MPF se reúne com outras instituições para ampliar combate ao racismo nas polícias

Evento com especialistas, no Rio de janeiro, consolida estratégias de atuação e lança livro digital

MPF
Publicada em 18 de agosto de 2023 às 11:19
MPF se reúne com outras instituições para ampliar combate ao racismo nas polícias

Coordenador do GT, Paulo Leivas, e as relatoras das oficinas: Jaqueline Sinhoretto e Waldilene Antônio - Foto: Comunicação/MPF

O combate ao racismo institucional em polícias no Brasil foi discutido em reuniões de trabalho na sede do Ministério Público Federal (MPF) na 2ª Região (RJ/ES), na cidade do Rio de Janeiro, nos dias 16 e 17 de agosto. O seminário Racismo na Atividade Policial: Perspectivas e Desafios, com especialistas em segurança pública e direitos humanos de instituições estatais e da sociedade civil, reuniu propostas de atuação para ampliar o antirracismo nas Polícias Federal (PF), Rodoviária Federal PRF) e Penal. O evento foi realizado pelo Grupo de Trabalho (GT) Interinstitucional contra o Racismo na Atividade Policial (veja mais sobre o GT ao fim do texto).

Os subprocuradores-gerais da República José Adonis Callou e Maria Iraneide Facchini e os procuradores regionais Artur Gueiros (MPF/2ª Região) e Paulo Leivas (GT) representaram o MPF na abertura e ressaltaram que o órgão necessita lidar com a agenda antirracista também no controle externo da atividade policial. “É um momento muito propício para essa discussão e para a busca de aprimoramento. Há o fortalecimento da sociedade em termos de combate ao racismo”, afirmou Adonis, para quem tal agenda é comum ao Estado e à sociedade. “A crítica não é só às atividades de polícia, mas também ao nosso trabalho de controle externo da atividade policial e do sistema penitenciário”.

A abertura contou com o diretor-geral da PRF, Antônio Fernando Oliveira, e os representantes da PF no RJ, Lucas Barros Lessa, e da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), Adriana Santos Silva. Eles declararam que suas instituições reconhecem que o racismo visto na sociedade também se manifesta em suas instituições e compartilharam a ideia de que a participação no evento demonstra um compromisso antirracista dos órgãos participantes. “Reconhecer o racismo é fundamental para formular roteiros contra ele”, frisou Oliveira, da PRF. “Se não der o primeiro passo, estará sempre esperando em vez de agir”. Na mesma linha, Lessa e Santos Silva se referiram à pauta do combate ao racismo estrutural para realçar o valor do evento.

Na palestra inaugural, a diretora de Ações Governamentais do Ministério da Igualdade Racial (MIR), Ana Míria Carinhanha, citou dados do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública ao apontar a elevada representação de pessoas negras no sistema prisional (67%) e entre os mortos pelas polícias (84,1%). “Muitos âmbitos de estudos têm usado de forma errônea a ideia de racismo estrutural, de modo que as pessoas não se responsabilizam por um lado, e instituições se desresponzabilizam de forma coletiva, por outro”, notou Carinhanha, que definiu sua fala como de cunho teórico e político no sentido da provocação.

A diretora no MIR lançou questão sobre qual o compromisso da polícia com o letramento racial em sua estrutura. Carinhanha enalteceu a iniciativa do MPF com o seminário: “Este evento nos traz a nobreza de pensar que algo não está correto e precisa ser mudado. Há uma decisão política a ser tomada. Quando falamos de protocolos, por exemplo, falamos da iniciativa para desfinanciar polícias com perfil mais hostil, em favor de polícias mais orgânicas. É preciso pensar no interior das formações”. Sua fala foi interpelada por representantes da PRF, Viva Rio, Academia Nacional da PF e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

Livro digital e relatórios – Em seguida, o GT lançou o livro digital Racismo na atividade policial, coletânea de artigos para disseminar ampliar o debate, no MPF ou fora, sobre o racismo e seus efeitos para a segurança pública. O livro está disponível no site do MPF.

Nos dois dias, os participantes se dividiram em oficinas de trabalho sobre três temas: perfil racial e étnico dos sistemas prisionais e da segurança pública; formação policial; e protocolo de atuação antirracista. Cada grupo foi instado a fazer proposições de estratégias práticas de atuação nessas frentes. As estratégias discutidas incluíam ideias de propostas (como sobre investigações de delitos de racismo, injúria racial e tortura), notas técnicas (ex. relativa à transparência sobre ações policiais) e eventos, entre outras.

O procurador regional Paulo Leivas, coordenador do GT, avaliou que o seminário foi bem-sucedido ao discutir o racismo estrutural e o racismo institucional, que não se trata de casos isolados, mas de uma cultura institucional. “Há uma cultura institucional baseada em ideias ou suposições, muitas vezes inconscientes, que produzem estereótipos negativos a respeito de pessoas negras”, afirmou Leivas. “Cabe registrar a participação dos representantes das polícias reconhecendo que há um problema do racismo institucional, que é uma problemática persistente nas instituições”.

Propostas - As estratégias aprovadas como diretrizes de atuação para o GT incluem: orientação às polícias pela proibição de perfilamento racial nas abordagens policiais; proposta para aprimorar investigações de delitos de racismo, injúria racial e tortura; proposta/nota técnica para elas construírem e manterem protocolos e rotinas de coleta, armazenamento e disponibilidade de dados sobre ações policiais e indicadores que favoreçam a transparência e a prestação de contas.

Além disso, também foram propostas diretrizes voltadas para a equidade étnico-racial na composição das carreiras de servidores, nos cargos de chefias e na relação com o público no desempenho de suas ações; para manter fóruns permanentes de monitoramento e reflexão sobre mudanças necessárias em procedimentos organizacionais para construir uma segurança pública antirracista com participação social; e orientação sobre coleta e tratamento de dados sobre mortos em ocorrências policiais (investigações de responsabilidade, treinamento policial e protocolos de operação).

Outras estratégias consensuais aos participantes do evento foram: orientação e nota técnica para desenvolver protocolos de atuação para a melhoria de provas materiais e de autoria em casos de mortes decorrentes de ações policiais, inclusive quando as polícias federais atuam com outras forças para inibir o uso abusivo da força; elaboração de nota técnica para analisar a compatibilidade do direito à identidade com as restrições de segurança em abordagens dos órgãos de segurança pública e no sistema prisional para evitar a estigmatização e reprodução de preconceitos raciais e religiosos; nota técnica sobre a identidade cultural das pessoas negras em situação de privação de liberdade, tais como o corte de cabelo; e proposta de adicionar aos formulários de controle externo questionamento sobre o perfil étnico-racial das pessoas abordadas e autuadas em flagrante.

Sobre o GT – Lançado em 2020, o Grupo de Trabalho Interinstitucional contra o Racismo na Atividade Policial é ligado à Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional (7CCR) do MPF e reúne integrantes do MPF, PF, PRF, Senappen. IBCCrim, Defensoria Pública da União. Também participam representantes do Instituto Cidade Segura, Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Luta pela Paz, Rede Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Terrorismo de Estado e Educafro, além de pesquisadoras universitárias especialistas em segurança pública e direitos humanos.


Baixe aqui o livro digital Racismo na atividade policial

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