O chamamento presidencial para jejum, certo ou errado?
Na semana que passou o Presidente da República, por meio de suas redes sociais, conclamou o povo brasileiro para que no domingo/05 de abril, fizesse um jejum coletivo em prol da Nação
Na semana que passou o Presidente da República, por meio de suas redes sociais, conclamou o povo brasileiro para que no domingo/05 de abril, fizesse um jejum coletivo em prol da Nação. Rapidamente mais uma polêmica envolvendo o inquilino do Palácio do Planalto e mandatário do país, que vem sem se notabilizando por suas manifestações irrefletidas, se instalou! Ao longo da semana vi alguns questionamentos do tipo: “Que absurdo, como pode um presidente de um país laico convocar o povo para um ato religioso?” Outros tantos comentários, na mesma esteira, foram feitos, o que nos levou a refletir e nos motivou a escrever este artigo, que não tem, por razões obvias, a roupagem dos científicos.
Importante, desde já, deixar consignado que não adotaremos nenhuma posição político-partidária, ideológica ou dogmática quanto ao tema posto. Apenas, e tão somente, externaremos algumas reflexões na busca de satisfazer as dúvidas e ansiedades sobre a questão. Pois bem! Diante das indignações manifestadas se dessume que o cerne da polêmica seria o convite presidencial para o jejum coletivo. O ato de jejuar está longe de ser coisa atual, em igual distância de ser proveniente da ciência. Há milênios o jejum é praticado por diversas civilizações e culturas e sobretudo, em inúmeras religiões é considerado uma prática sagrada. Esse milenar costume é associado à limpeza do corpo e da mente, e vem hodiernamente sendo alvo de intensos estudos científicos. Mas ao nosso sentir, a análise da questão não passa pelo proselitismo! Vamos então, seguindo com a dialética, em busca do ponto fulcral do inconformismo.
As manifestações ouvidas e lidas, traduzem a indignação de alguns pelo fato, que em seus entenderes o convite presidencial para o jejum, dentro de um contexto religioso, teria subvertido o conceito do Estado Laico no modelo ideado pela Carta Constitucional Brasileira de 1988.
Aqui caberia uma comparação dos termos laicidade e laicismo, posto que comportam interpretações diversas, mas a formatação proposta para este trabalho não nos permite aprofundar na análise semântica desses conceitos de origem grego/clássico. Vamos nos valer então da concepção doutrinária dominante esposada pelo direito pátrio, para quem, Estado Laico é o estado secular, não confessional, que não adota uma religião como oficial e que, de sobremaneira, estabelece total separação entre ele – Estado – e o Clero, de forma que não haja, sobre hipótese alguma, a intervenção ou mesmo envolvimento clerical nos assuntos de Estado. Com essa conceituação já se conclui, a prima facie, que Estado Laico não se equivale à Estado antirreligioso, e sim um Estado de posição de neutralidade perante a religião, traduzindo respeito por todos os credos e inclusive pela ausência deles, como ocorre com o agnosticismo e ateísmo.
Nossa Constituição Federal, seguindo a tradição das que a precederam, em sua fase preambular, explicita que sua promulgação se deu sob a proteção de Deus! Tal assertiva, por si só já seria o suficiente para afastar qualquer dúvida de que não somos um estado ateu e antirreligioso! Mas, certamente, haveria quem asseverasse que preâmbulo constitucional não se insere no ordenamento jurídico. Em respeito a esses, sigamos com raciocínio aristotélico, intelectivo e lógico.
Vamos então para o texto constitucional. Nossa Carta Cidadã, em diversos momentos tutelou com o devido apreço os valores religiosos da sociedade brasileira. Já no artigo 5º, inciso VI, assegura a inviolabilidade de consciência de crença, garantindo o livre exercício dos cultos religiosos, a proteção dos locais para suas realizações e suas liturgias; no mesmo artigo, agora no inciso VII, garante a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva, e no inciso seguinte, ainda naquele artigo, estabelece que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção política. No tocante ao serviço militar, artigo 143, determina que se atribua serviço alternativo, aos que alegarem imperativo de consciência decorrente de crença religiosa, convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. Os que assistiram o festejado filme dirigido por Mel Gibson – Até o último Homem, conhecem bem o que isso significa.
Neste mesmo diapasão há inúmeras outras situações que versam sobre questões religiosas dentro de nosso texto constitucional, como conferir efeito civil ao casamento religioso; conceder imunidade de impostos aos templos de qualquer culto; prever o ensino religioso facultativo como disciplina das escolas; a proibição ao próprio Estado de embaraçar os cultos religiosos, dentre outros.
Destarte, é de clareza solar que estamos longe de ser um Estado que priva pelo antirreligiosíssimo ou ateísmo, aliás muito pelo contrário, somos um Estado Laico que respeita e compreende a herança cultural e religiosa de seu povo, e de igual forma compreende e respeita sua nova concepção. De sorte que, rejeição ou predileção à parte, o chamamento presidencial não afrontou os princípios fundamentais da Constituição Federal do Brasil. Aqueles que aceitaram o convite agiram corretamente, os que não, independentemente do motivo, também assim o fizeram!
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