MPF apura aumento no desmatamento e nas queimadas na Amazônia, em investigações em Santarém, Itaituba, Altamira e Belém

Procuradores investigam a queda nas fiscalizações, a ausência de apoio aos órgãos ambientais e o Dia do Fogo, anunciado por fazendeiros na semana passada

Ascom MPF/PA
Publicada em 22 de agosto de 2019 às 17:05
MPF apura aumento no desmatamento e nas queimadas na Amazônia, em investigações em Santarém, Itaituba, Altamira e Belém

Fumaça das queimadas na Amazônia registrada do espaço. Imagem do dia no site da Agência Espacial Americana: NASA Worldview, Earth Observing System Data and Information System (EOSDIS)

Diante dos dados alarmantes recolhidos pelos sistemas de satélite sobre o aumento na devastação em várias porções da floresta amazônica, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará conduz investigações em três municípios e na capital paraense, para apurar a diminuição no número de fiscalizações ambientais na região, a ausência da Polícia Militar do estado no apoio às equipes de fiscalização e o anúncio, veiculado em um jornal de Novo Progresso (sudoeste do estado) convocando fazendeiros para promoverem um “Dia do Fogo”, na semana passada. Os procuradores da República em Santarém, Itaituba, Altamira e Belém apuram a relação entre a redução da fiscalização ambiental e o crescimento, registrado em dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de 50% no desmatamento e de 70% nas queimadas.

Para o MPF, “o enfrentamento do desmatamento ilegal é uma política de Estado, não de governos específicos”, está previsto em inúmeros compromissos nacionais e internacionais do Brasil e é imposto pela Constituição brasileira e pela Política Nacional de Meio Ambiente que diz: “a ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”. 

O procurador Camões Boaventura destacou  “a existência de diversos estudos científicos que correlacionam o desmatamento e as queimadas à perda expressiva da biodiversidade, ao aquecimento global, à desregulação hidrológica dos regimes de chuvas, à insegurança alimentar (sobretudo dos povos da floresta) e à ampliação de doenças de origem ambiental, como as cardiorrespiratórias”. “Em suma, o enfrentamento do desmatamento e das queimadas não é faculdade do Poder Público. É dever!”, diz no documento que deu início ao procedimento de apuração em Santarém.

O procurador afirma que, apesar dos dados oficiais mostrarem aumento no desmatamento e dos relatos recebidos de povos da floresta confirmarem a emergência de crimes ambientais, o MPF tem recebido cada vez menos autos de infração – documentos que resultam da fiscalização ambiental – lavrados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Mesmo com a crise orçamentária do país, diz Boaventura, “está consolidado nas instâncias judiciais nacionais o entendimento de que restrições de cunho orçamentário não podem ser impostas indiscriminadamente a ponto de obstar a concretização das ordens constitucionais relativas aos direitos fundamentais da sociedade, como é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), o direito à saúde (art. 6º, caput) e o direito à vida (art. 5º, caput), todos de estatura constitucional”. 

O MPF questiona o argumento do déficit orçamentário inclusive com as recentes ações e declarações das autoridades governamentais em Brasília que dispensaram os serviços do Inpe, uma entidade pública federal, anunciando a contratação de empresa privada para realizar o sensoriamento remoto de áreas desmatadas. “Dispensou-se, ainda, vultosa quantia que seria repassada por outros países ao Brasil a título do Fundo Amazônia para combater o desmatamento”.

Na abertura da investigação, a procuradoria da República em Santarém alerta ainda para o fato de que a negligência nos compromissos do Estado brasileiro com o meio ambiente pode resultar em responsabilização civil e constituir atos de improbidade administrativa, passíveis de punições como a perda dos direitos políticos e multas. “Em outras palavras, são responsáveis civilmente por danos ambientais qualquer pessoa, física ou jurídica, que tenha agido em desfavor do meio ambiente ou tenha deixado de agir em favor do meio ambiente quando deveria fazê-lo, o que é o caso do poder público”, diz.

“Há de se lembrar, mais uma vez, que a política de enfrentamento ao desmatamento e às queimadas não é faculdade. Não é opção. É obrigação estatal, independentemente da afinidade com a pauta de quem assume instâncias de poder. As repercussões podem ser, ainda, na esfera penal, como, por exemplo, a incidência dos tipos penais de prevaricação, advocacia administrativa (ambos previstos no Código Penal) e art. 684 da Lei  9.605/98 (que dispõe acerca das sanções penais das condutas lesivas ao meio ambiente)”, afirma no documento. 

A investigação em Santarém prevê uma série de medidas: levantamento detalhado dos autos de infração ambiental enviados pelas autoridades do Executivo ao MPF, pedidos de informações às instituições científicas que trabalham com os temas do desmatamento e das queimadas e requerimentos para que o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama e o ICMBio enviem dados detalhados sobre as ações de combate ao desmatamento e aos incêndios florestais. 

Dia do Fogo – Em Itaituba, o procurador da República Paulo de Tarso Moreira Oliveira investiga a convocação divulgada em jornal de Novo Progresso, no sudoeste do Pará, supostamente feita por fazendeiros, para um “dia do fogo”, em que os produtores rurais incendiariam grandes áreas de floresta para, nas palavras do jornal Folha do Progresso “mostrar vontade de trabalhar ao presidente Bolsonaro”. “Precisamos mostrar para o presidente que queremos trabalhar e único jeito é derrubando. E para formar e limpar nossas pastagens, é com fogo”, afirmou ao jornal um dos organizadores do “queimadaço”.

O dia previsto para a dita manifestação era 10 de agosto e dados do Inpe mostraram um incremento significativo nas queimadas nesse e nos dias posteriores, principalmente nos municípios de Novo Progresso e Altamira, ambos cortados pela BR-163 e campeões de desmatamento na região amazônica. De acordo com o Inpe, Novo Progresso teve 124 registros de focos de incêndio no “dia do fogo”, um aumento em 300% em relação ao dia anterior. No dia seguinte foram 203 focos. Em Altamira, os satélites detectaram 194 focos de queimada em 10 de agosto e 237 no dia seguinte, um aumento impressionante de 743% nos focos de incêndio.

A investigação do MPF em Itaituba questionou o Ibama antes da data prevista para a dita “manifestação” sobre a necessidade de fiscalização preventiva. Em resposta, o escritório da autarquia informou que as ações de fiscalização estavam prejudicadas pela ausência de apoio da Polícia Militar, “o que acaba por colocar em risco a segurança das equipes em campo. O Ibama conseguiu enviar apenas uma viatura para “fortalecer a brigada do Prevfogo em Itaituba”, mas o “dia do fogo” efetivou-se assim mesmo. 

“Pode se constatar, diante de tal cenário, grave negligência do Estado na proteção da floresta amazônica, o que abre larga margem para ações desenfreadas por infratores contra o meio ambiente. Tem-se, ainda, notícia de que os focos de incêndio ocorreram, inclusive, no interior de áreas públicas federais, como Unidade de Conservação Flona do Jamanxim, recategorizada por lei que reduziu drasticamente sua área, e, Reserva Biológica Nascentes Serra do Cachimbo, a qual já sofre intensa pressão por grileiros, fazendeiros e mineradores, sendo de extrema relevância a investigação dos possíveis crimes ambientais perpetrados em seus interiores durante a ocorrência das queimadas noticiadas”, diz o procurador Paulo de Tarso no documento inicial da investigação, que requisita informações do Ibama, da Força Nacional, da PM do Pará, do Ministério Público do Pará (MPPA) e da Polícia Civil, que já abriram investigação sobre o “dia do fogo”.

Ausência de fiscalização – Em Altamira e Belém, o que chama atenção dos procuradores da República é a justamente a precariedade da fiscalização ambiental. Em Belém os procuradores Nathalia Mariel e Ricardo Negrini tentam há dez dias agendar uma reunião com a Secretaria de Segurança Pública e o comando da Polícia Militar para tratar da retirada do apoio policial às ações de fiscalização ambiental, que impediu o Ibama de conter o “dia do fogo”. As denúncias de que o governo do Pará retirou as tropas que faziam a segurança dos fiscais nas áreas de desmatamento foram divulgadas em jornais locais e nacionais e, se confirmadas, podem estar contribuindo para a precariedade na fiscalização ambiental e o aumento tanto de queimadas quanto de derrubadas florestais. 

Em Altamira o problema é crônico e está relacionado à instalação da usina de Belo Monte. A procuradora Thais Santi registrou denúncias de invasões de quase todas as terras indígenas na região do médio Xingu, por quadrilhas de grileiros, madeireiros e garimpeiros, para roubo de terras, madeira e minerais preciosos. Enquanto os conflitos se alastravam na esteira da intensa migração promovida pelo governo brasileiro para a região das obras da hidrelétrica, a partir de 2010, a fiscalização ambiental foi ficando cada vez mais reduzida, o que tem se agravado em 2019. 

As quadrilhas ficaram livres para agir, apesar de a proteção das terras indígenas ser uma condicionante específica de Belo Monte e, no escritório do Ibama na cidade, restam hoje apenas três servidores, sem verbas ou equipamentos para realizar qualquer trabalho. O problema é antigo e, por esse motivo, as investigações em Altamira são anteriores à recente explosão nas taxas de desmatamento e queimadas em toda a Amazônia. A apuração do MPF prevê vistorias e inspeções na região para concluir o trabalho nas próximas semanas. 

Íntegra do despacho de abertura de investigações sobre o desmatamento em Santarém

Íntegra do despacho de abertura de investigações sobre o “dia do fogo” em Itaituba
 

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