Prescrição em processo suspenso deve ser limitada à pena máxima prevista para o crime

Segundo o relator, ministro Edson Fachin, o texto constitucional, como regra geral, não assegurou ao Estado o direito de punir um indivíduo ou de executar a pena eternamente

STF
Publicada em 15 de dezembro de 2020 às 15:02
Prescrição em processo suspenso deve ser limitada à pena máxima prevista para o crime

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, nos casos de inatividade processual decorrente de citação por edital, é constitucional limitar a suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima prevista para o crime. A decisão, unânime, foi proferida no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 600851, com repercussão geral (Tema 438), na sessão virtual encerrada em 4/12. 

Citação sem resposta

O recurso, desprovido pelo STF, foi interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) contra decisão do Tribunal de Justiça local (TJDFT) que manteve o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado em um processo suspenso porque a ré não havia respondido ao edital de citação. De acordo com a sentença, diante da ausência de prazo para a suspensão da prescrição, nos termos do artigo 366 do Código de Processo Penal (CPP), deve ser observada a pena máxima em abstrato prevista para a infração, conforme a regra de prescrição estabelecida no artigo 109 do Código Penal (CP), “sob pena de tornar o delito imprescritível”. No RE, o MPDFT sustentava que a Constituição Federal não proíbe a suspensão da prescrição por prazo indeterminado nos casos em que o réu não responder a edital de citação.

Prescrição como regra geral

Em seu voto, o ministro Edson Fachin, relator do recurso, observou que a regra geral da Constituição Federal é a prescritibilidade das pretensões trazidas a juízo, especialmente no campo penal, em razão do caráter restritivo às liberdades individuais. O ministro ressaltou que as exceções, no âmbito criminal, estão expressamente listadas na Constituição: os crimes de racismo e as ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. “A própria lógica da prescrição é que as pretensões sejam exercidas em prazo previamente delimitado no tempo, e, caso essa limitação não exista, o que se tem, ao fim, é a imprescritibilidade”, argumentou.

De acordo com o ministro, se a regra do artigo 366 do CPP for interpretada de forma a admitir a imprescritibilidade, haveria violação às garantias individuais da duração razoável do processo e da celeridade processual (artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição), pois o constituinte não assegurou ao Estado o direito de punir um indivíduo ou de executar a pena eternamente. “Nesse contexto, entendo que não se pode admitir um sistema de persecução penal que autorize o julgamento de um delito 30, 40, 50, 100 depois do crime, sem que haja estabilidade do direito”, afirmou. “A liberdade individual não pode ficar sujeita a um prazo indefinido, situação que nada distingue, em essência, da imprescritibilidade”.

Proporcionalidade

Fachin concluiu ser constitucional a limitação da suspensão do prazo de prescrição segundo a pena máxima em abstrato do delito em julgamento, em consonância com as balizas do artigo 109 do Código Penal. Segundo ele, essa limitação é condizente com o princípio da proporcionalidade e com a noção de individualização da pena. O relator salientou que esse entendimento, expresso em 2009 na súmula 415 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), vem sendo aplicado em diversos tribunais, “sem grandes questionamentos”.

Suspensão do processo

O ministro refutou, ainda, o argumento da impossibilidade de o prazo de prescrição continuar a correr enquanto o Estado estiver impossibilitado de agir em razão da suspensão do processo. Ele observou que o CPP tem mecanismos que permitem a atuação do Estado-acusação mesmo nessa circunstância, não havendo impedimento, por exemplo, à colheita cautelar de provas consideradas urgentes. Além disso, o Estado também não está impedido de promover diligências para tentar localizar o endereço do processado, por meio de consultas ao SPC, Serasa, cartórios extrajudiciais e Tribunais Eleitorais, entre outros meios. “Contudo, se o Estado nada faz ou o faz de forma ineficaz e não exitosa, está caracterizado o desinteresse, explícito ou implícito, pela persecução penal, o que faz surgir a razão para prescrição, ainda que o processo permaneça suspenso”, concluiu.

Em seu entendimento, portanto, o artigo 366 do CPP, na parte em que prevê a paralisação do processo sem prazo determinado, é compatível com a Constituição Federal, “segundo a qual ninguém pode ser privado da liberdade sem o devido processo legal, assegurados o contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes”. Ele lembrou, ainda, que o próprio CPP (artigo 363, parágrafo 4º) prevê expressamente que somente com o comparecimento do acusado citado por edital o processo prosseguirá em seus devidos termos, dentre eles, a apresentação de resposta à acusação.

Tese

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: "Em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, ressalvados os crimes previstos na Constituição Federal como imprescritíveis, é constitucional limitar o período de suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao crime, a despeito de o processo permanecer suspenso".

Leia mais:

29/7/2011 - Limite legal para suspensão do processo e da prescrição tem repercussão geral

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