O país está menos dividido
Para Helena Chagas, o país caminha para focar na “economia” e na “melhoria da vida da população” em vez de “questões comportamentais e religiosas”
Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Ninguém será preso ou vai deixar de ser preso porque a torcida quer. Estamos num Estado democrático de Direito — que, aliás, andou por um triz na era bolsonarista. Mas o empate de 43% x 41%, detectado em pesquisa da Quaest, entre os que acham que Jair Bolsonaro deve ou não ir para a cadeia suscitou uma outra discussão: passados nove meses da eleição de Lula por pequena diferença, e depois do estrondoso desgaste na imagem do ex-capitão provocado por tudo o que se descobriu em matéria de golpismo e corrupção, o país ainda está cindido em duas metades?
O mesmo levantamento da Quaest traz dados indicando que pode não ser mais assim — e que, nos 41% contrários à prisão do ex-presidente, pode haver entrevistados que não estão acompanhando bem o noticiário político-policial sobre Bolsonaro, ou que são contrários a seu encarceramento mas não são seus eleitores. As próximas pesquisas devem passar isso a limpo.
Nas atuais, porém, o acrescimento na aprovação de Lula, sobretudo na pergunta dicotômica, mostra que as coisas estão se mexendo. De abril para cá, a aprovação do presidente cresceu 9 pontos percentuais e chega hoje a 60%, enquanto a desaprovação (35%) caiu 7 p.p. São diferenças bem acima da margem de erro, mostrando trajetória consistente, reforçada pelas respostas sobre a avaliação geral do governo (42% positivo 29% regular e 24% negativo) e sobre a economia, que na opinião de 59% vai melhorar nos próximos 12 meses.
Melhoras discretas na avaliação do governo entre os evangélicos, público no qual a aprovação a Lula (50%) pela primeira vez supera a desaprovação (46%), e entre eleitores de Bolsonaro (25% aprovam) reforçam a possibilidade de o eleitorado estar, finalmente, posicionando-se fora da chamada “polarização" entre lulistas e bolsonaristas que marcou os últimos anos.
O bloco à direita, formado por bolsonaristas radicais mas também pelo centro conservador, parece estar sofrendo clara desidratação. A centro-esquerda de Lula vem engordando, em função de bons números na economia, da queda da inflação dos alimentos e de programas sociais e de crédito, como o Desenrola, que alcança a classe média endividada.
A conformação 60% X 30%, ideal para o governo, pode ou não se consolidar — e depende quase que unicamente de seu desempenho. A redução do bloco conservador-bolsonarista, porém, parece ser mais duradoura depois dos escândalos que se avolumam sobre o ex-capitão. Nada indica que, ainda que o governo Lula venha a sofrer desgastes e perder gordura, esse eleitor volte para a opção direitista. Mais provável seria, nesse caso, o retorno à conformação do eleitorado que prevaleceu por muitos anos: três blocos de cerca de 30%, sendo o de centro, oscilante, o fator decisivo de cada eleição.
Diretor do Instituto Quaest e responsável pela última pesquisa, o cientista político Felipe Nunes considera apressadas as avaliações que decretam o fim da polarização petismo x bolsonarismo. Ressalta que, embora o quadro venha apontando crescimento de Lula nas questões relativas à gestão do governo, os levantamentos mostram que, em temas ideológico-comportamentais — como aborto, armas, drogas e outros — o eleitorado ainda se divide em duas torcidas praticamente empatadas. “Não acho que Bolsonaro esteja acabado. É um urso em hibernação”, diz Nunes.
Apenas o tempo dirá se as tendências favoráveis ao governo apontadas hoje vão se consolidar. Por si só, porém, as atuais pesquisas apontam caminhos que, ao que parece, Lula — que tem suas próprias pesquisas — já começa a trilhar: a agenda do governo, e também das próximas eleições, deve girar em torno da economia e da melhoria das condições de vida da população. Vai passar longe de bolas divididas, como questões comportamentais e religiosas.
Helena Chagas
Helena Chagas é jornalista, foi ministra da Secom e integra o Jornalistas pela Democracia
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