Suspenso julgamento sobre condenação baseada apenas em reconhecimento fotográfico
Na sessão da Segunda Turma do STF, o ministro Gilmar Mendes (relator) votou pela anulação da condenação. O ministro Ricardo Lewandowski pediu vista
Na última terça-feira (23), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar processo que envolve a condenação de um homem pelo crime de roubo, tendo como prova apenas o reconhecimento fotográfico realizado, inicialmente, por meio do aplicativo WhatsApp. O ministro Ricardo Lewandowski pediu vista dos autos.
A questão é objeto do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC 206846), em que a Defensoria Pública Federal pede a anulação da condenação de R.R.S. Em outubro, o relator, ministro Gilmar Mendes, deferiu liminar, determinando a sua soltura, em razão de aparente ilegalidade no reconhecimento fotográfico pré-processual.
De acordo com os autos, quatro pessoas tiveram um par de óculos, uma carteira, um aparelho celular, um relógio e R$ 100 roubados por três homens numa avenida em São Paulo (SP). Uma hora após o crime, R.R.S. foi abordado por um policial, que o fotografou e, pelo WhatsApp, enviou a imagem aos policiais que estavam com as vítimas, que o reconheceram. Em seguida, ele foi levado à delegacia, onde foi feito o reconhecimento pessoal, renovado em juízo, o que resultou em sua condenação a oito anos, dez meses e 20 dias de reclusão, por roubo com arma de fogo e em concurso de agentes.
Regramento específico
Na sessão de hoje, o relator votou pelo provimento do RHC para absolver R.R.S. do crime de roubo, tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação. Segundo Gilmar Mendes, a matéria impõe a adoção de uma metodologia específica, a fim de evitar a produção distorcida de provas.
O ministro assinalou que o reconhecimento de pessoas tem um regramento detalhado, previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP), que deve ser observado, a fim de que erros não sejam potencializados. “A desatenção às regras procedimentais determinadas na legislação potencializa brechas para abusos ou reprodução de desigualdades e preconceitos sociais como o racismo estrutural”, afirmou.
Nulidade de provas
Diante da ausência de regulação normativa, o ministro observou que o reconhecimento fotográfico precisa ser analisado com cautela, como uma etapa preliminar de investigação que deve seguir o procedimento determinado no CPP, além de sustentado por outras provas. Assim, eventual irregularidade deve ocasionar a nulidade da prova, que se torna imprestável para justificar eventual sentença condenatória.
Confiabilidade
Ao citar jurisprudência do STF sobre o tema (HC 157007), o relator afirmou que o reconhecimento fotográfico não é idôneo para embasar a condenação, por si só. “A sua utilização pressupõe existirem outras provas aptas a corroborá-lo”, assinalou, frisando a necessidade de respeitar as formalidades legais para garantir a confiabilidade da prova.
Regra processual não observada
Para ele, os atos de reconhecimento realizados pela polícia e em juízo não observaram o artigo 226 do CPP, pois não houve prévia descrição da pessoa a ser reconhecida nem a exibição de outras fotografias de possíveis suspeitos. “Ao contrário, a polícia tirou uma foto de um suspeito encontrado em um parque uma hora depois do fato, mas que nada indicava qualquer ligação com o roubo investigado, visto que não houve motivação para a busca pessoal realizada”, disse.
Outro ponto citado pelo ministro é o de que, nos autos, não há informações que expliquem por qual razão os policiais fotografaram o suspeito no momento da abordagem, uma vez que não foi encontrado nenhum objeto com ele. “A condenação de um inocente por erro judiciário é, além de obviamente algo inadmissível em si mesmo, um atestado de que o verdadeiro culpado não foi submetido à sanção devida”, concluiu.
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