Sem água encanada, metade da população corre mais risco de pegar covid em Rondônia
Em Porto Velho, epicentro da doença, coleta de esgoto atende menos de 5% dos domicílios; falta da saneamento é ainda pior em Ariquemes e Ji-Paraná
A pandemia de covid-19 em Rondônia, que já tirou a vida de 417 pessoas até 21 de junho, escancara o quanto a falta de saneamento básico prejudica a população. No estado em que o número de casos confirmados passa dos 15 mil, segundo a Secretaria Estadual de Saúde, mais de 1,6 milhão de habitantes não têm o esgoto coletado (95,1%) e mais da metade (50,6%) dos rondonienses vive sem água encanada para lavar as mãos, uma das medidas mais simples e recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em Porto Velho, epicentro da doença, a situação é alarmante. Dona de um dos piores indicadores de saneamento do país, a capital coleta os resíduos de menos de 5% dos domicílios e leva abastecimento de água a pouco mais de 35% - além disso, somente 2,5% do esgoto passa por tratamento.
“Como é que essas pessoas podem se higienizar, em um momento de pandemia, se elas não têm água? Muitas usam água de poço, de cacimba, de cachoeira, de rio. Além de não se higienizar contra o coronavírus, elas podem adquirir outras doenças que são tradicionalmente transmitidas pelo esgoto doméstico”, alerta o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.
Segundo relatório divulgado em abril de 2019, a Companhia de Água e Esgotos de Rondônia (Caerd) opera em 37 municípios, sendo que em 21 deles a empresa possui a concessão do sistema de abastecimento de água e esgoto. Um dos fatores que ajuda a explicar índices de cobertura comparáveis ao de países africanos é a falta de investimentos. A Caerd acumula dívidas de R$ 1,7 bilhão, o que compromete a expansão e a universalização dos serviços até 2033, como prevê o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
Segundo projeções do Trata Brasil, para que um estado atenda todos os seus cidadãos, devem ser investidos em saneamento, por ano, cerca de R$ 114 por habitante. Entre 2014 e 2018, os investimentos do governo foram de apenas R$ 36,70 por habitante, três vezes menor que o ideal.
Para o presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares Neto, não há solução sem a injetar recursos no setor. Com atendimento de qualidade, ele acredita que a pressão no sistema público de saúde diminuiria, com menos pessoas doentes em virtude da prestação inadequada desses serviços essenciais.
“Para a pessoa que vive em um bairro sem esgoto, não interessa se ela é 1%, 10% ou 20% da população. É um cidadão ou uma comunidade de cidadãos que não está atendida pelos serviços”, ressalta.
Se em Porto Velho os números já assustam, no interior do estado o retrato do saneamento é de caos. Em Ariquemes, 98% dos 106 mil moradores não têm coleta adequada de esgoto e 8,7% sofrem sem água nas torneiras. Parece impossível, mas o cenário de Ji-Paraná é ainda pior. Segundo dados do Painel Saneamento Brasil, a cidade não tem rede de esgoto e 33% das pessoas se viram como podem para conseguir água limpa para consumo e para cozinhar alimentos.
Abertura de concorrência
Em um movimento para atrair mais investimentos e gerar concorrência através da participação da iniciativa privada, o Senado pode votar, na quarta-feira (24), o novo marco legal do saneamento (PL 4162/2019).
O texto prevê que os contratos sejam firmados por meio de licitações, facilitando a criação de parcerias público-privadas (PPPs). Ainda de acordo com a proposta, a privatização dos serviços de saneamento não se torna obrigatória, apenas garante a oferta mais vantajosa. Dessa forma, as empresas estatais podem ser mantidas, livres para participarem das concorrências, desde que se mostrem mais eficientes que as empresas privadas que participarem da licitação.
“Isso é importante por conta do déficit que a gente vive. Os recursos públicos para investimento em saneamento são cada vez mais escassos. Com isso, há a necessidade de atrair investimentos privados para o setor”, pontua a pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV/CERI) Juliana Smirdele.
Atualmente, os chamados contratos de programa, como a maioria dos celebrados entre a Caerd e os municípios, dispensam licitação para escolha da empresa prestadora dos serviços. Isso significa que o atendimento à população não tem qualquer exigência de qualidade ou expansão.
Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 57% das cidades brasileiras que têm contrato para prestação do serviço de esgotamento sanitário operam em situação irregular, o que significa contrato vencido/inexistente ou delegação em vigor sem a prestação do serviço. Na região Norte, isso ocorre em 90% dos municípios.
Para melhorar os índices de cobertura em cidades do interior, como Ariquemes e Ji-Paraná, a nova lei possibilita a criação de blocos de municípios. Com isso, duas ou mais cidades passariam a ser atendidas, de forma coletiva, por uma mesma empresa. Entre os critérios que poderão ser utilizados, está a localidade, ou seja, se dois ou mais municípios são de uma mesma bacia hidrográfica, por exemplo.
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