Relator vota pela impossibilidade de que condomínios proíbam locações de curta temporada via Airbnb
Além disso, não poderiam ser enquadradas como atividade comercial passível de proibição pelo condomínio
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou nesta quinta-feira (10) o julgamento que vai definir se um condomínio residencial pode proibir a oferta de imóveis para aluguel por meio de plataformas digitais como o Airbnb.
O julgamento foi aberto com a apresentação do voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que entendeu não ser possível a limitação das atividades locatícias pelo condomínio residencial porque as locações via Airbnb e outras plataformas similares não estariam inseridas no conceito de hospedagem, mas, sim, de locação residencial por curta temporada. Além disso, não poderiam ser enquadradas como atividade comercial passível de proibição pelo condomínio.
O ministro também considerou que haveria violação ao direito de propriedade caso fosse permitido que os condomínios proibissem a locação temporária. Na sequência, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Raul Araújo.
No início do julgamento, a turma admitiu o Airbnb como assistente dos proprietários que recorreram ao STJ após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) concluir que a disponibilização de seu imóvel em Porto Alegre para aluguel pela plataforma digital caracterizaria atividade comercial – o que é proibido pela convenção do condomínio.
Para o TJRS, a ausência de vinculação entre o proprietário e os inquilinos, a reforma do apartamento para criar novos espaços de acomodação e o fornecimento de serviços como o de lavanderia seriam suficientes para caracterizar uma espécie de "contrato atípico de hospedagem", o que afastaria a aplicabilidade da Lei de Locação (Lei 8.245/1991) ao caso.
Em sustentação oral, o advogado do Airbnb afirmou que os contratos de locação entre anfitriões e inquilinos não têm participação direta da plataforma, e assim as partes podem negociar livremente os termos do acordo. Segundo o assistente dos proprietários, esses contratos não são do tipo hospedagem e mantêm a finalidade residencial dos imóveis. Além disso, o Airbnb afirmou que disponibiliza em seu site um espaço para que sejam esclarecidas as normas do condomínio, como horários e orientações de segurança.
Prestação de serviços
Em relação ao contrato de hospedagem, o ministro Luis Felipe Salomão apontou que a Lei 11.771/2008, que estabelece normas sobre a Política Nacional de Turismo, prevê a modalidade de hospedagem para turismo – todavia, estabelece para esse tipo de contrato a prestação de múltiplos serviços, como segurança e arrumação dos cômodos, excluindo qualquer utilização para fins residenciais.
"Nesse sentido, penso não ser possível categorizar a atividade realizada pelos proprietários recorrentes como comercial, igualando-a àquelas realizadas por estabelecimentos dotados da estrutura para o fornecimento dos serviços inerentes à hospedagem, nos estritos limites da lei", disse o ministro.
Além disso, para Salomão, os autos do processo indicaram que a prestação de serviços como lavagem de roupas se caracterizou como atividade circunstancial, não se assemelhando à gama de serviços exigidos para caracterização de hospedagem.
Economia de compartilhamento
No voto, o relator lembrou que os contratos de curta temporada – de todo o imóvel ou de partes dele – não são uma atividade recente. Na verdade, afirmou, a novidade diz respeito à potencialização do aluguel por curto ou curtíssimo prazo por meio das plataformas virtuais, que está inserida na denominada economia de compartilhamento – a exemplo de outros sistemas de intermediação, como Booking, HomeAway e Uber.
Apenas no caso da plataforma Airbnb, destacou o relator, há estimativa de impacto econômico de mais de R$ 7 bilhões no Brasil em 2018.
Apesar de citar proposições legislativas em andamento – sobretudo no sentido de regular o mercado de locação por curta temporada – e entendimentos legais em diversos países, Salomão reconheceu que não há como enquadrar, no momento, as relações advindas da utilização de plataformas virtuais para locação em uma das rígidas formas contratuais existentes no ordenamento jurídico.
Mesmo assim, o relator considerou que o aproveitamento de cômodos de um mesmo imóvel ou do imóvel em sua totalidade tem o "nítido propósito de destinação residencial a terceiros, mediante contraprestação pecuniária", o que coloca essas relações negociais no âmbito do contrato de locação por temporada.
"A disponibilização dos imóveis foi realizada, conforme delimitado pela origem, tanto por períodos curtos como por períodos superiores a 12 meses, mas certo é que presente se manteve em todas as formas a finalidade residencial – tônica dos contratos de locação dos imóveis urbanos, previstos nos artigos 47 e seguintes do Código Civil –, e, segundo consta dos autos, prática que permanece até os dias de hoje", apontou o ministro.
Razoabilidade
No tocante ao confronto entre os limites do direito de propriedade e o direito dos demais integrantes do condomínio, Salomão afirmou que a jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a análise de norma condominial restritiva passa pelos critérios de razoabilidade e legitimidade da medida em face do direito de propriedade.
Com base nesses critérios, explicou o ministro, a Quarta Turma decidiu no REsp 1.699.022 que o condômino inadimplente não pode ser impedido de usar áreas comuns do prédio. Orientação baseada nos mesmos princípios foi adotada pela Terceira Turma no REsp 1.783.076 para reconhecer a possibilidade de flexibilização de norma condominial e permitir a permanência de animais de estimação nas unidades residenciais.
No caso dos autos, Salomão ainda ressaltou que os proprietários disponibilizam o imóvel desde 2011, sem que tenha havido anteriormente oposição dos demais condôminos em relação a essas locações – atividade que, inclusive, é realizada por outros proprietários. O relator também destacou que não há notícia de que tenha ocorrido quebra ou diminuição da segurança do complexo residencial.
"Com efeito, há mesmo, ao revés, uma ideia de que a locação realizada por tais métodos (plataforma virtual) é até mais segura – tanto para o locador como para a coletividade que com o locatário convive, porquanto fica o registro de toda a transação financeira e dos dados pessoais deste e de todos os que vão permanecer no imóvel, inclusive com histórico de utilização do sistema", disse o relator.
Segundo Salomão, o condomínio pode adotar medidas adequadas para manter regularmente o seu funcionamento – como o cadastramento de pessoas na portaria –, mas não pode impedir a atividade de locação pelos proprietários.
O julgamento será retomado com o voto-vista do ministro Raul Araújo, ainda sem data definida
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