Por um Novo Processo Administrativo no Brasil

Não é novidade para ninguém que todos sofremos os efeitos da ineficiência do Poder Público, em especial quando tentamos sem sucesso mudar

Alexandre Aroeira Salles
Publicada em 09 de maio de 2022 às 11:06
Por um Novo Processo Administrativo no Brasil

Alexandre Aroeira Salles/Arquivo pessoal

Quando algum de nós, cidadã ou cidadão brasileiro, precisamos da Administração Pública dos Municípios, dos Estados e da União Federal, temos uma única certeza: vivenciaremos uma saga caótica. Não é novidade para ninguém que todos sofremos os efeitos da ineficiência do Poder Público, em especial quando tentamos sem sucesso mudar: uma equivocada multa de trânsito; uma decisão negativa de aposentadoria; ou um arbitrário ato bloqueando nossa entrada em parque público. É igualmente desesperador o silêncio eterno ou atraso infindável da Administração quando pedimos a ela que nos seja concedido um evidente direito, como a licença para construir uma casa ou um galpão.

Um dos principais motivos para tal situação é a ausência de um adequado Processo Administrativo no Brasil, que ordene os atos e as decisões que precisam ser expedidas pelos mais de cinco mil municípios, os vinte e sete estados da federação e a União. Atualmente, cada uma dessas entidades públicas segue seus próprios procedimentos, muitas vezes sem adotar a boa técnica processual e nem mesmo os mais comezinhos princípios processuais previstos na nossa Constituição de 1988.

Além do caos em nossas vidas, tal lacuna prejudica o funcionamento do Poder Judiciário, que como se sabe não tem funcionado bem, em que pese enorme esforço de digitalização e aprimoramento da gestão coordenado pelo CNJ.

Atualmente, a Justiça possui mais de 70 milhões de ações judiciais em trâmite, significativa parte delas decorrentes de litígios causados pelas falhas da Administração Pública durante os seus processos administrativos.

Por isso é muito salutar que o Senado da República e o Supremo Tribunal Federal tenham criado, há um mês, uma comissão de juristas para propor um projeto de reforma à legislação processual administrativa nacional, visando modernizá-la e adotá-la dos meios adequados à satisfação do interesse público.

Há muito trabalho pela frente, mas é possível perceber que alguns anseios da academia, como adotar a atual Lei Federal 9.784/99 em uma lei de caráter nacional, introduzindo normas gerais de processo para todos os demais entes federativos, bem como enriquecê-la com regras que sigam os princípios da culpabilidade, irretroatividade, prescritibilidade, imparcialidade, presunção de inocência, segregação de funções, consensualidade, coisa julgada administrativa, efetivo contraditório e ampla defesa.

Interessante observar que há boas experiências internacionais que podem servir de inspiração, como o sistema espanhol de contencioso administrativo, a instituição da decisão coordenada na Itália, a figura do Ombudsman no Reino Unido e as recomendações e políticas da Organização para Cooperação ao Desenvolvimento Econômico -- OCDE. Vale ainda mencionar algumas técnicas bem pensadas em Estados da federação que cuidaram de aprimorar seus sistemas processuais, podendo citar a título de exemplos: medidas cautelares administrativas em São Paulo; hipóteses de nulidades processuais na Bahia; necessidade de se implantar dosimetria na aplicação de penalidades no Rio de Janeiro; e os possíveis termos de ajuste de condutas no Paraná.

Não se pode olvidar dos avanços já alcançados nos últimos anos, com a introdução de relevantes normas (com influência para os processos administrativos) pelo Código de Processo Civil, pela Lei de Introdução ao Direito Brasileiro e pelas leis de Liberdade Econômica, das Empresas Estatais e das Agências Reguladoras.

Como salientado pelos Presidentes do STF, Luiz Fux, e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, no referido ato conjunto de criação da Comissão, o esforço para aprimorar a legislação de Processo Administrativo deve se dirigir para seu dinamismo, unificação e modernização, garantindo maior segurança jurídica, proteção da confiança e eficiência na atuação do Poder Público.

*Alexandre Aroeira Salles é doutor em Direito e sócio fundador da banca Aroeira Salles

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