MPF pede ao TRF2 continuidade de ação sobre desvio de finalidade nas comemorações do Bicentenário da Independência em Copacabana

Ação aponta que a União contribuiu para confusão entre evento oficial de celebração do bicentenário e manifestações político-partidárias na orla da praia

MPF/Foto: Agência Brasil
Publicada em 03 de abril de 2023 às 15:21
MPF pede ao TRF2 continuidade de ação sobre desvio de finalidade nas comemorações do Bicentenário da Independência em Copacabana

Naves da Aeronáutica realizam manobras em Copacabana durante o bicentenário da Independência

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu de sentença da Justiça Federal no Rio de Janeiro que extinguiu ação civil pública, ajuizada pelo órgão, para apurar omissões da União na realização das comemorações cívico-militares do Bicentenário da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 2022, na praia de Copacabana, no município do Rio de Janeiro. As omissões permitiram a diluição da celebração oficial em manifestação político-partidária, se caracterizando assim o desvio de finalidade. A Justiça Federal extinguiu o processo de plano sem oferecer ao MPF qualquer possibilidade de esclarecimento dos pedidos, o que levou o órgão a apresentar seu recurso direcionado ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).

Segundo a ação do MPF, ajuizada pelos procuradores da República Jaime Mitropoulos, Julio José Araujo Junior e Aline Mancino Caixeta, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, incumbidos por normativa do Ministério da Defesa da organização e do planejamento dos eventos do Bicentenário da Independência, deixaram de adotar medidas claras, concretas, eficazes e suficientes para garantir que a celebração não servisse de palanque para manifestação político-partidária em prol do grupo político do então presidente da República.

Além disso, os comandantes tomaram decisões que favoreceram ainda mais a confusão entre os eventos, como a transferência do local tradicional de celebração (Avenida Presidente Vargas), a instalação de espaço para autoridades a poucos metros do carro de som da manifestação na orla da praia de Copacabana, a não instalação de equipamentos que deixassem clara a diferenciação e praticamente nenhum fator de contenção quanto à confusão verificada.

Na ação, o MPF requer que a União seja condenada a realizar cerimônia pública de pedido de desculpas, no Rio de Janeiro, com ampla divulgação e participação dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Também foi requerida a elaboração de relatório circunstanciado para esclarecer os fatos e identificar toda a cadeia de acontecimentos que permitiu a ocorrência dos episódios narrados, com a adoção das medidas pertinentes, caso sejam identificados ilícitos disciplinares envolvendo agentes públicos, que tenham concorrido para os atos e omissões.

A ação civil pública busca ainda a regulação da participação das Forças Armadas em festividades com características similares à da independência e a realização de curso de formação aos militares para enfatizar os princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito, aos direitos humanos e à neutralidade política das Forças Armadas.

Sentença - Na decisão, a Justiça Federal argumenta que a pretensão de condenação da União a pedir desculpas seria juridicamente inviável e que “pessoa jurídica não se arrepende”, e sim os seus dirigentes. Para o MPF, a fundamentação da decisão desconsidera toda a discussão apresentada na ação sobre a reparação simbólica por meio do pedido de desculpas, o qual deve ser apresentado pelo Estado, e não pelos indivíduos. Segundo os procuradores, “é uma questão de responsabilidade civil objetiva, que é objeto de diversas decisões da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, e não de assunção de caráter pessoal de cada dirigente de pessoa jurídica”.

A decisão assevera ainda que a realização de cerimônia pública de pedido de desculpas não seria cabível em razão do “alto custo” a ser suportado pela União na organização do evento. De acordo com os procuradores da República, “houve, neste ponto, total desconsideração de diversos julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos que estabelecem o “pedido de desculpas” por Estados nacionais como uma medida importante de reparação simbólica em caso de violações de direitos humanos”. O órgão destaca ainda que o Conselho Nacional de Justiça já recomendou aos juízes a observância desses julgados nas decisões judiciais (Recomendação 123/2022), o que foi desconsiderado pelo juiz de 1º grau. Além disso, quanto ao eventual custo das cerimônias, não caberia à Justiça avaliar a questão neste momento, pois trata-se de questão de mérito.

Quanto ao pedido do MPF para elaboração de relatório circunstanciado, a sentença afirma que os procuradores já teriam convicção acerca do que motivou os eventos descritos na ação, de modo que a elaboração do relatório “caracterizaria um pedido vago e desnecessário”. Para o MPF, desconsiderou-se que o princípio da publicidade demanda dos Estados nacionais que adotem providências que esclareçam ao público e à sociedade todas as informações necessárias para a compreensão de fatos que interessam à nação, indo além dos elementos colhidos pelo MPF, inclusive para fins de responsabilidade disciplinar dos envolvidos.

No que se refere a pedidos como a regulação geral de celebrações e o estabelecimento de protocolos sobre festividades como a da independência no Rio de Janeiro, o MPF ressalta que não houve afronta à separação de Poderes. “Note-se que a ação não pretende que o próprio julgador produza a regulamentação geral sobre os eventos, mas apenas objetiva que o próprio Poder competente seja compelido a cumprir o dever que lhe foi imposto na Constituição da República e em normas infraconstitucionais”.

Por fim, quanto à adoção de cursos de direitos humanos, o MPF destaca que a iniciativa não é inédita, pois decorre de "recomendação da Comissão Nacional da Verdade, cuja incidência e efetivo cumprimento também podem ser buscados em sede judicial, notadamente à luz dos acontecimentos e violações observadas no evento de 7 de setembro tratado nestes autos”. O órgão ressalta que o conteúdo programático e as medidas a serem adotadas para a sua viabilização dependem da atuação concreta do Poder Executivo, de modo que não se trata de intromissão indevida em outro Poder.

Os procuradores concluem que “todos os pedidos formulados são juridicamente possíveis e decorrem logicamente dos fatos narrados, de modo que a extinção prematura do feito merece ser revisada pelo TRF2, seja pela observância da nulidade da sentença, seja para fins de reforma”. O recurso segue agora para o Tribunal, onde ainda será julgado.

Ação civil pública 5012156-57.2023.4.02.5101

Íntegra do recurso

Inicial da ação

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