Nos 133 anos da Abolição da Escravatura não há o que comemorar, principalmente no ramo financeiro
Para o Sindicato dos Bancários e Trabalhadores do Ramo Financeiro de Rondônia (SEEB-RO), a lei assinada pela princesa Isabel não colocou a pessoa preta em situação de equidade social, política e econômica, e essa discrepância continua mais de um século depois
No dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea e libertou os escravos, dando aos pretos e pretas do Brasil uma liberdade que até hoje não desfrutam. Embora seja um processo recente para a história de um país com pouco mais de 520 anos, a abolição da escravatura não é uma data comemorada pelo movimento negro no Brasil, mas uma data de reflexão e, principalmente, de protesto, pois é inegável que após 133 anos em que a Lei Áurea foi assinada o racismo ainda existe na sociedade brasileira, e o capitalismo regente ainda é feito com base na exploração e discriminação, principalmente no mercado de trabalho e ainda mais evidente em um país devastado pela crise sanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus que, inclusive, mata mais pessoas de pele negra.
Para o Sindicato dos Bancários e Trabalhadores do Ramo Financeiro de Rondônia (SEEB-RO), a lei assinada pela princesa Isabel não colocou a pessoa preta em situação de equidade social, política e econômica, e essa discrepância continua mais de um século depois.
Essa triste realidade ainda permanece no setor financeiro, principalmente nos bancos, como comprovam os números do último Censo da Diversidade (realizado em 2019, em parceria da Contraf-CUT com a Febraban) e os estudos recentes do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
“A história nos conta uma versão em que a princesa Isabel é uma espécie de ‘heroína’, que foi a mulher que deu a tão almejada liberdade aos escravos. Mas é fato de que essa abolição só existiu no papel e que, até hoje, os negros, embora livres, continuam excluídos do processo social e isso está confirmado no mercado de trabalho diariamente, por exemplo, nos bancos. A categoria bancária é composta predominantemente por pessoas brancas. Você entra numa agência e a coisa mais difícil é você encontrar algum bancário ou bancária de pele negra, seja nos bancos públicos, seja nos bancos privados”, destaca o presidente em exercício do SEEB-RO, José Toscano.
DISCRIMINAÇÃO NO SETOR FINANCEIRO
É clara a ausência de negros e negras no sistema financeiro. Além disso, bancários e bancárias negros recebem percentualmente menos que um trabalhador não negro e a cor da pele é um obstáculo para ascensão profissional. Aos negros são dados cargos de menor remuneração e aqueles que não são de atendimento ao público. Eles ficam escondidos atrás dos biombos. É isso o que mostram os dados dos Censos da Diversidade Bancária, realizados em 2008, 2014 e 2019.
De acordo com o Censo da Diversidade de 2019, menos de 5% de pessoas negras estão nos cargos de diretoria das instituições financeiras. Conforme dados obtidos pela pesquisa, aplicada pelas entidades sindicais que representam os bancários, 68,8% da categoria se disseram brancos; 24,3% pardos; 28,2% negros e 2,8% amarelos. Cinco anos antes, a remuneração média de pessoas negras era de 87,3% em relação à dos brancos.
Já de acordo com o mais recente estudo do Dieese “A Inserção da População Negra no Mercado de Trabalho”, que teve como base a última PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE), do segundo trimestre de 2020, as pessoas negras - em comparação a pessoas consideradas não negras - lideram os números do trabalho desprotegido, da subutilização e da variação de número de ocupados (com algum trabalho), mas perdem nos números de ocupação em cargos de direção e do rendimento médio. (gráfico abaixo)
E na região Norte a tendência é confirmada, como em Rondônia, onde as pessoas negras representam 69% da população total do Estado. (gráfico abaixo)
PANDEMIA AGRAVA A DESIGUALDADE
A pandemia de Covid-19 impôs a paralisação de muitas atividades e exigiu que milhões de pessoas praticassem o isolamento social, provocando uma rápida e intensa recessão econômica que gerou, inclusive, o fechamento de empresas e o crescimento do desemprego, que já era muito alto. A população negra foi a mais afetada.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) trimestral, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a taxa geral de desocupação é de 13,3%. Entre os pretos alcança 17,8%. Considerando apenas os brancos, é de 10,4%.
Os números apontam que cerca de 11 milhões de trabalhadoras foram para a inatividade, sem condições de trabalhar ou procurar emprego; outros três milhões foram para o trabalho em casa (home office); quase 10 milhões tiveram seu contrato de trabalho suspenso ou redução da jornada de trabalho. Outros 13 milhões continuaram desempregados.
Os três maiores bancos privados do país (Bradesco, Itaú e Santander), que obtiveram lucro que soma R$ 36 bilhões nos nove primeiros meses de 2020, demitiram funcionários, e continuam demitindo em 2021, mesmo obtendo lucros e com uma pandemia ainda mais grave e letal que no ano passado.
“Portanto, não há o que se comemorar, e sim refletir e protestar contra essa permanente desigualdade social que afeta muito mais as pessoas negras. O Sindicato luta por mais contratações em todos os bancos, de pessoas de todas as etnias, mas não pode ignorar o fato de que os bancos, o setor que mais lucra no país, com ou sem crise, é um dos que mais deve colocar em prática iniciativas para que essa dívida histórica que o país tem com sua população negra seja quitada”, conclui Toscano.
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