Liberdade de expressão não protege manifestações concretas de ódio religioso

As manifestações concretas de ódio religioso não são protegidas pela liberdade constitucional de expressão e manifestação do pensamento.

Conjur
Publicada em 14 de março de 2018 às 13:52
Liberdade de expressão não protege manifestações concretas de ódio religioso

Liberdade de expressão é "o mais precioso privilégio dos cidadãos", mas tem limites descritos pela própria Constituição, diz ministro Celso de Mello.

As manifestações concretas de ódio religioso não são protegidas pela liberdade constitucional de expressão e manifestação do pensamento. Por isso a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal negou Habeas Corpus e manteve a condenação de pastor da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo por incitação a discriminação religiosa. Ele foi condenado a três anos de prisão, no regime inicial aberto.

O direto de pensar, falar e escrever sem censuras ou restrições é o mais precioso privilégio dos cidadãos, mas não é absoluto e tem limitações éticas e jurídicas, explicou o ministro Celso de Mello, em seu voto. “Se assim não fosse, caluniar, injuriar, difamar ou fazer apologia de fatos criminosos não seriam suscetíveis de punições”, disse, ao acompanhar o ministro Dias Toffoli, primeiro a divergir do relator, ministro Luiz Edson Fachin, que votou a favor da concessão do HC.

"O abuso no exercício da liberdade de expressão não pode ser tolerado", afirmou o ministro Celso. "Os postulados da igualdade e da dignidade pessoal dos seres humanos constituem limitações externas à liberdade de expressão, que não pode, e não deve, ser exercida com o propósito subalterno de veicular práticas criminosas tendentes a fomentar e a estimular situações de intolerância e de ódio público."

Para Dias Toffoli, social e historicamente o Brasil se orgulha de ser um país de tolerância religiosa, valor que faz parte da construção de nosso Estado Democrático de Direito. De acordo com o ministro, a condenação transcreve vídeos publicados na internet que alimentam o ódio e a intolerância. Citando trechos dos vídeos, o ministro entendeu que, se o Estado não exercer seu papel de pacificar a sociedade, vai se chegar a uma guerra de religiões. “Ao invés de sermos instrumento de pacificação, vamos aprofundar o que acontece no mundo”, declarou.

O ministro Ricardo Lewandowski, que também acompanhou a divergência, disse que o Preâmbulo da Constituição fala na construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. Para ele, a ação do condenado atua contra um importante valor erigido pelos constituintes como fundamento da República Federativa do Brasil, que é a solidariedade.

Caso Ellwanger
Terceiro a votar pelo desprovimento do recurso, o ministro Gilmar Mendes lembrou do célebre julgamento do “caso Ellwanger” (HC 82.424), em setembro de 2003, quando o Supremo manteve a condenação imposta ao escritor gaúcho Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra judeus. A decisão é um histórico precedente de imposição de limites à liberdade de expressão como forma de dar mais efetividade ao princípio da liberdade religiosa, como explicou o ministro Maurício Corrêa, autor do voto vencedor.

No caso do pastor, Gilmar Mendes disse que, a despeito da importância dada à liberdade de expressão, o próprio texto constitucional impõe limites. O artigo 220, parágrafo 1º, da Constituição diz que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observados determinados incisos do artigo 5º, onde estão contidas as limitações.

Gilmar disse ainda que, no Brasil, convivem pacificamente comunidades as mais diversas, que às vezes estão em guerra mundo afora. “Esse é um valor que precisamos preservar.”

"Bíblia, sim"
Segundo a acusação, o pastor publicou vídeos e postou ofensas a autoridades e seguidores de outras crenças religiosas — católica, judaica, islâmica, espírita, wicca, umbandista e outras —, pregando inclusive o fim de algumas delas e imputando fatos ofensivos aos seus devotos e sacerdotes.

O pastor, que agora usa a internet para atacar o Direito com o lema "Bíblia, sim, Constituição, não", tentou derrubar a condenação, mas não conseguiu. No Superior Tribunal de Justiça, o ministro Joel Ilan Paciornik explicou: o caso do pastor trata apenas da defesa da própria crença, mas de um ataque ao culto alheio que põe em risco a liberdade religiosa. 

Após a rejeição do HC pelo STJ, a defesa apresentou recurso ao STF pedindo o trancamento da ação por atipicidade da conduta. Segundo os advogados, a condenação ideológica de outras crenças é inerente à prática religiosa, uma garantia constitucionalmente assegurada.

O relator do caso, ministro Luiz Edson Fachin, votou pelo provimento do recurso. Para ele, apesar de caracterizar uma atitude “absolutamente reprovável e arrogante”, o ato narrado não pode ser tipificado penalmente. A conduta, ainda que “intolerante, pedante e prepotente”, se insere no embate entre religiões e decorre da liberdade de proselitismo essencial ao exercício da liberdade religiosa, frisou o relator.

Ataques ao Judiciário
Mesmo com a condenação pelas publicações na internet, o pastor continua usando essa ferramenta para atacar os outros. Desta vez, o foco do condenado é o Direito e o Judiciário. Em diversos vídeos publicados no YouTube, o pastor e seus fiéis defendem o lema "Bíblia, sim, Constituição, não". 

"O sistema judiciário é a maior bandalheira que as nações inventaram. Homens dando sentença em cima das leis que eles próprio criaram. O homem quando cria uma lei deixa margem para dúbias interpretações. Não é como a palavra de deus, que é interpretada por sacerdote e a coisa é sim, sim, não, não", diz o pastor condenado, em um vídeo publicado em janeiro, no qual ironiza a Justiça dizendo que a cadeia para ele é apenas um descanso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Clique aqui para ler o voto do ministro Celso de Mello.
RHC 146.303

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