Prioridade Absoluta: acolhimento familiar humaniza histórias e favorece o desenvolvimento de crianças
Muitas, já mais velhas, ficavam o tempo todo balançando a cabeça para frente e para trás
A família de Lumena Mariconi já acolheu provisoriamente seis crianças: "O amor transforma as pessoas e o futuro". Foto: Arquivo familiar
Há 20 anos, ao visitar um orfanato em Bucareste, capital da Romênia, Nathan Fox, professor de psicologia do Instituto do Estudo da Criança da Universidade de Maryland (EUA), ficou impressionado com o silêncio. Em um ambiente cheio de bebês e crianças pequenas, não se ouvia nenhum som. Em seus berços, as crianças não choravam. Muitas, já mais velhas, ficavam o tempo todo balançando a cabeça para frente e para trás.
A conclusão dele foi de que isso ocorria porque ninguém respondia a esses choros. Não havia nenhuma interação típica entre um cuidador e uma criança, entre uma mãe e um filho. O balanço do corpo era uma forma de distração em um ambiente ausente de interação social. A experiência fez o especialista dar origem a estudos pioneiros sobre como a negligência e a desatenção com crianças moldam negativamente o cérebro delas, com impactos que podem persistir até a vida adulta.
Os estudos de Nathan Fox não apenas impactaram o mundo, como também a vida de um grupo de psicólogas paulistas que vivenciaram situações parecidas quando estagiavam em abrigos infantis. “Havia irmãos que nem sequer sabiam que eram irmãos. As crianças não conheciam suas próprias histórias, de onde vieram. Não sabiam suas datas de nascimento, pois, nos abrigos, comemoram-se apenas os aniversariantes do mês”, contou a psicóloga Sara Luvisotto, uma das integrantes do grupo. “Institucionalizar é prejudicial a bebês e crianças pequenas, foi a conclusão que chegamos depois de acompanhar inúmeras crianças em abrigos.”
A experiência das estudantes deu origem ao Instituto Fazendo História (IFH), em 2015. O objetivo era ajudar as crianças a conhecerem e se apropriarem de suas histórias e, a partir daquele momento, ressignificarem os acontecimentos e se tornarem protagonistas de seu futuro. E o caminho encontrado pelas especialistas foi pelo acolhimento familiar. “Com o acolhimento, se criam conexões, conexões familiares, de amor, de atenção, de carinho. E assim vamos passando para a criança a sua história”, explica. “Foi muito difícil convencer as pessoas, as varas de infância, convencer as famílias. Começamos pequenos, com uma ou duas crianças, e fomos crescendo”, contou Sara, que hoje é coordenadora do serviço de famílias acolhedoras do IFH.
Em 2021, o Instituto Fazendo História ganhou reconhecimento nacional pelos trabalhos prestados ao receber o Prêmio Prioridade Absoluta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Eixo Protetivo, categoria Empresas e Sociedade Civil Organizada. A ideia da premiação é dar visibilidade e estimular a replicabilidade dos projetos em território nacional.
“Torcemos para que mais projetos de famílias acolhedoras ganhem força em todas as cidades. É um trabalho muito potente e transformador de vidas”, afirma Sara Luvisotto. Atualmente, o grupo tem capacidade para atender 30 crianças simultaneamente, que são monitoradas por três equipes técnicas (compostas por uma assistente social e uma psicóloga). Eles possuem 33 famílias acolhedoras cadastradas.
Amor com desapego
Entre as famílias acolhedoras, está a da bancária Lumena Mariconi. Casada e mãe de duas adolescentes, Lumena sempre foi apaixonada por bebês, mas não pensava em adotar. Ela queria fazer algum trabalho voluntário com crianças, mas ainda não sabia qual seria. “Fui atraída por uma propaganda no Facebook. Uma foto de um bebê e um convite para dar carinho para aquela criança. Era um anúncio do Instituto Fazendo História para um curso de formação de Famílias Acolhedoras.”
Lumena e o marido participaram da segunda turma de formação e já receberam em casa seis crianças, principalmente recém-nascidos. “A cada acolhimento a gente vai aprendendo a ser menos egoísta. A dar sem esperar receber nada em troca. É uma entrega pura de amor incondicional”, se emociona. “Dá trabalho sim, são bebês. Mas quando penso no significado dessa entrega e no impacto dessa conexão para o futuro emocional da criança, é uma gratidão enorme por fazer parte do projeto. O amor transforma as pessoas e o futuro.”
Famílias de origem
O principal diferencial do Instituto Fazendo História é o trabalho com as famílias de origem, pais e mães das crianças acolhidas. “Não adiantaria nada só atender as crianças sem cuidar para que o ciclo de abandono não se rompa”, explica Sara Luvisotto.
A família de Thacila Cristina da Silva Teixeira fez parte desse processo. Por meio do contato das assistentes sociais, a dona de casa de então 19 anos de idade tomou conhecimento de que teria um irmão de três meses entregue ao Instituto. Quando viu a foto, não pensou duas vezes e decidiu pedir a guarda do bebê para si. “Pensei que não iam me aceitar, por ser nova demais, não ter emprego fixo, recém-casada. Mas a equipe do Instituto me ajudou muito e hoje meu irmão Caleb está em vias de vir morar conosco.”
Caleb, hoje com nove meses, está acolhido com uma família e passa os finais de semana com Thacila. “É meu irmão, mas é como um filho para mim. O amo muito e quero muito que tenha uma história diferente da minha, que cresça e tenha uma boa educação”, explicou. Thacila não sabe do paradeiro da mãe. Foi criada por um parente. Possui oito irmãos conhecidos, dos quais tem contato apenas com dois.
“Quando recebemos uma criança, buscamos entender o que aconteceu para ela ter chegado ali. Buscamos a família de origem para conhecer a história e construir juntos uma estratégia para um novo futuro para a criança”, explicou a psicóloga do Instituto. Em cerca de 60% dos casos acompanhados pelo grupo a guarda voltou para a família de origem, que é monitorada por, no mínimo, mais seis meses.
Essa matéria faz parte de uma série que apresenta os projetos vencedores da primeira edição do Prêmio Prioridade Absoluta, anunciados em dezembro de 2021.
Conheça os projetos vencedores da primeira edição do Prêmio Prioridade Absoluta
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