Povos indígenas ainda carregam a marca da marginalização, diz Fux

O evento, ocorrido nesta segunda-feira (23/8), foi promovido pelo Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário (ODHPJ) com apoio da Comissão Arns

Jeferson Melo Agência CNJ de Notícias
Publicada em 24 de agosto de 2021 às 16:01
Povos indígenas ainda carregam a marca da marginalização, diz Fux

Segundo Encontro Virtual Sobre Liberdade de Expressão dos Povos Indígenas - Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ

O julgamento da tese do marco temporal indígena (Recurso extraordinário nº 1.017.365), previsto para entrar na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira (25), foi o tema principal do “II Encontro Virtual sobre Liberdade de Expressão: Liberdade de expressão dos Povos Indígenas”. O evento, ocorrido nesta segunda-feira (23/8), foi promovido pelo Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário (ODHPJ) com apoio da Comissão Arns. A tese do marco temporal pretende reconhecer o direito dos povos indígenas somente às terras ocupadas na data da promulgação da Constituição de 1988.

A importância da liberdade de expressão e a proteção especial aos povos indígenas prevista na Constituição, em especial no Artigo 231, foram destacadas pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do STF, ministro Luiz Fux, que lamentou que o contexto social e político não espelhem essa proteção. “Infelizmente, a realidade dos povos indígenas ainda carrega a marca da marginalização. Este estado de vulnerabilidde, lamentavelmente, tem se agravado durante a pandemia”, pontuou Fux.

O ministro declarou ainda que o debate, transmitido pela TV CNJ no YouTube, colaborava para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário na proteção dos direitos indígenas. Segundo ele, não é possivel avançar sem reconhecer o passado de opressão e sem assegurar direitos previstos na Constituição. “O Poder Judiciário não permitirá retrocessos e toda decisão deve assegurar o diálogo intercultural com respeito ao modo de ser e de viver desses povos”.

O debate, mediado pela juíza-auxiliar do CNJ Lívia Perez, foi proposto pela embaixadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e integrante do ODH, a cantora Daniela Mercury, que avaliou como histórico o julgamento da tese do marco temporal para os povos indígenas. “É fundamental que se assegure o direito dos povos indígenas. Eles têm direito à terra, à floresta e ao clima. A devastacão da natureza e a mineração ilícita são incompatíveis com a democracia”.

Daniela Mercury também leu uma mensagem enviada pelo Secretário Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, que destacou a importância da participação dos povos originários na tomada de decisões sobre temas relacionados às questões indígenas. A mensagem também alerta para o perigo de um grupo já vulnerável se tornar marginalizado pela pandemia da Covid-19.

A segurança jurídica foi o tema abordado pela professora titular aposentada da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) Manuela Carneiro da Cunha. Ela destacou que a segurança jurídica é garantia de maior paz no campo e observou que tal preceito deve ser estendido a todos, indistintamente. Ao falar sobre a luta dos Kayowá Guyraroka, no Mato Grosso do Sul, expulsos de suas terras na década de 1940, informou que, somente em 2009, a área foi declarada como pertencentes à etnia, mas ainda hoje ocorrem disputas na região. Representante dos Kayowá Guyraroka, Erileide Kaiowá Domingues, relatou que há 22 anos seu povo aguarda a demarcação.

Julgamento

Para acompanhar o julgamento no STF, representantes de diversas etnias estão reunidos em Brasília no acampamento Luta pela Vida. De acordo com a coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, está ocorrendo o Agosto Indígena, uma iniciativa para acompanhar a decisão que vai definir os rumos da demarcação das terras indígenas. O advogado da Apib, Luiz Elói Terena, lembrou que o direito dos povos originários foi reconhecido por todas as Constituições que vigoraram no Brasil.

Ele classificou a tese do marco temporal como uma anomalia jurídica e ressaltou que a Carta Magna de 1988 não se valeu de elementos temporais, mas sim de direitos originários. Já a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) destacou a importância do diálogo. “É fundamental incluir os povos indígenas como parte legítima do debate, como vai ocorrer no julgamento do STF”, observou.

Na avaliação do ex-vice-procurador-geral da República Luciano Mariz Maia, a tese do marco temporal é equivocada. “Nem na época colonial se ousava dizer que o índio não tinha direito à terra. A Constituição de 1988 estabeleceu esse direito e é escandaloso tentar fazer com que o marco temporal seja extintivo de direito.” A opinião foi compartilhada pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eduardo Viveiros. Para ele, a tese pretende fazer a história dos povos indígenas acabar em 1988. “Equivale a recusar o futuro aos povos indígenas. Caetano disse que o Haiti é aqui. Para nossos povos originários, a Faixa de Gaza também é aqui”.

Já o diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, Oscar Vilhena, afirmou que a tese do marco temporal busca remover direitos e dar legitimidade à usurpação. “Trata-se de uma farsa que cria insegurança jurídica. A Constituição é clara ao estabelecer a noção de direitos dos povos originários. Desrespeitá-la é um fator que gera instalibilidade”, afirmou.

O debate contou com a participação do líder Yanomami cacique Davi Knopenawa. O líder Caiapó Raoni Metuktire enviou uma mensagem gravada destacando a importância de se estabelecer uma convivência harmônica entre as pessoas. Os cantores Caetano Veloso e Maria Gadú e a vice-procuradora Geral da República, Raquel Dodge, acompanharam o encontro e enviaram perguntas aos debatedores.

Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube

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