Para especialistas, Future-se compromete autonomia universitária

A universidade pública brasileira é a instituição que mais faz pesquisa nesse país. 60% de toda a ciência que se produz no Brasil advém de 15 universidades

Agência Senado/Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Publicada em 05 de novembro de 2019 às 09:02
Para especialistas, Future-se compromete autonomia universitária

Representantes do setor de educação criticaram a iniciativa do governo que busca atrair recursos financeiros a universidades e institutos federais de educação

Representantes do setor de educação criticaram o programa Future-se, em audiência pública na Comissão de Educação (CE) nesta segunda-feira (4). Segundo os especialistas, a iniciativa do governo que busca atrair recursos financeiros a universidades e institutos federais de educação, compromete a previsão constitucional de autonomia universitária.

O conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Carlos Alexandre Netto, afirmou que o Future-se está inserido “no momento em que as universidades não têm recursos para fechar o ano”, apesar da possibilidade de recursos adicionais, tendo em vista o congelamento de verbas a partir de emenda constitucional de 2017, o que gerou perdas presentes e futuras.

— A universidade pública brasileira é a instituição que mais faz pesquisa nesse país. 60% de toda a ciência que se produz no Brasil advém de 15 universidades. A colaboração com as empresas não representa novidade para as universidades. As ações do Future-se já são parte daquilo que elas fazem. O programa tem leitura muito aquém daquilo que nós já fazemos, foi elaborado sem a participação das universidades. Precisamos de uma instância de diálogo — ressaltou.

Privatização

Segunda secretária do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Jacqueline Rodrigues de Lima disse que não há dialogo possível com uma proposta de “privatização” de universidades públicas e institutos federais.

A proposta do programa vem com um conjunto de estratégias que ocorrem não só no Brasil, mas na América Latina, com interesse de submeter os países a um processo educacional único, sem valorizar as especificidades regionais, afirmou.

— É a mercantilização da educação, a ampliação da educação privada com recursos estatais, a educação como um serviço, não como um direito. O principal problema do Future-se está na autonomia universitária — afirmou.

Conselheiro titular da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Nelson Cardoso Amaral disse que a exigência de contrato de desempenho contraria o artigo 207 da Constituição, que dispõe sobre a autonomia universitária.

Amaral ressaltou que a luta pela autonomia não impede que as universidades participem de processo de captação de fontes adicionais, a partir de diversos fundos já existentes. Ele destacou ainda que a proposta de desvinculação do dinheiro da educação, em discussão no governo, representa o fim do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), sobretudo no que se refere à educação básica.

Coordenador-geral da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), Antônio Alves Neto apontou a falta de debate em torno de um modelo de universidade.

— Além do governo não dialogar com a comunidade, busca criar a lógica de que universidade é espaço de balbúrdia para implantar a lógica empresarial. Há contingenciamento de verbas públicas de pesquisa e educação superior para depois se apresentar um projeto salvador para a busca de recursos na iniciativa privada. A lógica do programa é a captação de recursos — afirmou.

Reforço da autonomia

Por sua vez, o diretor de Desenvolvimento da Rede Federal da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC), Tomas Dias Sant’Anna, garantiu que o Future-se não retira a autonomia das universidades.

Ele explicou que o programa, lançado em julho de 2019, passou por um processo de consulta pública, finalizado em agosto, que resultou na análise de mais de 40 mil tópicos, a partir de 2.700 sugestões de especialistas.

Entre as alterações, Sant’Anna citou que a participação no programa não mais se dará por adesão, mas por contrato de desempenho. Ele também fez menção à inclusão de fundações de apoio, além das organizações sociais na gestão do programa; o desdobramento do fundo de autonomia financeira; a garantia de manutenção das dotações orçamentárias regulares; a exclusão do indicador de gastos de pessoal; e a dispensa de licitação para contratos de empresas juniores.

General de brigada e reitor do Instituto Militar de Engenharia (IME), Armando Morado Ferreira disse que há convergência de ações entre o Future-se e as ações de transformação em curso no instituto, que possui natureza jurídica de gestão diferenciada em relação a outras instituições de ensino superior.

Perda de conquistas

Durante o debate, o senador Paulo Rocha (PT-PA) apontou o “desmonte de conquistas e direitos no país”.

— Estamos com capacidade reduzida de mobilização. A gente está entregando fácil o país para os interesses estrangeiros. O que estão fazendo com as universidades brasileiras é um crime de lesa-pátria. Tem que ter uma mobilização muito forte em defesa da universidade — afirmou.

Proponente da audiência pública, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) disse que a preocupação tem sido com "o foco do programa parecer ser eminentemente financeiro, com a intenção de incluir gradualmente a cobrança ou a extinção da educação pública de qualidade e a acessibilidade que temos hoje nas universidades federais e estaduais".

— O que aparenta ser uma coisa pragmática, rápida de resolver os problemas, não é tanto assim, porque começa a incutir conceitos de educação como serviço, que parecem não ser bons para o Brasil nem para outros países — alertou.

Na avaliação de Jean Paul, a versão definitiva do Future-se deveria ser apresentada em um debate amplo com lideranças representativas da sociedade e das universidades.

— O que não se pode é fazer galhofa com as pessoas, fazer ameaças, reter recursos para depois soltar. É uma forma equivocada de debater — criticou.

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