PGR defende inconstitucionalidade de dispositivo de lei que ampliou competência da Justiça Militar

Para Raquel Dodge, julgamento de militares que cometem crimes dolosos contra a vida de civis fere a Constituição, além de violar tratados de direitos humanos.

MPF
Publicada em 27 de junho de 2018 às 10:21
PGR defende inconstitucionalidade de dispositivo de lei que ampliou competência da Justiça Militar

Foto: João Américo/Secom/PGR

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que seja declarada a inconstitucionalidade de dispositivo incluído no Código Penal Militar. Trata-se do artigo 9º da Lei 13.491/2017, que desloca para a Justiça Militar da União a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida praticados por militares das Forças Armadas no casos em que as vítimas são civis. O assunto é objeto de Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). No documento, encaminhado à Corte na segunda-feira (25), a PGR ressalta que a norma amplia de forma permanente e substancial a competência da Justiça Militar, ao mesmo tempo em que reduz as atribuições constitucionalmente reservadas ao Tribunal do Júri. O entendimento é que a alteração legislativa contraria diversos preceitos constitucionais e viola tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

De acordo com o parecer, tanto a Constituição Federal (CF) quanto os tratados, restringem a jurisdição penal militar ao julgamento de crimes envolvendo violação à hierarquia, disciplina militar ou outros valores tipicamente castrenses. “Qualquer tentativa de ampliação da competência da Justiça Militar da União que desconsidere tal essência será indevida e inconstitucional, porque rompe a lógica da especialidade que a justifica”, frisa Raquel Dodge, completando que ampliar a atuação da Justiça traz impactos sobre a organização constitucional de órgãos do Judiciário e, de modo mais grave, resulta na mitigação da garantia constitucional do Júri.

Em outro trecho do documento, a PGR ressalta o princípio da igualdade como mais um indicativo da inconstitucionalidade do dispositivo. Segundo ela, a mesma lógica, que expressamente impôs a competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida praticados por militares dos estados contra civis, deve ser aplicada aos militares federais. A procuradora-geral enfatiza que o tratamento diferenciado – sem fundamento constitucional – institui uma espécie de “foro privilegiado” em razão da natureza do cargo do agente e não do caráter militar da função exercida. “O caráter da atividade define-se pelo que ela de fato é, e não por quem a exerce, sendo ofensivo ao princípio republicano garantir privilégio de foro nessa situação, em que ausente motivação constitucional ou de qualquer outra ordem para tanto”, destacou.

Direitos da vítima - No parecer, Raquel Dodge também destacou que as vítimas de ação militar têm direito à investigação pronta e justa, por órgão independente e imparcial. Esses fatores são considerados fundamentais para evitar a impunidade e para que seja assegurado o devido processo legal para todos os envolvidos. A premissa, que inclui o julgamento justo conduzido pelo juiz natural, está prevista na Constituição, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos.

No parecer, a procuradora-geral requereu, também, o aditamento da ADI para que seja considerado inconstitucional o dispositivo que transferiu para a Justiça Militar a competência para julgar acusados de crimes contra a vida praticados por militares da Aeronáutica durante ações específicas. Neste caso, a exceção foi incorporada ao Código Penal Militar pela Lei 12.432, aprovada em 2011, pelo Congresso Nacional.

ADI 5032 - A PGR também enviou, nesta segunda-feira, memorial referente à ADI 5032, apresentada em 2013 pelo Ministério Público Federal (MPF). Nesse caso, o questionamento é quanto à constitucionalidade de norma que inseriu na competência da Justiça Militar o julgamento de crimes cometidos no exercício das atribuições subsidiárias das Forças Armadas. Trata-se da atuação militar na chamada Garantia da Lei e Ordem (GLO), na defesa civil, no patrulhamento de áreas de fronteira e quando requisitadas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Utilizando os mesmos argumentos, Raquel Dodge aponta a inconstitucionalidade da atuação da justiça militar nesses casos. De acordo com a PGR, nessas situações específicas, a atividade não é tipicamente militar, mas está relacionada à segurança pública, não cabendo a atuação da Justiça Militar.

ADI 5901

Memorial 5032

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