O Congresso jogando com o azar dos brasileiros

O cardápio de maldades foi vasto, tanto no plenário como nas comissões da Câmara e do Senado

Fonte: Florestan Fernandes Jr - Publicada em 22 de junho de 2024 às 10:36

O Congresso jogando com o azar dos brasileiros

Jogo do bicho (Foto: Reprodução)

Em apenas duas semanas, o país foi vítima de “futuricídio legislativo” – termo que criei para definir as ações do parlamento que vão minando o futuro do nosso país. O cardápio de maldades foi vasto, tanto no plenário como nas comissões da Câmara e do Senado.

Hoje não escrevo sobre a PEC do estuprador, aquela excrescência com requintes de perversidade que felizmente causou forte repulsa social. Eu me detenho aqui sobre a sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado que, na quarta-feira (19/06), aprovou por 14 a 12 votos a proposta que libera os jogos de azar no Brasil: jogo do bicho, bingo e cassino.

Agora o projeto tem que passar por votação no plenário do Senado e, na sequência, segue para a sanção do Presidente da República. E para minha estranheza, o presidente Lula afirmou nesta sexta-feira (21) que, caso o Congresso aprove o projeto que legaliza os jogos de azar, ele sancionará a proposta. "Eu não sou favorável a jogo, não. Mas também não acho que é crime.” Discordo do presidente e explico aqui minhas razões.

Os defensores do projeto afirmam que a liberação dos jogos de azar será benéfica para a economia brasileira, trará mais recursos com o aumento do turismo internacional e com os impostos pagos pelos empresários da jogatina liberada. Não creio e sou da opinião de que a liberação, em especial de bingos e cassinos, vai importar uma atividade altamente destrutiva para a Nação. Em todo o mundo capitalista, essa atividade está ligada ao que existe de pior, principalmente em países onde boa parte da população vive na pobreza extrema.

A partir da implantação dos cassinos e bingos, é de se esperar que atividades ilícitas, como tráfico de drogas e armas, além da prostituição e da exploração sexual de crianças e adolescentes – um “atrativo” do turismo internacional - venham a aumentar, inclusive em regiões ainda não impactadas tão fortemente por essas mazelas sociais. As populações mais vulneráveis serão, como sempre, as maiores vítimas dessa estrutura.

Não é preciso exercício de futurologia para projetar que a relação promíscua entre policiais corruptos e empresários do crime que comandarão atividades parasitárias terá um custo altíssimo para o país. Isso sem falar no modus operandi dessas máquinas de tomar dinheiro que, como todos sabemos, são programadas para contemplar um ganhador apenas: o dono do negócio. Quem fiscalizaria ou impediria algo que é a própria razão de ser dos cassinos e bingos? Alguma dúvida de que as supostas regras de proteção do cliente/apostador valerão quase nada; e que a fiscalização, se existir de fato, pouco efeito surtirá?

Há mais! Não é novidade que o Brasil tem índices perigosos de adoecimento por transtornos mentais. Ocupamos o 3º pior índice de saúde mental do mundo em 2022 e, segundo levantamento da consultoria Alvarez & Marshal, o quadro teve crescimento anual de 12 a 15% nos últimos quatro anos. Nesse cenário, o que dizer de bingos e cassinos que, sabidamente, exploram e lucram com essas vulnerabilidades? É comum jogadores apresentarem comportamento compulsivo, na tentativa inglória de “vencer a máquina” a todo custo. A própria estética ambiental desses cassinos e bingos - fechados e com iluminação artificial - contribui para a dissociação do jogador do tempo e do espaço, estimulando a compulsão de se consumir perante as máquinas.

Todos lembramos do breve período em que havia Bingos legais no Brasil. Todos conhecemos alguma história de apostador que perdeu bens, empregos, a família e até mesmo a vida. Não raro, o jogador compulsivo perde em uma única noite todos os recursos de uma vida.

O PL dos jogos de azar e a “PEC das Praias”, que tanta polêmica causou recentemente, são irmãs siamesas, porque atendem aos mesmos interesses. A ideia sempre foi de cassino em resorts. Pelo visto, a PEC da privatização das praias flopou por causa da repulsa da sociedade. Já o PL dos jogos e cassinos não teve grande dificuldade. Os beneficiários dessa “casadinha” também me parecem muito claros, não só pela pegada de apropriação de coisa pública. Esse PL dos jogos parece muito com o "projeto econômico" de Bolsonaro, naquela máxima de garimpo, jogo e grilagem.

Enfim, a predação do nosso futuro avança, e com um Congresso como o nosso, a aprovação do jogo de azar é até um pleonasmo.

Florestan Fernandes Jr

Florestan Fernandes Júnior é jornalista, escritor e Diretor de Redação do Brasil 247

179 artigos

O Congresso jogando com o azar dos brasileiros

O cardápio de maldades foi vasto, tanto no plenário como nas comissões da Câmara e do Senado

Florestan Fernandes Jr
Publicada em 22 de junho de 2024 às 10:36
O Congresso jogando com o azar dos brasileiros

Jogo do bicho (Foto: Reprodução)

Em apenas duas semanas, o país foi vítima de “futuricídio legislativo” – termo que criei para definir as ações do parlamento que vão minando o futuro do nosso país. O cardápio de maldades foi vasto, tanto no plenário como nas comissões da Câmara e do Senado.

Hoje não escrevo sobre a PEC do estuprador, aquela excrescência com requintes de perversidade que felizmente causou forte repulsa social. Eu me detenho aqui sobre a sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado que, na quarta-feira (19/06), aprovou por 14 a 12 votos a proposta que libera os jogos de azar no Brasil: jogo do bicho, bingo e cassino.

Agora o projeto tem que passar por votação no plenário do Senado e, na sequência, segue para a sanção do Presidente da República. E para minha estranheza, o presidente Lula afirmou nesta sexta-feira (21) que, caso o Congresso aprove o projeto que legaliza os jogos de azar, ele sancionará a proposta. "Eu não sou favorável a jogo, não. Mas também não acho que é crime.” Discordo do presidente e explico aqui minhas razões.

Os defensores do projeto afirmam que a liberação dos jogos de azar será benéfica para a economia brasileira, trará mais recursos com o aumento do turismo internacional e com os impostos pagos pelos empresários da jogatina liberada. Não creio e sou da opinião de que a liberação, em especial de bingos e cassinos, vai importar uma atividade altamente destrutiva para a Nação. Em todo o mundo capitalista, essa atividade está ligada ao que existe de pior, principalmente em países onde boa parte da população vive na pobreza extrema.

A partir da implantação dos cassinos e bingos, é de se esperar que atividades ilícitas, como tráfico de drogas e armas, além da prostituição e da exploração sexual de crianças e adolescentes – um “atrativo” do turismo internacional - venham a aumentar, inclusive em regiões ainda não impactadas tão fortemente por essas mazelas sociais. As populações mais vulneráveis serão, como sempre, as maiores vítimas dessa estrutura.

Não é preciso exercício de futurologia para projetar que a relação promíscua entre policiais corruptos e empresários do crime que comandarão atividades parasitárias terá um custo altíssimo para o país. Isso sem falar no modus operandi dessas máquinas de tomar dinheiro que, como todos sabemos, são programadas para contemplar um ganhador apenas: o dono do negócio. Quem fiscalizaria ou impediria algo que é a própria razão de ser dos cassinos e bingos? Alguma dúvida de que as supostas regras de proteção do cliente/apostador valerão quase nada; e que a fiscalização, se existir de fato, pouco efeito surtirá?

Há mais! Não é novidade que o Brasil tem índices perigosos de adoecimento por transtornos mentais. Ocupamos o 3º pior índice de saúde mental do mundo em 2022 e, segundo levantamento da consultoria Alvarez & Marshal, o quadro teve crescimento anual de 12 a 15% nos últimos quatro anos. Nesse cenário, o que dizer de bingos e cassinos que, sabidamente, exploram e lucram com essas vulnerabilidades? É comum jogadores apresentarem comportamento compulsivo, na tentativa inglória de “vencer a máquina” a todo custo. A própria estética ambiental desses cassinos e bingos - fechados e com iluminação artificial - contribui para a dissociação do jogador do tempo e do espaço, estimulando a compulsão de se consumir perante as máquinas.

Todos lembramos do breve período em que havia Bingos legais no Brasil. Todos conhecemos alguma história de apostador que perdeu bens, empregos, a família e até mesmo a vida. Não raro, o jogador compulsivo perde em uma única noite todos os recursos de uma vida.

O PL dos jogos de azar e a “PEC das Praias”, que tanta polêmica causou recentemente, são irmãs siamesas, porque atendem aos mesmos interesses. A ideia sempre foi de cassino em resorts. Pelo visto, a PEC da privatização das praias flopou por causa da repulsa da sociedade. Já o PL dos jogos e cassinos não teve grande dificuldade. Os beneficiários dessa “casadinha” também me parecem muito claros, não só pela pegada de apropriação de coisa pública. Esse PL dos jogos parece muito com o "projeto econômico" de Bolsonaro, naquela máxima de garimpo, jogo e grilagem.

Enfim, a predação do nosso futuro avança, e com um Congresso como o nosso, a aprovação do jogo de azar é até um pleonasmo.

Florestan Fernandes Jr

Florestan Fernandes Júnior é jornalista, escritor e Diretor de Redação do Brasil 247

179 artigos

Comentários

    Seja o primeiro a comentar

Envie seu Comentário

 
NetBet

Envie Comentários utilizando sua conta do Facebook