O que querem aqueles que creem tutelar o presidente Lula?

Desde o tema “reforma ministerial” até o preenchimento de vagas no STF, STJ, TRFs ou definição para a PGR, pululam os lobbies eivados de interesses

Luís Costa Pinto
Publicada em 07 de agosto de 2023 às 15:37
O que querem aqueles que creem tutelar o presidente Lula?

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: REUTERS/Johanna Geron)

Há muito tempo, desde que fez a gloriosa transição do movimento sindical para a construção da sólida biografia política que o converteu num dos mais perspicazes estadistas em atividade no mundo, Luiz Inácio Lula da Silva aprendeu que a energia responsável por fazer pulsar capitais como Brasília advém da combinação de três elementos: dinheiro, poder e informação. Lula, melhor do que qualquer um de nós, sabe que não pode trocar os rolamentos das engrenagens e dar poder a quem quer dinheiro, nem dinheiro a quem quer informação; muito menos, informação demais a quem pretende exibir poder. Se fizer isso, advirão ora fusões, ora fissões com potencial de produzir implosões ou explosões atômicas, sempre tóxicas para o ambiente político.

Em seu primeiro mandato, iniciado em 2003, o presidente da República foi vítima de uma trinca que tinha interlocução sofisticada e ampla com setores diversos da sociedade brasileira. Os três; José Dirceu, Antônio Palocci e Luiz Gushiken; tinham graus de relacionamento e desfrutavam de níveis de intimidade diversos com o líder sindical que ascendera à Presidência. Contudo, todos diziam ser capazes (cada um a seu modo) de “convencer” o chefe a tomar determinadas atitudes ou a conduzir o Governo por rumos diversos porque detinham “a chave de operação de poder”. Isso era o que diziam.

Em 2006, por motivos diferentes (alguns absolutamente injustos), Dirceu, Palocci e Gushiken caíram em desgraça ante a visão mediana do público e da mídia tradicional. Em sequência, foram afastados do núcleo central do poder. Sem o auxílio próximo deles, Lula se reelegeu presidente para exercer o segundo mandato vencendo em dois turnos o personagem que hoje é seu vice-presidente, Geraldo Alckmin. Intutelável, ele venceu as falsas denúncias que geraram a ignomínia da Ação Penal 470, redistribuiu o poder interno dentro do Partido dos Trabalhadores, ampliou as parcerias políticas, fez uma 2ª gestão (2007-2010) melhor e mais focada nas políticas sociais do que a 1ª (2003-2006), colheu o reconhecimento público inigualável medido pela satisfação dos eleitores - aprovação e popularidade que batiam em 87%, segundo o extinto Ibope - e elegeu sucessora a 1ª mulher a ocupar a cadeira presidencial no Brasil, Dilma Rousseff, que estava longe de ser opção para os caciques do PT e das siglas da esquerda nacional.

Depois de ter vivido tudo o que viveu, e com glorioso e insofismável sucesso, Lula passou a ser vítima do furacão da História. Ele se viu no olho da tormenta, como o epicentro do looping reverso. Foi, então, obrigado a olhar o mundo de outra perspectiva, a do avesso: tentaram cassar-lhe a reputação, os direitos políticos, o sossego e a própria biografia. Houve quem o aconselhasse a fugir do processo - que ele, melhor do que ninguém, sabia ser viciado e injusto, como depois restou provado. Houve quem o apresentasse alternativas para o caminho do exílio no exterior, de onde poderia seguir lutando pela restauração da normalidade democrática no Brasil à distância e sob a névoa dos injustiçados. Mais sábio do que resiliente, resistiu e perseverou. Venceu, enfim. Conservou a seu lado o advogado Cristiano Zanin, que na última semana tomou posse como ministro do Supremo Tribunal Federal.

O Grupo Prerrogativas, enérgico coletivo de operadores do Direito que se tornou célebre pela forma visceral e feroz com que lutou pela restauração do Estado de Direito no País em geral, e dos direitos e garantias fundamentais de Lula em particular, não abraçou a postulação de Zanin ao STF. Os porta-vozes do “Prerrô”, como o coletivo se tornou conhecido, advogaram por nomes diversos ao do vitorioso advogado do líder perseguido. Lula não os ouviu. Na breve cerimônia que teve lugar no STF, ele e Zanin exibiam a coluna ereta, o olhar confiante e o silêncio esfíngico para opositores e detratores da postulação que, naquela tarde da posse, mandavam um sólido recado: a prerrogativa presidencial de decidir solitariamente, com base em tudo o que a personagem única do atual presidente viveu e sob o Governo da sua capacidade de antever os cenários futuros melhor do que ninguém, não será terceirizada nem compartilhada. Muitos podem exercer plenamente o direito do jus sperniandi, do blablablá, da venda de indulgências plenárias ou de terrenos na Lula. Porém, ninguém tem a capacidade de dizer ao presidente o que deve fazer, muito menos a quem deve vetar, porque ele fará sempre o que quiser - e saberá arcar com o peso das consequências de suas decisões; mas, as decisões serão exclusivamente suas.

É preciso ter essa equação decisória sempre em mente, em Brasília, porque pululam na cidade os lobbies eivados de interesses quando se trata de fazer agendas que tenham em vista a futura nova vaga no STF (da ministra Rosa Weber, que deixa o tribunal na última semana de setembro), as quatro cadeiras já vagas no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a meia dúzia de vacâncias no Tribunais Regionais Federais, a decisão sobre recondução ou sucessão de Augusto Aras na Procuradoria Geral da República e todas as vagas virtuais existentes na Esplanada dos Ministérios e nos cargos de direção das principais estatais e bancos públicos. A possibilidade de frustração de interesses que os políticos têm, no momento, assemelha-se à quebra de expectativas vivida pelo Prerrogativas quando da confirmação de Zanin no Supremo. Nesse rol de quem deve se sentir advertido pelo revés do “Prerrô” inclui-se até o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que se crê um Rei Midas do Cerrado cujos desígnios imperiais farão oceanos se abrirem e lixo virar um bem fornido cargo público a um simples menear de sua cabeça ou entrevista bem urdida e bem planejada usando a estrutura do Parlamento e a força da pauta de votações da Câmara.

Sem chances de errar, arrisco-me a dizer que o presidente Lula está engolindo a todos. Isso não significa dizer que o PT, os partidos de esquerda e os movimentos sociais vencerão todas as batalhas; ou que o Centrão conservador, a centro-direita e Lira perderão todas as frentes de disputa que abriram. Não! Lula, entretanto, é o único que detém o projeto executivo desse seu terceiro mandato, que pode tranquilamente se desdobrar num quarto e democrático período de ocupação das estruturas do poder caso tenha saúde para isso. No longo, trágico e tenebroso caminho que percorremos durante os Anos Trágicos do Brasil (2016-2022), ninguém mais do que Lula sofreu na pele a virulência dos assassinos de reputações, dos facínoras que tentaram criminalizar a política, do que o atual presidente. O diapasão que ele abriu para ouvir as manifestações da sociedade no processo de definição dos nomes que ocuparão os postos vagos ou em vacância oportunista no coração da República não pressupõe, de jeito nenhum, a terceirização da responsabilidade de indicar. Portanto, quem se apresenta na capital do poder como dono do “dedo de ouro” para designar este ou aquele cargo é, aos olhos de quem detém o poder real, inegociável e irretratável de indicar o nome de quem sairá no Diário Oficial, mero lobista de causas vãs. Lula sabe melhor do que todos como lidar com eles, silenciando-os por inanição.

Luís Costa Pinto

Luis Costa Pinto, jornalista, diretor da sucursal Brasília do Brasil 247 e vice-presidente da ABMD, Associação Brasileira de Mídia Digital

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