Responsabilidade do Jornalismo é potencial ajuda na prevenção ao suicídio

Durante muitos anos, o assunto suicídio foi tabu na imprensa brasileira, pelo menos naquela imbuída de maior seriedade. A justificativa era a de que uma notícia de suicídio desencadeava uma onda de atentados contra a própria vida.

Tatiana Beltrão, da Agência Senado
Publicada em 10 de setembro de 2017 às 13:04
Responsabilidade do Jornalismo é potencial ajuda na prevenção ao suicídio

Uma das preocupações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto à prevenção do suicídio é a maneira pela qual a imprensa trata o tema, já que notícias podem difundir tanto influências positivas quanto negativas. A recomendação da OMS é que os jornalistas não escondam o tema, mas o tratem da maneira adequada para evitar diversas consequências, como o incentivo ao suicídio e a exposição e o sofrimento das pessoas envolvidas.

Durante muitos anos, o assunto suicídio foi tabu na imprensa brasileira, pelo menos naquela imbuída de maior seriedade. A justificativa era a de que uma notícia de suicídio desencadeava uma onda de atentados contra a própria vida.

Nem sempre esse foi o comportamento da imprensa. Em estudo interpretativo sobre o noticiário acerca do suicídio de mulheres em jornais de Ponta Grossa (PR), Alvaro Daniel Costa e Maura Regina Petruski reproduzem textos inaceitáveis não só para os padrões da Organização Mundial de Saúde, mas de qualquer órgão da imprensa sensacionalista de hoje.

Em 26 de outubro de 1954, ano do suicídio do presidente Getúlio Vargas, o Jornal da Manhã publicou matéria sobre a morte de Nair Gomes dos Santos, 25 anos, com o título: “Outro suicídio nesta cidade!!!”. A matéria começava já em sentido fortemente opinativo: “É desolador para nós, termos que noticiar mais um caso de suicídio; infelizmente parece que atingiu a nossa cidade uma epidemia de mortes praticadas pelo suicídio, forma de morrer condenada por todos quantos são tementes a Deus”. E prosseguia com críticas a vítima, além de descrever o fato em detalhes: “Não é, pois, normal que uma pessoa se acovarde diante do sofrimento” (...) “Para conseguir levar a termo seu tresloucado gesto, Nair Gomes dos Santos misturou uma grande quantidade de formicida com água numa lata, tomando tôda (sic). Em seguida, correu do quarto à cozinha, dizendo a sua irmã que chamasse sua mãe; logo após caiu para não mais se levantar”.

No livro Botucatu: imprensa e ferrovia, de Marco Alexandre de Aguiar, o assunto é igualmente abordado. Há, por exemplo, a reprodução de notícias de 1963 com detalhes sobre a morte por suicídio de um ferroviário que sofreu pressão dos colegas por ter trabalhado durante uma greve: “Disparando um tiro no ouvido direito, ontem pela manhã, suicidou-se o Sr. Pedro Barbosa (brasileiro, casado, ferroviário, 52 anos, Rua Galvão Severino, 670, Vila dos Lavradores). A autoridade policial tomou ciência do fato, mas não fez comentários a respeito. Não há motivos oficiais para o gesto extremo do suicida, mas acredita que se relacione com a greve dos ferroviários ontem encerrada.”

A exposição, até cruel, da vítima de suicídio e sua família alternava ou convivia com eufemismos do tipo “tresloucado gesto”. O comportamento da imprensa, aliás, foi objeto de um clássico da Música Popular Brasileira, Notícia de Jornal, de Luís Reis e Haroldo Barbosa, gravado por Chico Buarque, no álbum Chico Buarque e Maria Bethânia, de 1975:

“Tentou contra a existência / Num humilde barracão / Joana de tal, por causa de um tal João. / Depois de medicada / Retirou-se pro seu lar / Aí a notícia carece de exatidão / O lar não mais existe / Ninguém volta ao que acabou / Joana é mais uma mulata triste que errou / Errou na dose / Errou no amor / Joana errou de João / Ninguém notou / Ninguém morou na dor que era o seu mal / A dor da gente não sai no jornal”

A OMS sugere que não se omita a informação em casos de suicídio, mas de modo geral chama a atenção para populações vulneráveis que podem sofrer impactos com o trabalho realizados pela comunicação. A cobertura discreta, responsável, precisa e sem exageros é apontada como a ideal para esses casos.

O dilema entre se noticiar um caso de suicídio ou mantê-lo em segredo não é recente. Há pesquisadores que afirmam que, desde 1774, existem evidências suficientes para sugerir que algumas formas de noticiários e coberturas de suicídio associam-se a um excesso de suicídios estatisticamente significativos. A mídia, ao proporcionar informação, influencia comportamentos e pode ocupar papel ativo na prevenção ao suicídio.

A exatidão e precisão de dados e estatísticas podem ser aliados dos jornalistas ao tratar do assunto. Fontes confiáveis legitimam a informação, evitando a disseminação de interpretações equivocadas de números que podem impactar a população.

A atribuição de culpa e a tentativa de justificar o ato podem contribuir para o entendimento equivocado de “um lado solucionador” do suicídio. A exposição de indivíduos em situação de vulnerabilidade a notícias com esse tipo de cobertura gera riscos e reafirma o caráter de responsabilidade da mídia sobre a informação.

Romantizar, enaltecer, glorificar e mostrar o suicídio como típico são alguns dos principais erros cometidos pelos noticiários. Segundo a Organização Mundial da Saúde, naturalizar o suicídio ajuda a perpetuar a desinformação sobre um problema de saúde pública. O uso de fotografias, cenas, detalhamento de métodos e outras informações que não somam conteúdo devem ser descartados. O cuidado garante que não haja uma publicidade da forma de consecução do ato.

Segundo a OMS, a espetacularização do caso confronta o direito à intimidade, à privacidade e a imagem do cidadão e dos familiares. Já o alerta sobre fatores relacionados à saúde mental que levam ao suicídio e serviços de ajuda e tratamento são contribuições que, para a Organização Mundial da Saúde, adequam-se à boa divulgação. Noticiar acerca do suicídio de uma forma apropriada, cuidadosa e potencialmente responsável é útil e pode prevenir perdas de vida. Mas nem sempre é o que ocorre atualmente. Em face de uma cultura mais liberal sobre o tema, muitos veículos têm exposto vítimas e familiares, ainda que mesclando material informativo sobre prevenção.

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