O debate sobre os debates na cidade de São Paulo
Rodrigo Augusto Prando, Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cientista Social, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp
Cidadãos e eleitores foram, neste período eleitoral, expostos à disputa política nos mais de 5 mil municípios do Brasil. Elegeremos, em breve, vereadores e prefeitos, membros do Poder Legislativo e os chefes do Executivo, respectivamente. Na cidade de São Paulo, especialmente, pululam os adjetivos usados para definir os inúmeros debates entre os candidatos e poucos são positivos.
Já há, em curso, um debate se vale a pena manter debates no período eleitoral ou, ao menos, se esse modelo não se encontra esgotado, superado mesmo. Obviamente, São Paulo tem candidatos comprometidos com o debate político civilizado, com a democracia, com ideias, propostas e com respeito às regras e aos adversários. No entanto, existe, também, Pablo Marçal que, desde o início, deixou claro seu pouco apreço pela democracia, pelos partidos políticos, pelas instituições e pelas regras do jogo. Marçal, ressalte-se, é sintoma e não a causa de uma situação que, para muitos, avança na direção de uma anomia e de aprofundamento da crise das democracias liberais representativas.
Questionamentos atinentes ao modelo dos debates são válidos. Classicamente, temos perguntas de candidato para candidato, direito a réplica e a tréplica; perguntas dos jornalistas; perguntas do público (telespectadores e internautas) e direto à resposta em caso de ofensa à honra.
O fato é que não há modelo que sirva quando surgem figuras carismáticas, populistas, extremistas e avessas às regras. Simplesmente, não se enquadram e isso é parte de seu DNA político. Não raro, o olhar do populismo extremista é de quem não entende o outro candidato como adversário e sim como inimigo; mais do que isso, o mundo se divide em dois grandes grupos: os que estão comigo e são amigos (eu e o povo) e os inimigos (todos os demais candidatos, partidos, mídia, intelectuais, instituições, etc.).
A retórica do ódio nos debates, as ofensas, fake news, pós-verdades, distintos negacionismos e teorias da conspiração não são invenções recentes e tampouco de Marçal, pois atores políticos como Donald Trump, Nicolás Maduro, Jair Bolsonaro, entre tantos outros, servem-se desse expediente corrosivo à democracia. Um outro aspecto: esses candidatos se colocam, quase sempre, na condição de vítimas, perseguidos pelos sistema, mas consideram-se ungidos e assumem postura messiânica.
Some-se a esse quadro geral o fato de que vivemos em uma sociedade hiperconectada, cuja força das redes sociais e das big techs são evidentes. Temos, ademais, uma lógica inerente aos algoritmos que selecionam e impulsionam conteúdos que mobilizam os sentimentos: medo, raiva, ódio, angústia, frustação, alegria, excitação. Desta forma, na sociedade e nos debates políticos, o conteúdo racional, ponderado, explanado com clareza, propostas concretas e não milagrosas perdem espaço.
Alguém, então, indaga: não se pode excluir figuras extremistas e corrosivas? A democracia não traz em seu bojo a diversidade? Mas, ao valorizar a diversidade e a pluralidade, não estaria a democracia refém daqueles que a usam, a liberdade de expressão e as instituições para justamente solapar essas conquistas civilizacionais? Aqui, o famoso paradoxo da tolerância. Não é simples resolver um problema assaz complexo.
Não bastassem a violência retórica e as fake news – que muitos entendem como mera liberdade de expressão – vivenciamos episódios de violência física. José Luiz Datena, no debate da TV Cultura, atingiu Marçal com uma cadeirada; no episódio promovido pelo Estúdio Flow e Flow News, Marçal foi expulso por descumprimento das regras acordadas e um de seus assessores agrediu um integrante da equipe do Prefeito Ricardo Nunes com um soco, deixando-o caído, desacordado e ensanguentado. Isso tudo é a pura e evidente negação da política, que busca equacionar e resolver os conflitos por meio do diálogo, dentro das instituições e respeitando as leis.
À guisa de finalização é importante enfatizar que este artigo não pode – e nem pretende – esgotar o tema em tela. Social e politicamente temos que, com tenacidade democrática, ética e respeito às leis enfrentar essas e tantas outras questões. Os debates devem retornar à normalidade e a violência, toda ela, deve ser condenada e capturada pelas leis.
O tempo das redes sociais e da sociedade são sempre mais velozes que as instituições e suas legislações, por exemplo. Todavia, temos – em nossa sociedade – um manancial de inteligência, vontade, generosidade e desejo de ampliar a liberdade e a busca de melhor convivência social. A realidade reclama que nos posicionemos de forma clara: democracia, civilidade, respeito às regras e valorização da política, isolando a violência e o extremismo, sempre!
*O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie.
Sobre a Universidade Presbiteriana Mackenzie
A Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) foi eleita como a melhor instituição de educação privada do Estado de São Paulo em 2023, de acordo com o Ranking Universitário Folha 2023 (RUF). Segundo o ranking QS Latin America & The Caribbean Ranking, o Guia da Faculdade Quero Educação e Estadão, é também reconhecida entre as melhores instituições de ensino da América do Sul. Com mais de 70 anos, a UPM possui três campi no estado de São Paulo, em Higienópolis, Alphaville e Campinas. Os cursos oferecidos pela UPM contemplam Graduação, Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, Extensão, EaD, Cursos In Company e Centro de Línguas Estrangeiras.
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