Precisamos falar sobre os crimes ambientais

Não há dúvida de que o agro é tech, o agro é top, o agro é pop, mas uma parte do agro também é fogo, fumaça e destruição

Fonte: Cássio Carneiro Duarte - Publicada em 09 de setembro de 2024 às 15:02

Precisamos falar sobre os crimes ambientais

Nos últimos dias, a sociedade brasileira acompanhou e sentiu os efeitos do que a imprensa apelidou de "dia do fogo". Várias cidades foram cobertas por fumaça e cinzas, provenientes de queimadas em florestas, unidades de conservação, áreas de proteção ambiental, entre outros locais.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Brasil registrou 68.635 queimadas em agosto de 2024. Este foi o maior número para o mês desde 2010, quando foram contabilizados 91.085 focos de incêndio, sendo também o 5º pior da série histórica, iniciada em 1998.

Em comparação com o ano passado, que registrou 28.056 focos de fogo em agosto, o aumento foi de 144%. Tradicionalmente, agosto marca o início do período de queimadas no Brasil, que se estende até outubro, com o pico normalmente em setembro. No acumulado do ano, o número de queimadas também é o maior em 14 anos, somando 127.051 focos, dos quais 54% ocorreram apenas em agosto.
Com isso, o habitual céu azul foi substituído pelo cinza da fumaça, gerando perplexidade e perguntas que ainda não foram respondidas, como: houve uma ação orquestrada ou foi mera coincidência? A quem interessa essa ação criminosa? E para quê?

O resultado dessa destruição incluiu a morte de pessoas, o bloqueio de estradas que impediu o deslocamento da população, o cancelamento de voos, afetando o transporte de mercadorias e passageiros, e cidades declarando estado de emergência. Além disso, houve um grande impacto no ecossistema, com a piora da qualidade do ar e a morte de animais. A agropecuária também sofreu prejuízos significativos, com a destruição de pastagens, queima de equipamentos e lavouras, afetando direta e indiretamente a economia do país.

O enfrentamento dos crimes ambientais no Brasil ainda representa um grande desafio para as autoridades. Entre os problemas que dificultam a redução dessas infrações estão a vasta extensão territorial do país, a dificuldade de deslocamento dos agentes públicos, a falta de infraestrutura adequada e o baixo número de servidores disponíveis, entre outros fatores.

Do ponto de vista legislativo, a Constituição Federal estabelece que a proteção e o combate à poluição ambiental, em qualquer de suas formas, são de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Contudo, apesar de o Brasil possuir uma das legislações mais modernas do mundo no que se refere à fiscalização, controle e proteção ambiental, a aplicação e o combate aos crimes ambientais ainda são bastante tímidos.

Desde a publicação da Lei dos Crimes Ambientais, qualquer cidadão que agir de forma dolosa ou omissa, desrespeitando a legislação ambiental, pode ser punido. Um ponto importante dessa lei é que as pessoas jurídicas também podem ser responsabilizadas, tanto administrativa quanto penalmente, além de serem obrigadas a reparar os danos causados ao meio ambiente.

Todavia, segundo diversas decisões dos Tribunais Superiores, para que uma pessoa jurídica seja responsabilizada, é necessário comprovar alguns requisitos no caso concreto: deve haver um benefício para a empresa decorrente do ato praticado ou omitido; o ato deve estar vinculado à atividade da empresa; a ação ou omissão do funcionário não pode estar fora das atividades da empresa; deve existir subordinação entre o autor do delito e a empresa; a estrutura da empresa deve ter sido utilizada na prática do crime; e é preciso que a decisão tenha sido deliberada pela diretoria, por quem responde pela empresa ou por seu órgão colegiado, em benefício da entidade.

Além disso, dependendo do caso, a ação penal pode ser movida apenas contra a empresa causadora do dano ambiental, sem a necessidade de incluir o representante legal, sócio, gerente ou funcionário no processo. As penalidades podem ser aplicadas de forma isolada ou combinada, incluindo multa, restrição de direitos, suspensão parcial ou total das atividades da empresa, interdição temporária de estabelecimentos, obras ou atividades, e proibição de contratar com o Poder Público ou de receber subsídios, subvenções ou doações.

A prestação de serviços à comunidade também pode ser uma pena, como o financiamento de programas e projetos ambientais, a execução de obras para recuperação de áreas degradadas, a manutenção de espaços públicos ou contribuições para entidades ambientais ou culturais públicas.

Os principais crimes previstos na Lei de Crimes Ambientais são de poluição sonora, desmatamento ilegal, queimadas ilegais, poluição hídrica, pesca ilegal, tráfico de animais silvestres, degradação de áreas de preservação permanente, extração ilegal de recursos naturais.

Além disso, devido aos recentes episódios de destruição ambiental, está sendo discutido na Câmara dos Deputados um projeto de lei que prevê o aumento severo das penas para quem cometer o crime de incêndio ambiental com motivação política ou eleitoral, com reclusão de até 8 anos, além do pagamento de multa. A punição pode ser agravada se o crime for praticado em períodos em que florestas ou vegetações estejam mais vulneráveis ao fogo, caso o incêndio atinja grandes proporções, ou se for resultado da atuação de uma organização criminosa..

Todavia, recorrer ao casuísmo típico do Brasil e ao populismo penal em projetos como esse exige pragmatismo. Em primeiro lugar, a simples criação de leis não altera, por si só, o comportamento das pessoas. Em segundo lugar, o aumento de penas ou a criação de novos tipos penais, isoladamente, não resolverá esse tipo de criminalidade, como já vimos em outras ocasiões.

Talvez, o que possa realmente reduzir a degradação ambiental em nosso país seja o engajamento do Estado em criar ou ampliar planos de prevenção e contenção das agressões ao meio ambiente. Além disso, é fundamental trazer a sociedade civil para o debate e implementar nas escolas uma educação ambiental sólida, formando uma geração mais consciente sobre a importância da preservação ambiental.

Por fim, não se pode naturalizar as barbáries cometidas contra o meio ambiente. O Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) deve agir conforme a lei determina para coibir e punir os responsáveis por essa tragédia ambiental que estamos presenciando. Não há dúvida de que o agro é tech, o agro é top, o agro é pop, mas uma parte do agro também é fogo, fumaça e destruição.

Cássio Carneiro Duarte. Advogado, pós-graduado em direito penal e processo penal pela Escola Superior de Direito — ESD; pós-graduado em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais — IBCCRIM, em parceria com a Universidade Coimbra — PT; membro da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas — ABRACRIM, voluntário do Instituto Pró-bono. E-mail: [email protected]

Precisamos falar sobre os crimes ambientais

Não há dúvida de que o agro é tech, o agro é top, o agro é pop, mas uma parte do agro também é fogo, fumaça e destruição

Cássio Carneiro Duarte
Publicada em 09 de setembro de 2024 às 15:02
Precisamos falar sobre os crimes ambientais

Nos últimos dias, a sociedade brasileira acompanhou e sentiu os efeitos do que a imprensa apelidou de "dia do fogo". Várias cidades foram cobertas por fumaça e cinzas, provenientes de queimadas em florestas, unidades de conservação, áreas de proteção ambiental, entre outros locais.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Brasil registrou 68.635 queimadas em agosto de 2024. Este foi o maior número para o mês desde 2010, quando foram contabilizados 91.085 focos de incêndio, sendo também o 5º pior da série histórica, iniciada em 1998.

Em comparação com o ano passado, que registrou 28.056 focos de fogo em agosto, o aumento foi de 144%. Tradicionalmente, agosto marca o início do período de queimadas no Brasil, que se estende até outubro, com o pico normalmente em setembro. No acumulado do ano, o número de queimadas também é o maior em 14 anos, somando 127.051 focos, dos quais 54% ocorreram apenas em agosto.
Com isso, o habitual céu azul foi substituído pelo cinza da fumaça, gerando perplexidade e perguntas que ainda não foram respondidas, como: houve uma ação orquestrada ou foi mera coincidência? A quem interessa essa ação criminosa? E para quê?

O resultado dessa destruição incluiu a morte de pessoas, o bloqueio de estradas que impediu o deslocamento da população, o cancelamento de voos, afetando o transporte de mercadorias e passageiros, e cidades declarando estado de emergência. Além disso, houve um grande impacto no ecossistema, com a piora da qualidade do ar e a morte de animais. A agropecuária também sofreu prejuízos significativos, com a destruição de pastagens, queima de equipamentos e lavouras, afetando direta e indiretamente a economia do país.

O enfrentamento dos crimes ambientais no Brasil ainda representa um grande desafio para as autoridades. Entre os problemas que dificultam a redução dessas infrações estão a vasta extensão territorial do país, a dificuldade de deslocamento dos agentes públicos, a falta de infraestrutura adequada e o baixo número de servidores disponíveis, entre outros fatores.

Do ponto de vista legislativo, a Constituição Federal estabelece que a proteção e o combate à poluição ambiental, em qualquer de suas formas, são de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Contudo, apesar de o Brasil possuir uma das legislações mais modernas do mundo no que se refere à fiscalização, controle e proteção ambiental, a aplicação e o combate aos crimes ambientais ainda são bastante tímidos.

Desde a publicação da Lei dos Crimes Ambientais, qualquer cidadão que agir de forma dolosa ou omissa, desrespeitando a legislação ambiental, pode ser punido. Um ponto importante dessa lei é que as pessoas jurídicas também podem ser responsabilizadas, tanto administrativa quanto penalmente, além de serem obrigadas a reparar os danos causados ao meio ambiente.

Todavia, segundo diversas decisões dos Tribunais Superiores, para que uma pessoa jurídica seja responsabilizada, é necessário comprovar alguns requisitos no caso concreto: deve haver um benefício para a empresa decorrente do ato praticado ou omitido; o ato deve estar vinculado à atividade da empresa; a ação ou omissão do funcionário não pode estar fora das atividades da empresa; deve existir subordinação entre o autor do delito e a empresa; a estrutura da empresa deve ter sido utilizada na prática do crime; e é preciso que a decisão tenha sido deliberada pela diretoria, por quem responde pela empresa ou por seu órgão colegiado, em benefício da entidade.

Além disso, dependendo do caso, a ação penal pode ser movida apenas contra a empresa causadora do dano ambiental, sem a necessidade de incluir o representante legal, sócio, gerente ou funcionário no processo. As penalidades podem ser aplicadas de forma isolada ou combinada, incluindo multa, restrição de direitos, suspensão parcial ou total das atividades da empresa, interdição temporária de estabelecimentos, obras ou atividades, e proibição de contratar com o Poder Público ou de receber subsídios, subvenções ou doações.

A prestação de serviços à comunidade também pode ser uma pena, como o financiamento de programas e projetos ambientais, a execução de obras para recuperação de áreas degradadas, a manutenção de espaços públicos ou contribuições para entidades ambientais ou culturais públicas.

Os principais crimes previstos na Lei de Crimes Ambientais são de poluição sonora, desmatamento ilegal, queimadas ilegais, poluição hídrica, pesca ilegal, tráfico de animais silvestres, degradação de áreas de preservação permanente, extração ilegal de recursos naturais.

Além disso, devido aos recentes episódios de destruição ambiental, está sendo discutido na Câmara dos Deputados um projeto de lei que prevê o aumento severo das penas para quem cometer o crime de incêndio ambiental com motivação política ou eleitoral, com reclusão de até 8 anos, além do pagamento de multa. A punição pode ser agravada se o crime for praticado em períodos em que florestas ou vegetações estejam mais vulneráveis ao fogo, caso o incêndio atinja grandes proporções, ou se for resultado da atuação de uma organização criminosa..

Todavia, recorrer ao casuísmo típico do Brasil e ao populismo penal em projetos como esse exige pragmatismo. Em primeiro lugar, a simples criação de leis não altera, por si só, o comportamento das pessoas. Em segundo lugar, o aumento de penas ou a criação de novos tipos penais, isoladamente, não resolverá esse tipo de criminalidade, como já vimos em outras ocasiões.

Talvez, o que possa realmente reduzir a degradação ambiental em nosso país seja o engajamento do Estado em criar ou ampliar planos de prevenção e contenção das agressões ao meio ambiente. Além disso, é fundamental trazer a sociedade civil para o debate e implementar nas escolas uma educação ambiental sólida, formando uma geração mais consciente sobre a importância da preservação ambiental.

Por fim, não se pode naturalizar as barbáries cometidas contra o meio ambiente. O Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) deve agir conforme a lei determina para coibir e punir os responsáveis por essa tragédia ambiental que estamos presenciando. Não há dúvida de que o agro é tech, o agro é top, o agro é pop, mas uma parte do agro também é fogo, fumaça e destruição.

Cássio Carneiro Duarte. Advogado, pós-graduado em direito penal e processo penal pela Escola Superior de Direito — ESD; pós-graduado em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais — IBCCRIM, em parceria com a Universidade Coimbra — PT; membro da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas — ABRACRIM, voluntário do Instituto Pró-bono. E-mail: [email protected]

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