MPF pede que justiça anule eliminação de candidatos com deficiência de concurso da Polícia Federal
Segundo a ação, organizadores apenas simulam cumprir legislação e decisões do STF. Na prática, permitem a inscrição de candidatos com deficiência, mas automaticamente os exclui do processo seletivo, sumariamente, pela simples razão de terem a deficiência
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública contra a União e o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), para que sejam anulados os atos administrativos de eliminação dos candidatos com deficiência de concurso público da Polícia Federal iniciado em 2021 e ainda em andamento.
De acordo com o MPF, é regra dos concursos da PF impor a eliminação de candidatos com deficiência em momento inadequado e de forma totalmente abstrata: candidatos são eliminados em fases iniciais dos certames simplesmente em razão de possuírem determinada deficiência, sem que sejam submetidos a testes que provem eventual incompatibilidade entre a deficiência e as atribuições do cargo. Tampouco são apontados, de forma detalhada, os prejuízos da eventual limitação do candidato para o exercício das funções.
Desde 2019, a unidade do Ministério Público Federal localizada em Belo Horizonte (MG) investiga denúncias relativas a concursos da Polícia Federal quanto a supostas irregularidades discriminatórias cometidas contra pessoas com deficiência: todos os candidatos nessas condições que pleitearam alguma vaga nos concursos da PF, especialmente nos certames de 2014 e 2018, foram eliminados. As mesmas falhas (ou vícios) repetiram-se no edital do concurso de 2021.
Durante as investigações, o Cebraspe, entidade que organiza e promove os concursos, informou que, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário nº 676.335, passou-se a abrir vagas para os candidatos com deficiência nos concursos públicos das carreiras policiais. Porém, o Cebraspe ressalvou que, embora os organizadores tenham sido obrigados ao oferecimento das vagas, não houve alteração no perfil dos profissionais que deverão ser selecionados, tampouco nas atribuições para os cargos das carreiras policiais.
A decisão do STF mencionada pelo réu, e que resultou de outra ação civil pública movida pelo MPF em Minas Gerais, dispôs que a Constituição Federal assegura que pessoas com deficiência participem de concursos públicos em igualdade de condições com os demais concorrentes, e que a “presunção de que nenhuma das atribuições inerentes aos cargos de natureza policial pode ser desempenhada por pessoas portadoras de uma ou outra necessidade especial é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro (...). Também não é possível – e fere frontalmente a Constituição da República – admitir-se, abstrata e aprioristicamente, que qualquer tipo de deficiência impede o exercício das funções inerentes aos cargos postos em concurso”.
Deficiência como causa de exclusão – O MPF lembra que regulamento da própria Polícia Federal (Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999) exige apenas que o candidato goze de boa saúde física/psíquica e aptidão física. No entanto, os editais relacionam uma série de condições clínicas, sinais ou sintomas que autorizariam a Junta Médica a eliminar os candidatos automaticamente, por serem abstratamente considerados incapacitados para o exercício das funções.
O irônico é que muitas dessas condições clínicas são exatamente as mesmas que os qualificam para disputarem o concurso nas cotas reservadas para candidatos com deficiência.
Ou seja, destaca o MPF, “o edital formalmente atende à exigência legal e permite a inscrição de candidatos com deficiência, mas automaticamente os exclui do processo seletivo, sumariamente, pela simples razão de terem a deficiência”.
Ilegalidade - A ação civil pública destaca que os concursos da PF violam o princípio da legalidade, pois os editais estabelecem critérios restritivos para a participação nos concursos que não estão previstos em lei.
“A título exemplificativo, um candidato com frouxidão ligamentar ou lúpus poderia ter aptidão nas provas teóricas e nos testes de capacitação física, mas seria eliminado sumariamente no exame de saúde pelo motivo de ter tais condições, sendo que, dentro desses quadros, existe um espectro enorme que permite que pessoas diagnosticadas com tais síndromes não apresentem qualquer sintoma incapacitante para nenhuma das atribuições dos cargos pleiteados”, destaca a ação, para questionar: “como aferir, abstratamente, que um candidato, apenas por ter determinada situação clínica/deficiência, não seria apto para realizar todas as atribuições de um policial federal? Qual a limitação concreta para tais atividades que a deficiência apresentada pelo candidato provoca?”
A ação ainda diz que a previsão de eliminação sumária pelo simples fato de o candidato possuir determinada patologia ou deficiência também fere os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, porque significaria esvaziar a garantia de acesso aos cargos públicos a essas pessoas.
O MPF analisou os laudos de perícia emitidos pelas Juntas durante os concursos e verificou que as decisões de reprovação dos candidatos com deficiência em nenhum momento avaliaram “como e se a limitação apresentada pelo candidato realmente teria algum impacto concreto nas atividades a serem desenvolvidas durante o exercício das atribuições do cargo”, em desrespeito inclusive às próprias regras do edital do concurso de 2021.
Ou seja, “a mera constatação da deficiência foi, por si só, a razão determinante para a eliminação dos candidatos do certame”, ferindo, consequentemente, também o princípio da motivação dos atos administrativos, cuja ausência impede o exercício do direito de defesa pelos candidatos eventualmente prejudicados.
Por fim, o MPF sustenta que, conforme reiterada jurisprudência, a verificação da incompatibilidade efetiva da pessoa com deficiência para o exercício das atribuições inerentes ao cargo para o qual está concorrendo deve ser aferida durante o curso de formação profissional ou durante o estágio probatório, e não em etapas anteriores. O que ocorre, na prática, é o descumprimento da Constituição e de todo o arcabouço legal de proteção ao direito das pessoas com deficiência.
A Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) proíbe restrição ao trabalho da pessoa com deficiência, assim como qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena.
“Entretanto, os certames para ingresso nas carreiras da Polícia Federal realizados nos anos de 2014, 2018 e 2021 pelo CEBRASPE inobservaram tais premissas, eis que, por meio da exclusão sistemática desses candidatos no processo de seleção, impediram a inserção social das pessoas com deficiência nos quadros da PF (…)’, sendo evidente a falta de amparo legal e de justificativa plausível para a discriminação” contra essas pessoas”, afirma o MPF.
Pedidos – Portanto, “estando os atos administrativos de eliminação, tanto da fase dos exames médicos, como da fase de exame biopsicossocial, eivados de nulidade absoluta por violação aos princípios da legalidade, moralidade e isonomia, são necessárias urgentes providências para garantir a participação efetiva (e não meramente formal) dos candidatos com deficiência nos concursos públicos da Polícia Federal”, diz a ação.
O MPF pede que a Justiça Federal, além de suspender os atos de eliminação dos candidatos com deficiência do Concurso 2021 (em andamento), também determine que os réus façam a adequada análise de compatibilidade das limitações do candidato com as atribuições do cargo durante o Curso de Formação e/ou no Estágio Probatório.
Pede-se também a convocação dos candidatos eliminados em virtude da deficiência para submissão a uma nova avaliação médica, que deverá se limitar a atestar se aqueles que se declararam como PCD de fato se qualificam como tal, e que eventual desclassificação de candidatos com deficiência ocorridas durante o curso de formação ou estágio probatório, em razão da inaptidão para o cargo, seja acompanhada de parecer motivado e fundamentado, evidenciando qual a incompatibilidade verificada.
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