Povos indígenas ainda carregam a marca da marginalização, diz Fux
O evento, ocorrido nesta segunda-feira (23/8), foi promovido pelo Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário (ODHPJ) com apoio da Comissão Arns
Segundo Encontro Virtual Sobre Liberdade de Expressão dos Povos Indígenas - Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ
O julgamento da tese do marco temporal indígena (Recurso extraordinário nº 1.017.365), previsto para entrar na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira (25), foi o tema principal do “II Encontro Virtual sobre Liberdade de Expressão: Liberdade de expressão dos Povos Indígenas”. O evento, ocorrido nesta segunda-feira (23/8), foi promovido pelo Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário (ODHPJ) com apoio da Comissão Arns. A tese do marco temporal pretende reconhecer o direito dos povos indígenas somente às terras ocupadas na data da promulgação da Constituição de 1988.
A importância da liberdade de expressão e a proteção especial aos povos indígenas prevista na Constituição, em especial no Artigo 231, foram destacadas pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do STF, ministro Luiz Fux, que lamentou que o contexto social e político não espelhem essa proteção. “Infelizmente, a realidade dos povos indígenas ainda carrega a marca da marginalização. Este estado de vulnerabilidde, lamentavelmente, tem se agravado durante a pandemia”, pontuou Fux.
O ministro declarou ainda que o debate, transmitido pela TV CNJ no YouTube, colaborava para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário na proteção dos direitos indígenas. Segundo ele, não é possivel avançar sem reconhecer o passado de opressão e sem assegurar direitos previstos na Constituição. “O Poder Judiciário não permitirá retrocessos e toda decisão deve assegurar o diálogo intercultural com respeito ao modo de ser e de viver desses povos”.
O debate, mediado pela juíza-auxiliar do CNJ Lívia Perez, foi proposto pela embaixadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e integrante do ODH, a cantora Daniela Mercury, que avaliou como histórico o julgamento da tese do marco temporal para os povos indígenas. “É fundamental que se assegure o direito dos povos indígenas. Eles têm direito à terra, à floresta e ao clima. A devastacão da natureza e a mineração ilícita são incompatíveis com a democracia”.
Daniela Mercury também leu uma mensagem enviada pelo Secretário Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, que destacou a importância da participação dos povos originários na tomada de decisões sobre temas relacionados às questões indígenas. A mensagem também alerta para o perigo de um grupo já vulnerável se tornar marginalizado pela pandemia da Covid-19.
A segurança jurídica foi o tema abordado pela professora titular aposentada da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) Manuela Carneiro da Cunha. Ela destacou que a segurança jurídica é garantia de maior paz no campo e observou que tal preceito deve ser estendido a todos, indistintamente. Ao falar sobre a luta dos Kayowá Guyraroka, no Mato Grosso do Sul, expulsos de suas terras na década de 1940, informou que, somente em 2009, a área foi declarada como pertencentes à etnia, mas ainda hoje ocorrem disputas na região. Representante dos Kayowá Guyraroka, Erileide Kaiowá Domingues, relatou que há 22 anos seu povo aguarda a demarcação.
Julgamento
Para acompanhar o julgamento no STF, representantes de diversas etnias estão reunidos em Brasília no acampamento Luta pela Vida. De acordo com a coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, está ocorrendo o Agosto Indígena, uma iniciativa para acompanhar a decisão que vai definir os rumos da demarcação das terras indígenas. O advogado da Apib, Luiz Elói Terena, lembrou que o direito dos povos originários foi reconhecido por todas as Constituições que vigoraram no Brasil.
Ele classificou a tese do marco temporal como uma anomalia jurídica e ressaltou que a Carta Magna de 1988 não se valeu de elementos temporais, mas sim de direitos originários. Já a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) destacou a importância do diálogo. “É fundamental incluir os povos indígenas como parte legítima do debate, como vai ocorrer no julgamento do STF”, observou.
Na avaliação do ex-vice-procurador-geral da República Luciano Mariz Maia, a tese do marco temporal é equivocada. “Nem na época colonial se ousava dizer que o índio não tinha direito à terra. A Constituição de 1988 estabeleceu esse direito e é escandaloso tentar fazer com que o marco temporal seja extintivo de direito.” A opinião foi compartilhada pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eduardo Viveiros. Para ele, a tese pretende fazer a história dos povos indígenas acabar em 1988. “Equivale a recusar o futuro aos povos indígenas. Caetano disse que o Haiti é aqui. Para nossos povos originários, a Faixa de Gaza também é aqui”.
Já o diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, Oscar Vilhena, afirmou que a tese do marco temporal busca remover direitos e dar legitimidade à usurpação. “Trata-se de uma farsa que cria insegurança jurídica. A Constituição é clara ao estabelecer a noção de direitos dos povos originários. Desrespeitá-la é um fator que gera instalibilidade”, afirmou.
O debate contou com a participação do líder Yanomami cacique Davi Knopenawa. O líder Caiapó Raoni Metuktire enviou uma mensagem gravada destacando a importância de se estabelecer uma convivência harmônica entre as pessoas. Os cantores Caetano Veloso e Maria Gadú e a vice-procuradora Geral da República, Raquel Dodge, acompanharam o encontro e enviaram perguntas aos debatedores.
Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube
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