O Madeira caminha para o fim
A morte do rio Madeira é só uma consequência da estupidez humana. E sem ele, muitos rondonienses sairão daqui e só o terão em fotos
O outrora pujante e majestoso rio Madeira em Rondônia caminha inexoravelmente para o seu melancólico fim. Os negacionistas do aquecimento global e das mudanças climáticas continuam discordando sem, no entanto, apresentar argumentos convincentes para o que defendem, mas a realidade pode ser constatada fazendo-se uma pequena observação nesse outrora curso de água que já foi o décimo oitavo maior rio do mundo. Em 2014 o velho Madeira, descontrolado por duas grandes hidrelétricas que lhe fincaram em seu já moribundo leito, chegou a quase 20 metros na grande e histórica enchente. Porém, há três anos consecutivos, não tem mais enchentes nem água suficiente para permitir pelo menos a tranquilidade na navegação. Estamos ainda no mês de junho e o seu nível hoje é de apenas uns 6 metros, quando deveria ter pelo menos o dobro de água.
Nesta mesma época do ano, em tempos anteriores, por exemplo, o mais importante rio dos rondonienses abundava de tanta água. Ainda assim, passou por severas vazantes como em 2022 e 2023. Acredita-se que neste ano a seca será a mais severa de todas. E não adianta dizer que mais esta tragédia é apenas um desígnio de Deus. A Amazônia e os outros biomas nacionais como um todo padecem pela cruel e assassina mão do homem. As hidrelétricas no leito do sofrido e devastado Madeira só aumentaram o sofrimento daquele curso de água. E que benefícios vieram para o povo daqui? Nenhum. Nada. Até a única concessionária de energia do estado foi privatizada (na verdade, presenteada pela classe política local) para desespero de muitas pessoas. Em Rondônia pagamos uma das taxas mais caras de energia do país e o serviço prestado não está à altura do que se paga.
O iminente desaparecimento do rio Madeira é uma clara consequência do que os rondonienses fizeram e também permitiram fazer com o seu combalido meio ambiente. As recentes tempestades que destroçaram o Rio Grande do Sul provavelmente têm muito a ver com o que se faz de perversidade com a natureza. Não só aqui em Rondônia, mas também em toda a região amazônica. A ganância do agronegócio, que devasta sem dó nem piedade, mas não consegue sequer matar a fome de todos os brasileiros, tem dado a sua contribuição nefasta para piorar a situação de calamidade climática de hoje. E engana-se quem pensa que a morte do Madeira será o fim de tudo. É, infelizmente, só o começo do que ainda vão fazer com o que resta de natureza. Insatisfeitos com o que já causaram, muitos rondonienses clamam pela reabertura da BR-319 e também pela volta do garimpo.
As hidrelétricas não só interferiram no volume de água das enchentes e vazantes do rio, mas também destruíram a piracema e o tradicional e lindo espetáculo da natureza lá na ex-cachoeira do Teotônio. Antes de tudo isso, Porto Velho não tinha água tratada nem rede de esgotos. Depois de tudo isso, Porto Velho continuou sem água tratada e também sem rede de esgotos. E a classe política se elegendo todo ano de eleição como se nada de anormal estivesse acontecendo. Antes do agronegócio destruir a natureza, havia muita fome em Porto Velho, em Rondônia e também no Brasil. Depois da destruição, a fome continua sendo uma de nossas maiores mazelas. É só vergonha! Com a Lei Kandir, exportar comodities sem pagar impostos, é o que importa. Fome e miséria são problemas pequenos, coisas de intelectuais, apenas. A morte do rio Madeira é só uma consequência da estupidez humana. E sem ele, muitos rondonienses sairão daqui e só o terão em fotos.
*Foi Professor em Porto Velho.
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