Topografia na floresta foi uma epopeia em Rondônia

Eram fotografias em preto e branco sequenciadas que cobriam todo a área do então Território Federal de Rondônia

Amadeu Machado
Publicada em 10 de março de 2023 às 08:24
Topografia na floresta foi uma epopeia em Rondônia

PORTO VELHO – O que a área técnica dispunha para referenciar seus serviços eram fotografias aéreas que foram realizadas por uma empresa de nome LASA – Levantamentos Aerofotogramétricos S.A., que fora contratada pela União para efetuar esse trabalho.

Eram fotografias em preto e branco sequenciadas que cobriam todo a área do então Território Federal de Rondônia, cabendo ao pessoal técnico montar o mosaico e nele, obtidas coordenadas geográficas, orientar as operações topográficas que posteriormente eram encaminhadas ao setor de desenho, de onde saíam as plantas em papel vegetal.

Capitão Sílvio Farias, lendário na colonização rondoniense

Este era o suporte técnico que dispúnhamos, exigindo elevada competência dos topógrafos, chefiados pelo lendário Capitão Sílvio Gonçalves de Farias, que sabia tudo de topografia, com especialidade na região amazônica, pois que palmilhara as mais longínquas regiões no Pará e Amazonas, onde trabalhou na construção de pequenos aeroportos.

Seu último serviço de topografia para locação de aeroporto foi em Porto Velho. Coube-lhe implementar o aeródromo que se chamou Belmont, até que teve sua denominação mudada para Aeroporto Internacional Jorge Teixeira.

Enquanto era efetuado esse trabalho técnico e fundamental, na área administrativa ocorria a formalização de processos de pessoas que vinham trazer seus documentos, informar que estavam ocupando uma porção de terras, e assim se elaborava um esboço da localização do terreno e estimada a dimensão da ocupação.

Apreciada a documentação, o processo era encaminhado para a equipe de topógrafos que efetuava a plotagem dos lotes, com o que eram fornecidos subsídios para a equipe de técnicos agrícolas saber chegar ao local.

Aparelho antigo de topografia

Assim, quando havia uma quantidade de processos que justificasse o deslocamento, os técnicos agrícolas se embrenhavam na mata, com mochila nas costas e o destemor próprio da idade.

Depois de internados por um bom tempo na mata, voltavam aqueles meninos com os laudos de vistoria, onde constavam as informações sobre o ocupante, sua família, a área ocupada, o tipo de cultura que estava desenvolvendo, e a área pretendida, acompanhada de um croquis de localização.

Esses processos chegavam ao jurídico e ali, à luz da legislação vigente, especialmente o Estatuto da Terra, Lei 4504, de 30 de novembro de 1964, eram emitidos pareceres pela viabilidade de ser emitida licença de ocupação para o cidadão.

Na análise jurídica eram visitados elementos constantes da primeira lei de terras do Brasil, a Lei 601, de 18 de setembro de 1850, onde perquiridas e respondidas positivamente as condições de exercer o ocupante a cultura efetiva e possuir morada permanente. Também usávamos o Decreto-Lei 9760/1946 e, claro, o Estatuto da Terra, já mencionado.

Acrescia-se a investigação sobre ausência de litígio entre vizinhos, buscando-se harmonizar os limites de respeito e, posteriormente precisar a área ocupada.

As pretensões cujas áreas fossem inferiores a 100,0000 hectares eram classificadas como de legitimação de posse e as demais, entre 101,0000 até o limite constitucional permitido, 2.000,0000 hectares, eram contidas em processo de regularização de posse.

Medição de terras à moda antiga era bem demorada e a todos se recomendava paciência

Decorrido algum tempo eram realizados os trabalhos topográficos de demarcação dos lotes que haviam sido contemplados com a licença de ocupação.

Uma nova epopeia das equipes de topografia. Com o precário instrumental da época e as dificuldades de locomoção iam aqueles abnegados servidores aos locais pré-determinados e lá materializavam as divisas dos terrenos, colocando piquetes, ou marcos, trazendo as cadernetas de campo para a elaboração dos memoriais descritivos, feitura das plantas individuais, confirmação de que o imóvel estava ocupado pela mesma família e o processo estava apto a ter o título definitivo expedido.

Então, a um mesmo tempo, uma turma enxuta de servidores operava discriminação administrativa de terras, levantamento de glebas, identificação de títulos anteriores e seu reconhecimento, registro de imóveis e processamento de legitimação e regularização de posses, correndo ainda, paralelamente, o trabalho magnífico do setor que atendia aos projetos de colonização, onde os colonos, ou parceleiros (recebiam uma parcela), eram assentados pelo Incra.

Era a colonização oficial. Os assentados, milhares de famílias, recebiam um lote de 100,0000 hectares, insumos e auxílio médico, criação de cooperativas, escolas de ensino fundamental nas linhas e manutenção das estradas de acesso ao povoado mais próximo.

Casal de colonos do Paraná chega a Machadinho d’Oeste em 1986

Assim foi em Ouro Preto do Oeste, Cacoal, Jaru, Ariquemes, Colorado do Oeste, Machadinho d’Oeste e Guajará-Mirim.

Também nos PICs (Projetos Integrados de Colonização) havia todo o procedimento de plotagem, vistoria, autorização de ocupação, topografia e título definitivo.

Por curiosidade acompanhei algumas vistorias. Era uma atividade de risco e que exigia exuberante forma física para enfrentar as trilhas que eram abertas pelos ocupantes de terras. Muitos quilômetros andando em meio à mata cerrada, em picadas precárias. Muito suor e, ao mesmo tempo, descontração, pois que a rapaziada encarava com ótimo humor as dificuldades.

Quando era encontrado o lote, onde havia um rancho rústico, erguido com pedaços de madeira obtida nas derrubadas, tudo feito no machado e serrote, cobertura de palha, ali estava uma família de brasileiros destemidos, em busca do sonho da terra para cultivar e obter vida com dignidade.

A alegria que demonstravam quando os estranhos se identificavam como funcionários do Incra era indescritível, pois que naquele encontro era antevisto o desenlace que ocorreria com a outorga do título de propriedade.

Foram milhares de documentos que o Incra gerou, num espaço de tempo inferior a dez anos, não esquecendo das condições de trabalho já demonstradas.

Pois bem, feita esta abordagem do passado, já não tão recente, percebemos uma nova realidade, um tanto incompreensível.

Razões estranhas determinaram que o processo de titulação de terras em Rondônia sofresse uma paralisação, que está relegando milhares de famílias a uma situação de extremo desconforto e desolação. [continua].

AMADEU GUILHERME MATZEMBACHER MACHADO

OAB/RO 4-B
Fotos: JM Topografia e Projetos, Kim Pires Leal, Arquivo Museu da Memória

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