MPF defende constitucionalidade de lei que instituiu rol exemplificativo para tratamentos não previstos pela ANS
PGR afirma que a prestação de serviços de saúde pressupõe responsabilidade da operadora de arcar com obrigações assumidas
O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou pela constitucionalidade da lei que instituiu o rol exemplificativo de tratamentos de saúde previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Augusto Aras, sustenta que a escolha das operadoras em prestar serviços de saúde pressupõe sua responsabilidade em custear integralmente com as obrigações assumidas, considerados o caráter público da atividade e os princípios e valores da ordem econômica.
A manifestação se deu na Ação Direta De Inconstitucionalidade (ADI) 7.265/DF, ajuizada pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) para questionar trechos da Lei 9.656/1998 – a chamada Lei dos Planos de Saúde – e suas alterações. Os dispositivos impugnados (art. 10, §§ 12 e 13) preveem de forma expressa a possibilidade de cobertura pelas operadoras privadas de tratamentos e procedimentos não previstos no rol da ANS, quando indicados pelo profissional da saúde. Para isso, a norma exige que haja comprovação científica da eficácia do tratamento prescrito, ou recomendação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou órgãos de avaliação de tecnologia em saúde de renome internacional.
De acordo com o PGR, a previsão de hipóteses de cobertura excepcional não impacta o poder regulatório da ANS sobre o setor, que segue com atribuição para definir e atualizar o rol de procedimentos cobertos e suas demais competências regulatórias. “O rol estabelecido pela ANS é importante para garantir análise técnica criteriosa quanto ao que é oferecido ao usuário, mas não pode importar restrição de seu direito”, defendeu Aras.
Direito à saúde – O parecer argumenta que a Constituição de 1988 alçou a saúde à condição de direito fundamental e impôs ao poder público o dever de assegurar sua proteção, promoção e recuperação. Para isso, constitucionalizou o Sistema Único de Saúde (SUS) e estabeleceu como diretrizes a atuação descentralizada, o atendimento integral à população e a participação da comunidade em sua gestão.
Em complementariedade ao sistema público, a Constituição facultou às empresas privadas prestarem serviços de saúde, impondo ao poder público a fiscalização do setor a fim de corrigir falhas no funcionamento do mercado e proteger os usuários de possíveis abusos. A ANS e a Lei 9.656/1998 surgiram, então, para regular os planos e seguros privados de assistência à saúde, determinando a cobertura mínima a ser oferecida e vedando contratos que propiciassem cobertura inferior. À agência coube ainda pormenorizar os procedimentos que devem integrar esse catálogo básico, bem como suas exclusões.
“No entanto, mesmo diante da possibilidade de inclusão periódica de novos tratamentos no rol de cobertura obrigatória, é preciso considerar que o avanço e a evolução de tecnologias na medicina nem sempre são acompanhados, com a mesma velocidade, por mecanismos que garantam que serão disponibilizados à população em tempo adequado – ou a qualquer tempo –, seja pelo sistema de saúde público, seja no âmbito da saúde suplementar paga”, ressaltou Augusto Aras na manifestação.
Para o procurador-geral, é positiva a existência de uma lista de procedimentos com cobertura certa e atualização periódica, o que garante segurança nos tratamentos disponibilizados aos pacientes e previsibilidade contratual à operadoras. “De outro lado, há de se considerar a situação de vulnerabilidade do paciente usuário do plano de saúde, que, por vezes, necessitará de tratamento não constante da lista prevista pela ANS. É justa a expectativa de que a operadora do plano o garanta, uma vez indicado pelo profissional de saúde que o acompanha, perspectiva que decorre da própria natureza dessas relações jurídicas”, ponderou o parecer.
Segundo a manifestação de Aras, as hipóteses de cobertura fora do rol da ANS são excepcionais. “Serão deferidas caso a caso, após exame particularizado, sem implicar inclusão automática no rol da ANS. A autorização segue pontual e excepcional, a partir da indicação do médico assistente”.
Equilíbrio financeiro – Em outro trecho do parecer, o PGR diz não corresponder à realidade a alegação das operadoras de planos de saúde de que haveria inviabilidade econômica caso se adote o modelo do rol exemplificativo. O PGR argumenta que, para coibir o desperdício e gerenciar os custos, as operadoras podem, desde que explicitado em contrato, realizar auditorias e perícias como parte do processo de análise de solicitação de procedimento submetido à autorização prévia (Resolução 8/1998 do Conselho de Saúde Suplementar).
O procurador-geral cita ainda a precificação desses planos, que é viabilizada por estudos epidemiológicos e avaliações atuariais. “Nesse passo, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos planos se realiza em grande medida por meio dos mecanismos de fixação dos reajustes aplicáveis às mensalidades, os quais são alvo de normas da ANS e levam em conta as variações das despesas assistenciais e as taxas de sinistralidade”.
No parecer, o PGR defende que seja conferida interpretação conforme à Constituição Federal, para se reconhecer que o requisito da segurança do tratamento a ser eventualmente disponibilizado também está abrangido pela Lei 9.656/1998.
Íntegra da Manifestação na ADI 7.265/DF
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