho, ajudou na abertura da Zona Leste da cidade. Leo tinha um grande coração e por causa dele veio a óbito. Viu as condições de “campo de concentração” do Hospital João Paulo Segundo onde ficou internado por muitos dias. “Andou” também pelo Hospital de Base e em algumas clínicas particulares. Por causa do diabetes, sabia da morte certa e por isso resolveu, contra tudo e contra todos, “despedir-se” da sua amada Ilha. Com a família, participou pela última vez do festejo de São Pedro onde se divertiu como pôde. Fez covas para enterrar muitos no Tonhão. E acabou enterrado lá. Normal não ter nenhuma autoridade em seu velório. Sua lição ficará e jamais será nome de rua, embora tenha aberto tantas.

*É Professor em Porto Velho

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