O fim das polêmicas sobre honorários sindicais na Justiça do Trabalho – Lei nº 13.725/2018

A recente publicação da Lei nº 13.725, de 4 de outubro de 2018, finalmente coloca um fim a duas polêmicas que já foram há muito tempo superadas na Justiça Comum...

Hélio Vieira e Zênia Cernov Advogados
Publicada em 05 de outubro de 2018 às 15:44
O fim das polêmicas sobre honorários sindicais na Justiça do Trabalho – Lei nº 13.725/2018

     Hélio Vieira e Zênia Cernov Advogados Foto: Arquivo

    A recente publicação da Lei nº 13.725, de 4 de outubro de 2018, finalmente coloca um fim a duas polêmicas que já foram há muito tempo superadas na Justiça Comum, mas que ainda fervilhavam na Justiça do Trabalho: a) a possibilidade de acumulação de honorários contratuais com sucumbência; b) a validade do contrato de honorários firmado diretamente com a entidade sindical, em relação aos beneficiários da ação.

        De fato, os honorários contratuais decorrentes da atuação sindical sempre foram regidos exatamente da mesma forma que os honorários decorrentes de qualquer outro tipo de ação, sendo amplamente reconhecidos na Justiça Comum e Justiça Federal, entre outras esferas do Poder Judiciário. Sucede que alguns julgados da Justiça do Trabalho, isoladamente, não vinham reconhecendo a possibilidade de acumulação entre as duas modalidades de honorários, além de exigir autorizações individuais de cada beneficiário para dedução dos honorários contratuais. Essa resistência ao reconhecimento amplo dos honorários na esfera sindical trabalhista veio a desencadear a edição da Lei nº 13.725/2018, alterando o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil para reafirmar, textualmente, o que já decorria da interpretação de sua redação originária.

        Os efeitos da referida Lei na advocacia sindical podem ser assim resumidos:

a) A possibilidade de acumulação de honorários sucumbenciais e contratuais:

Tanto os honorários contratuais pactuados com o cliente, quanto os honorários de sucumbência fixados no processo, pertencem ao advogado e são acumuláveis, em qualquer hipótese.  O recebimento de uma modalidade de honorários independe do recebimento da outra, pois têm naturezas distintas. Muito embora ambos tenham a mesma finalidade (remunerar o trabalho do advogado), os honorários contratuais são pagos pelo cliente, de acordo com o que for pactuado entre ele e o advogado, e remuneram o trabalho realizado pelo advogado na defesa do direito que está sob julgamento; os honorários sucumbenciais são pagos pela parte vencida na ação, e remuneram o resultado da demanda, já que não são devidos ao advogado da parte que não sair vencedora. Conforme explica o advogado FÁBIO KALIL VILELA LEITE, Se na honorária contratual ou convencional prevalece a vontade das partes, na sucumbencial vigora a vontade estatal, pelo Judiciário” (TED/OAB/SP, Proc. E-4.947/2017, julg. 22/02/2018).

            Essa garantia já era, de forma inequívoca, insculpida no caput do art. 22 do Estatuto da OAB, sem qualquer restrição a qualquer esfera de competência do Poder Judiciário:

“Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.”

        Em artigo assinado pelos Desembargadores Federais do Trabalho  CLÁUDIO ANTONIO CASSOU BARBOSA, LUIZ ALBERTO DE VARGAS, MARIA MADALIENA TELESCA e RICARDO CARVALHO FRAGAL, estes fundamentam essa inarredável conclusão:

“(...) 15. Quanto aos honorários advocatícios, estes são devidos em face da mera sucumbência, devendo ser arbitrados na decisão judicial, com fundamento nas normas das Leis 1060/50 e 8906/94, arts. 389 e 404 do CC, e ainda art. 20 do CPC. Inexiste norma específica na legislação trabalhista que discipline a matéria de forma diversa, como antes esclarecido, de modo que plenamente viável, e mais do que isso, impositiva a aplicação das normas do direito comum, eis que perfeitamente compatíveis com as do direito do trabalho, ressalvada alguma controvérsia sobre séria dificuldade de sustento, adiante examinada. 16. Merece também ser enfrentada a questão dos honorários contratuais, ou seja, aqueles previstos em contratos de prestação de serviços jurídicos firmados entre o cliente e seu advogado (ou sociedade de advogados). Embora haja grande controvérsia quanto à competência para julgar conflitos decorrentes da execução destes contratos, que seria afeta a competência da justiça comum e não da especializada trabalhista, é certo que de forma incidental haverá tal debate na Justiça do Trabalho. 17. Em primeiro lugar, devemos ter claro que o papel do Juiz reside em solucionar conflitos e não em criá-los, portanto, salvo provocação da própria parte interessada, não cabe ao magistrado indagar a respeito da relação privada entre a parte e seu advogado. O reclamante, mesmo quando se declara pobre para os efeitos legais, e sob abrigo da justiça gratuita, permanece no exercício de seus direitos civis, como cidadão, podendo sim contratar serviços, adquirir bens e produtos, realizar operações de crédito, etc, e inclusive contratar honorários com seu advogado. 18. Deste raciocínio decorre que não existe qualquer incompatibilidade jurídica entre estar ao abrigo da justiça gratuita e contratar honorários de êxito com seu advogado, verba esta que não se confunde com os honorários de sucumbência, devidos pela parte contrária. A lei assegura ao advogado, profissional que depende de seus honorários para sobrevivência sua e de sua família, e também para continuar trabalhando, ou seja pagar as despesas de seu escritório, o direito de receber seus honorários. Inexiste, desta forma, qualquer ilegalidade na cumulação de honorários de êxito (contratuais) com honorários sucumbenciais.” (O cabimento de honorários advocatícios nas lides trabalhistas, div. www.anamatra.org.br).

        O Conselho Federal da OAB, analisando o tema, decidiu que:

O parágrafo 1° do artigo 35, do Código de Ética e Disciplina dispõe que os honorários de sucumbência não excluem os contratados. Os honorários assistenciais devidos por sentença proferida na justiça do trabalho equiparam-se aos sucumbenciais. Não comete infração ética-disciplinar o advogado que, tendo recebido honorários sucumbenciais, cobra do cliente honorários complementares de acordo com tabela instituída pela Seccional, a que está jurisdicionado.” (Ementa n° 058/2003/SCA, Rel. Cons. Fed. ELOI PINTO DE ANDRADE (AM), publ. DJ 01.07/2003, p.752, S1).

        O posicionamento contrário à possibilidade de acumulação dessas duas modalidades de honorários, que já era minoritário, agora restou enterrado com a edição da Lei nº 13.725/2018, pois acrescentou ao art. 22 do Estatuto da OAB redação expressando que essa regra geral também se aplica aos honorários sucumbenciais oriundos de atuação na Justiça Laboral:     

“Art. 1º. O art.22 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 6º e 7º:

 

“Art. 22. .....................................................................

§ 6º O disposto neste artigo aplica-se aos honorários assistenciais, compreendidos como os fixados em ações coletivas propostas por entidades de classe em substituição processual, sem prejuízo aos honorários convencionais.”

        E jamais se afirme que essa acumulação só passaria a ser devida a partir da alteração. Conforme já lecionamos no livro “Estatuto da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética – Interpretados artigo por artigo” (Ltr, 2016), ao comentar o caput do art. 22, “Os honorários de sucumbência, na Justiça do Trabalho, têm a mesma natureza jurídica da sucumbência fixada na esfera cível, e portanto a acumulação já era abrangida por esse dispositivo”

b) A validade do contrato de honorários firmado diretamente com a entidade sindical, em relação aos beneficiários da ação.

        Outra polêmica que veio a ser solucionada pela alteração do art. 22 do Estatuto da OAB foi a exigibilidade, em relação aos beneficiários da ação coletiva, dos honorários contratuais pactuados pelo sindicato.

        O Conselho Federal da OAB, em sede de Consulta, já havia se posicionado nesse sentido, através de seu Órgão Especial:

A atuação do Ministério Público do Trabalho no sentido de defender a ilegalidade da fixação de honorários contratuais entre profissionais da advocacia vinculados ou indicados pelo sindicato trabalhista e os empregados da categoria que a entidade congrega com fundamento no art. 14 da Lei n. 5.584/70, atribuindo o ônus da prestação de assistência judiciária gratuita aos sindicatos, viola não apenas ao art. 5º, LXXIV, da CF como o direito dos advogados à percepção dos honorários contratuais pactuados pela contraprestação dos serviços ofertados (art. 22 da Lei n. 8.906/94).” (Consulta n° 49.0000.2012.011290-8, Rel. JOSÉ LUIS WAGNER (AP), publ. DOU 15.04.2014, p. 152/160).

        A Constituição Federal, em seu art. 8°, caput, garante a liberdade sindical, e seu inciso I veda a interferência do Poder Público em sua organização. Os sindicatos e demais entidades associativas regem-se pelos seus Estatutos, tendo poder de representação da categoria expressamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, que firmou o entendimento de que:

“O artigo 8°, III, da Constituição Federal, estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos.” (RE 210.029/RS, Pleno, Rel. para o acórdão Min. Joaquim Barbosa, publ. DJU 17.08.2007).

        De tal liberdade e autonomia sindical decorre igualmente a liberdade contratual em relação aos honorários de advogados nas ações de substituição processual, bastando o cumprimento das regras estatutárias, quais sejam, a aprovação em assembleia da categoria, quando assim o exigir o Estatuto. CÉZAR BRITTO, em sua obra, “A contratação do Advogado Sindical” assevera:  

“A Constituição Federal consagrou significativo avanço para a liberdade sindical no plano das relações entre o Estado e o sindicato, com a livre criação e administração das entidades sindicais, a proibição de interferências do aparelho estatal nos sindicatos e a livre estipulação de contribuições pelas assembleias. São medidas constitucionalmente postas para permitir a liberalização dos sindicatos, expressando, a partir delas, como entes que não mais dependem do Estado e que poderão conduzir-se pelos seus próprios passos, como é comum nos modelos de autonomia. Uma forma de também reconhecer a participação das organizações representativas dos trabalhadores na redemocratização do país. Não há sequer um jurista que afirme estar ainda em vigor a arcaica e autoritária legislação sindical inspirada no Estado Novo. Ao contrário, todos são unânimes ao afirmar que vige a liberdade apenas com o limite da unicidade. Todos os entraves que burocratizavam a organização sindical e a negociação coletiva foram afastados com a Constituição de l988, segundo a qual, vedada ao Poder público qualquer interferência na organização sindical, como bem pontuado pela doutrina brasileira. (...) Resta evidente que a liberdade sindical, insculpida no art. 8° da Constituição Federal, implica na vedação de interferência na autonomia sindical, conferindo, em decorrência, legitimidade Às reiteradas decisões das assembleias gerais que autorizaram a contratação do advogado sindical, ainda mais quando amparado no art. 22 do Estatuto da OAB e no art. 594 do Código Civil. Neste tópico, é perfeitamente legal a possibilidade do sindicato – mediante soberana assembleia com a parte individualmente interessada – deter legitimidade para aprovar cobrança de honorários advocatícios.”  (BRITTO, 2014, p. 89)

        Em sede de consulta, o Órgão Especial do Conselho Federal da OAB definiu  de forma enfática:

“A celebração de contratos de prestação de serviços entre advogados e entidades sindicais vincula a todos os beneficiários da prestação dos serviços advocatícios”, deixando claro igualmente que “Tal entendimento abrange os sindicatos de servidores públicos que mantenham vínculo estatutário com o Poder Público, pois têm sua existência e funcionamento regulados pelos mesmos dispositivos constitucionais e legais aplicáveis aos sindicatos de trabalhadores da iniciativa privada” (Consulta n.° 49.0000.2012.006434-9, Rel. Cons. Fed. JOSÉ LUIS WAGNER (AP), publ. DOU 15.04.2014, p. 152-160).

        Em virtude de tais princípios, resta evidente que os honorários aprovados para ingresso de ação judicial obrigam aos beneficiários da referida ação.  Conforme bem asseverou OPHIR CAVALCANTE JUNIOR (Revista LTR. São Paulo, ano 79, nº 01, janeiro de 2015),  em seu artigo “Contratação de advogado por entidade sindical e prestação de contas”:

“Os Sindicatos têm a prerrogativa de constituir advogado para defender os interesses da categoria que representa, e essa prerrogativa inclui a contratação de honorários, aos quais se obrigam todos os beneficiários da ação judicial interposto;” e, na mesma medida, o sindicato tem o dever de prestar contas aos seus filiados dessa atuação por ele assumida: “Ao resultado da ação, tem o advogado obrigação de repassar ao sindicato os valores oriundos da ação judicial, depositando-os na conta bancária da entidade sindical e prestar contas perante o sindicato, que é seu mandante; - Ao Sindicato cumpre a obrigação de repassar os valores recebidos aos beneficiários da ação, por ser o detentor do controle cadastral (dados pessoais e bancários de seus filiados e de seus herdeiros/pensionistas); a gestão financeira da entidade sindical é de competência de sua Diretoria”.

        Agora, com a inserção do § 7º do art. 22 do Estatuto da OAB, a questão ficou mais claramente definida: se o integrante da categoria opta por ser beneficiário do resultado da demanda ingressada por seu sindicato/associação, obriga-se à verba honorária contratada pela entidade:

“ Art. 22. ……...

§ 7º Os honorários convencionados com entidades de classe para atuação em substituição processual poderão prever a faculdade de indicar os beneficiários que, ao optarem por adquirir os direitos, assumirão as obrigações decorrentes do contrato originário a partir do momento em que este foi celebrado, sem a necessidade de mais formalidades.”

        Assim, é suficiente que o contrato tenha sido firmado entre o sindicato ou associação para ser eficaz em relação aos beneficiários da demanda, sendo desnecessário que cada substituído assine, individualmente, autorização para tanto.

        Antes mesmo da vigência da referida lei, esse posicionamento já havia sido adotado amplamente pelos Tribunais brasileiros.

        Em parecer proferido no Mandado de Segurança n.° 96.00.03362-5 (da 2.ª Vara da Seção Judiciária de Rondônia), o Procurador da República, OSNIR BELICE, pronunciou-se no sentido de que é suficiente a autorização dada em assembleia:

“35. No que tange à falta de autorização dos servidores para desconto em folha de pagamento, na forma do art. 45, parágrafo único da Lei nº 8.112/90, é preciso dizer que, o SINSEPOL, na forma da Constituição Federal, agindo como substituto dos policiais civis autorizou ação obtendo os benefícios, após, diligenciou junto à Administração Pública Federal, obtendo êxito em implantar o benefício em folha de pagamento. Ora, como se considerar que o Sindicato possa ter legitimidade para litigar em juízo em nome dos substituídos, como possa representá-los perante a administração pública para implantar o benefício, entretanto, não poderia determinar o desconto para pagamento de honorários advocatícios, na forma contratual? 36. Se não fosse assim, os Sindicatos não conseguiriam contratar advogados para patrocinar suas causas, pois mesmo autorizado em assembléia e após contrato de honorários por escrito, alguns filiados recusam-se pagar os honorários, entretanto, não se recusam a receber os benefícios. 37. A primeira observação a se fazer é que a contratação de honorários foi autorizada em assembléia, assim como a propositura da ação, e assim sendo, a contratação de honorários vale para todos. 38. Acaso algum filiado não concorde com a ação, deve ele, através de advogado regularmente constituído requerer seja excluído da ação, quando não receberá qualquer benefício. Contudo, não é o que se vê, pretende o Sinpfetro, que não é parte legítima, que os Substituídos continuem a receber os benefícios da ação, sem pagar honorários, o que é imoral, para dizer o mínimo.”  

        Indo mais além, o Magistrado JOSÉ ANTÔNIO ROBLES considera torpeza o sindicalizado pretender se beneficiar do trabalho desenvolvido pelo advogado contratado pela entidade sindical, sem submeter-se aos honorários pactuados:

“Nenhum sindicalizado pode ser beneficiado com a própria torpeza, deixando de pagar por serviço de advocacia que se beneficiou, máxime quando se constata que o profissional contratado, por deliberação em assembleia da categoria, obteve sucesso na ação, permitindo que recebesse valores, bem ainda quando tal substituído não adota medidas judicial ou extrajudicial que impedisse o sindicato, substituto processual, para que assim atuasse em seu favor.” (TJRO, Colégio Recursal de Porto Velho, Rec. Cível 10060120060064768, Rel. JOSÉ ANTÔNIO ROBLES, DJ 22/08/2007).


        Essa foi a conclusão adotada pela novel Lei 13.725/2018, no sentido de que é opcional ao substituído se apresentar como beneficiário – ou não – da demanda judicial na qual foi reconhecido o direito.

        Assim, a atuação do advogado sindical na Justiça do Trabalho lhe garante os honorários contratuais pactuados com a entidade, acumuláveis com os honorários de sucumbência fixados no processo.

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