Painel trata combate ao racismo como exercício de cidadania e justiça
O evento reuniu virtualmente mais de duas mil pessoas em debates sobre a necessidade de se discutir os mecanismos e as estratégias que dificultam a participação de pessoas negras nos espaços de poder, incluindo no Poder Judiciário
A busca por uma sociedade coletivamente solidária, com igualdade de oportunidades e pluralismo judicial foram os temas do painel “Representatividade Racial no Poder Judiciário: de onde fala o juiz”, do seminário “Questões racionais e o Poder Judiciário”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e encerrado na quarta-feira (8/7). O evento reuniu virtualmente mais de duas mil pessoas em debates sobre a necessidade de se discutir os mecanismos e as estratégias que dificultam a participação de pessoas negras nos espaços de poder, incluindo no Poder Judiciário.
“Precisamos de pessoas que se identifiquem com a causa do combate ao racismo e ao racismo judicial. Não podemos, de forma nenhuma, deixar que o racismo prevaleça. Combater o racismo é exercício de cidadania e da justiça”, disse a conselheira do CNJ Tânia Regina Silva Reckziegel, coordenadora dos debates sobre a representatividade racial no Poder Judiciário.
O painel realizado por videoconferência diante das circunstâncias da pandemia pelo Covid-19 abordou a formação do racismo na sociedade brasileira, seus efeitos que agravam a desigualdade social e a baixa representatividade da pessoa negra no Poder Judiciário. Mais uma vez, foi ressaltado que, no Brasil, a maioria dos miseráveis, dos pobres, dos desempregados, dos trabalhadores informais e dos trabalhadores domésticos é de pessoas negras. Assim como é negra a maioria das vítimas de homicídio e das vítimas da ação letal das forças policiais.
Subrepresentatividade
Os dados da representatividade da pessoa negra na magistratura brasileira refletem a subrepresentatividade generalizada na sociedade. Conforme a Pesquisa do Perfil Sociodemográfico dos Magistrados feita pelo CNJ em 2018, apenas 18,1 dos magistrados brasileiros se declararam negros ou pardos. E do total de juízes, somente 6% é de magistradas negras.
Sobre o tema, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Carlos Alberto Reis de Paula, magistrado negro, apresentou um panorama da história do negro na sociedade brasileira, lembrando a escravidão, a alforria sem condição de libertação e a falta de acesso ou acesso precário à educação e ao trabalho digno. “Se o racismo se apresenta como estrutura das relações sociais, políticas e econômicas, para a abolição completa dessas estruturas, é necessário o aperfeiçoamento das instituições democráticas, considerando ser objetivo fundamental da República construir uma sociedade justa e solidária e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades.”, disse.
O ministro, que foi conselheiro do CNJ entre 2012 e 2013, atuou pela formulação da política judiciária que reserva 20% das vagas do Judiciário, incluído a magistratura, para pessoas negras, pretas ou pardas, conforme estabelecido pela Resolução CNJ n. 203 de 2015. “Com esta fotografia panorâmica sobre a questão racial no Poder Judiciário e acerca da situação do negro na sociedade brasileira quanto à educação e o trabalho, é que verificamos que o próprio Poder Judiciário desconhecia esse protagonismo”, comentou. “Essa atitude de silêncio vem a ser quebrada pelo CNJ como mencionado pelo Censo de 2014 e com Resolução n. 203 de 2015”, completou.Leia mais:
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Racismo institucional
O diretor da Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Porto Alegre, professor Lúcio Almeida, também uma pessoa negra e autor do livro “Direito da Diversidade”, chamou a atenção para o racismo institucional. Ele lembrou aos participantes que a criação de muitas leis não escapam da antropologia da subordinação de homens e mulheres negras na história brasileira.
Lúcio Almeida lembrou que também são negros a maioria das pessoas vítimas da violência policial, citando os casos de Evaldo dos Santos, pai de família e músico negro morto pelo Exército com 80 tiros no início deste ano no Rio, e da menina Ágata, de 8 anos, morta no ano passado pela polícia também no Rio de Janeiro.
Ele também abordou a importância das práticas antirracistas. “Ações anti-racistas servem para inverter a lógica de subordinação pelas quais negros e negras são submetidos diariamente no Brasil”, afirmou. Entre elas, está a criação de espaços que tem ampliado as oportunidades para negros e negras a exemplo da política de acesso à justiça do Rio Grande do Sul, que busca fomentar a formação de estudantes negros interessados em disputar vagas na magistratura.
A juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região Gabriela Lenz de Lacerda falou sobre a importância do combate ao racismo e da necessidade de posturas anti-racistas destinadas a enfrentar o silêncio e a invisibilidade da situação das pessoas negras no Brasil. Ela citou estudos sobre o conceito da branquitude, que dá visibilidade à questão de que a raça branca representa, também, uma posição de estrutura de privilégios materiais e simbólicos que vem desde a origem do país.
“Quando a gente trata a escravidão, por exemplo, a gente pensa como se fosse algo que aconteceu com pessoas negras, mas não gostamos de observar onde estão os brancos naquele momento. Isso porque existem dois grupos: o dos oprimidos e o dos opressores e nós, pessoas brancas, somos necessariamente os integrantes do grupo dos opressores. E se queremos trabalhar o racismo e construir uma sociedade menos racista temos que nos perceber como parte desse processo”, argumentou.
Ao longo de sua apresentação também ela deu ênfase ao fato da baixa participação de pessoas negras no Poder Judiciário e lembrou que, no Supremo Tribunal Federal (STF), dos seus 11 integrantes, nove são homens brancos e duas são mulheres brancas.
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