Transposição: o que muda para os servidores públicos a partir da EC nº 98 e sua regulamentação (?)
Nosso primeiro ponto deve ser definir o que seja “transposição” e qual seus efeitos para os servidores.
Nosso problema, neste artigo de opinião, é a dúvida que assola os servidores públicos de Amapá, Rondônia e Roraima, que têm expectativas - em relação àquilo que foi popularmente denominado “Transposição” - quanto à nova emenda constitucional (EC 98) e sua respectiva regulamentação (Lei MP nº 817/2018 e Decreto nº 9.324/2018): o que muda para o servidor (e se muda para melhor ou para pior)?
O desafio é grande, primeiro porque os limites materiais deste texto não são suficientes para esgotar um tema que poderia ser abarcado por um ou muitos livros, e segundo, porque qualificar positiva ou negativamente tais mudanças é algo que vai depender do ponto de observação. Nosso primeiro ponto deve ser definir o que seja “transposição” e qual seus efeitos para os servidores. Só então, a partir do estabelecimento do ponto de referimento, podemos seguir adiante e indicar quais foram as modificações produzidas pela legislação posterior.
Aquilo que vem sendo indicado por “Transposição dos servidores do ex-Território”, trata-se de um procedimento jurídico complexo consistente em hipótese de admissão de servidores no serviço público federal em modo de exceção a uma estrutura muito cara às disposições constitucionais de provimento de cargos públicos[2]. Grosso modo, podemos qualificar o instituto como uma exceção ao disposto no inciso II do artigo 37 da Constituição quanto à imposição de concurso para o provimento de cargos públicos.
Essa hipótese foi positivada (não originariamente) na Emenda Constitucional nº 60[3], que tratou especificamente dos servidores públicos civis e do militares do ex-Território Federal de Rondônia e do Estado de Rondônia. A EC nº 60 limitou à extensão da fruição desse direito excepcional (de provimento de cargos públicos federais em hipótese distinta do concurso público) aos: a) integrantes da carreira policial militar e servidores municipais do ex-Território Federal de Rondônia que, comprovadamente, se encontravam no exercício regular de suas funções, prestando serviço àquele ex-Território na data em que foi transformado em estado; b) aos servidores e policiais militares alcançados pelo disposto no art. 36 da Lei Complementar nº 41, de 22 de dezembro de 1981; e, c) servidores civis ou militares admitidos regularmente nos quadros do estado de Rondônia até a data de posse do primeiro governador eleito, em 15 de março de 1987. A referida emenda dispôs ainda que os militares ou servidores beneficiários daquele direito continuariam prestando serviços ao estado, na condição de cedidos até seu efetivo aproveitamento na estrutura da administração federal.
A redação daquela emenda suscitou algumas dúvidas e conflitos que foram objeto de incontáveis ações judiciais: o direito ali constituído alcançaria: a) inativos e pensionistas?; b) servidores dos Poderes Legislativo, Judiciário e órgãos primários da administração (MPRO, TCERO)?; ainda, c) qual o limite temporal da admissão nos quadros do estado de Rondônia para ensejar o gozo do direito: i) 15/3/1987 ou ii) 31/12/1991?; d) a opção deve ser feita em relação ao cargo de ingresso no serviço público estadual ou, no caso dos servidores que prestaram novo concurso, àquele ocupado na data da protocolização do termo de opção; e, por fim, e) qual o plano de cargos e a remuneração seria competente para o caso dos beneficiários? Estes são, ao nosso ver, os principais pontos de desacordo, embora nem de longe esgotem todas as discussões em torno do tema. Por óbvio, existem outras questões jurídicas relevantes que ainda prescindem de respostas eficazes do Poder Judiciário, algumas até mesmo de ordem procedimental, tais como, por exemplo, qual o prazo para julgamento dos termos de opção.
Por meio da análise de decisões (sentenças) que resultaram do debate judicializado entre sindicatos e servidores , de um lado, e União, de outro, podemos dizer que: a) a extensão do direito aos inativos restou confirmada em diversas ações; b) que os servidores de todos os Poderes e órgãos primários seriam destinatários do direito; c) em relação à extensão temporal da admissão originária no estado de Rondônia, o tema restou bastante dividido, mas há sentenças reconhecendo o direito para aqueles que ingressaram nos quadros do estado até o fim de 1991, por entender que é este o sentido da expressão “alcançados pelo disposto no art. 36 da Lei Complementar nº 41”, uma vez que foi aquele dispositivo que permitiu o pagamento da folha de servidores até a referida data, a questão demanda anda solução final pelo julgamento dos respectivos recursos pendentes perante o TRF1; d) majoritariamente, também se consignou que os servidores devem optar pelo cargo que ocupam na data do pedido de transposição; e, por fim, e) o plano e a remuneração aplicáveis seriam aqueles do cargo equivalente na esfera da administração federal.
Nós nos limitaremos a analisar esses principais pontos em relação à “legislação” superveniente para indicar se existem ou não mudanças e qual sua relevância. Cada leitor ou interessado deve fazer sua própria análise quanto à qualidade das alterações: se boas ou ruins, de acordo com seu ponto de vista.
É importante consignar desde logo que as Emendas nº 79 e 98 dirigem direta e especificamente aos servidores de Amapá e Roraima e indireta e excepcionalmente aos servidores de Rondônia. Aquilo que é tratado nessas emendas é o provimento de cargos da administração federal pela admissão de servidores daqueles dois estados (que foram criados pela Constituição em 5 de outubro de 1988). Tal era o objeto daqueles estatutos de alteração constitucional. Por via expressamente excepcional, fez-se referência a casos específicos da situação dos servidores do estado de Rondônia. Com isso queremos dizer que naquilo que essas emendas alteram o texto constitucional o fazem em relação aos servidores de Amapá e Roraima, criando em relação a eles aquilo que já havia feito a EC nº 60. No corpo do texto das emendas, fez-se, sim, referência aos servidores de Rondônia para promover pontuais ajustes e adições legislativas dirigidas à complementar EC nº 60. A Emenda nº 79, por exemplo, utiliza o termo Rondônia quatro vezes em seu texto, em quatro de seus dez artigos, são eles o 2o, o 3o, o 6o e o 7o.
A Emenda Constitucional nº 79
O art. 2o da EC nº 79 dispõe sobre o reconhecimento do vínculo funcional com a União dos servidores regularmente admitidos nos quadros dos municípios integrantes dos ex-Territórios do Amapá, de Roraima e de Rondônia em efetivo exercício na data de transformação desses ex-Territórios em estados. É uma declaração precedida de uma equalização dos distintos estatutos normativos. Ou seja, o citado dispositivo põe no plano ambas as emendas e define a similaridade de seu objeto, para, depois, definir a identidade de seus efeitos por meio daquela declaração.
No art. 3o dispõe que os servidores daqueles três estados, uma vez incorporados ao quadro em extinção da União, “serão enquadrados em cargos de atribuições equivalentes ou assemelhadas”, garantidas remuneração e plano de cargos compatíveis com função assemelhada na órbita da administração federal. Esse dispositivo positiva aquilo que já era implícito na EC nº 60 e que já havia sido reconhecido em decisões judiciais, isto é, que os servidores dos estados de Amapá, Rondônia e Roraima admitidos nos quadros da União deveriam ser enquadrados em cargos e funções equivalentes àqueles que ocupavam na estrutura estadual com remuneração e plano de cargos competentes para os referidos cargos.
Por fim, o art. 6o da EC nº 78 dirige-se exclusiva e especificamente aos servidores que exerceram funções policiais nas respectivas secretarias de Segurança Pública dos ex-Territórios de Amapá, Roraima e Rondônia, dispondo “na data em que foram transformados em Estados serão enquadrados no quadro da Polícia Civil dos ex-Territórios, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, assegurados os direitos, vantagens e padrões remuneratórios a eles inerentes”. O que é muito interessante neste artigo é que traz uma definição constitucional sobre qual seria o prazo máximo para procedimentalização do enquadramento funcional. Embora o prazo não tenho sido nunca observado, o que também provocou uma outra imensa gama de ações judiciais, o parâmetro utilizado está dentro dos critérios da Lei de Procedimentos Administrativos.
E, por último, o artigo 7o trata exclusiva e especificamente dos servidores do grupo fiscal daqueles três estados assegurando “os mesmos direitos remuneratórios auferidos pelos integrantes das carreiras correspondentes do Grupo Tributação, Arrecadação e Fiscalização da União de que trata a Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970”.
Podemos concluir que, grosso modo, a EC nº 79 não implicou qualquer modificação material relativa às disposições da EC nº 60, mas, na verdade, positivou pontos que eram omissos, emprestando uma estrutura procedimental comum a ambos os dispositivos.
A Emenda Constitucional n. 98
Assim como a EC nº 79, o objeto primário da EC nº 98 é alterar o art. 31 da EC nº 19, de modo que se sobrepõe a essa última, alterando-lhe propriamente o conteúdo. Há de se notar, primeiro, do ponto de vista de técnica de redação, que promove modificações de estilo na redação do dispositivo do artigo 31 da EC nº 19. Em segundo lugar, que incorpora ao texto constitucional uma hipótese muito mais ampla de condições excepcionais para provimento de cargos públicos da administração federal por meio da admissão de pessoas que possam comprovar ter mantido vínculo funcional, ainda que precário, no período anterior à promulgação da CF/88, com os estados de Amapá e Roraima. Entanto, em relação ao Caput do art. 1o da emenda, não se pode falar em uma verdadeira inovação legislativa, uma vez que quase a totalidade dos novos critérios já se encontrava na regulamentação da EC nº 60 e também naquela relativa à EC nº 79, ou sim, a constitucionalização de critérios que antes eram dispostos em lei.
O seu parágrafo 1º, contudo, implica uma redução da extensão dos direitos anteriormente reconhecidos. Diz aquele dispositivo que o enquadramento dos militares e servidores civis “dar-se-á no cargo em que foram originariamente admitidos ou em cargo equivalente”. Ora, a interpretação que se deu ao direito conferido aos servidores de Rondônia através da EC nº 60 era de que quando no seu parágrafo 2º se dizia da continuidade dos serviços dos optantes para o estado de Rondônia foi de que para que se falasse em continuidade dos serviços seria necessária a preservação do vínculo existente no momento da opção. Essa interpretação ganhou força quando da regulamentação pela Lei nº 12.249, que expressamente prescreveu através de seu art. 89[4], que, para fins de enquadramento, seria considerado o cargo ocupado no momento da opção.
A MP nº 817, de 4 de janeiro de 2018, repete os claros termos da EC nº 98, ao prescrever, em seu art. 2o, § 2º, que o enquadramento decorrente da admissão tratada na Emenda ocorrerá no cargo em que foram originariamente admitidos ou em cargo equivalente. Interessante notar que consta uma anotação de revogação do art. 89 da Lei nº 12.249 no texto disponível no sítio eletrônico na internet do Palácio do Planalto. Os enquadramentos já realizados por decisão administrativa ou por força de decisões judiciais, ao nosso ver não podem ser afetados, porque já aperfeiçoados no tempo, por serem atos jurídicos perfeitos de acordo com a legislação vigente, ao tempo que se deram. Entanto, para aqueles servidores que tinham meras expectativas de direito, cumpre lembrar que não há direito adquirido a regime jurídico. Trata-se de uma opção política do legislador constitucional e ordinário que exclui o direito a optar pelo enquadramento, tendo como referência o cargo ocupado no momento da opção. Entanto, não se pode excluir ainda as conclusões às quais se chegará no debate judicial em casos concretos sobre situações individuais objeto de ações judiciais ainda em curso.
A EC nº 98 utiliza a palavra Rondônia duas vezes, no artigos 5o e 6o, em ambos os casos para alargar o período de abrangência dos art. 7o (grupos fiscal) e 6o (servidores das Secretaria de Segurança Pública e policiais civis) da EC 79, e onde esses dispositivos se referem à data de criação dos respectivos Estados (24/12/1981 para Rondônia e 5/10/1988, no caso de Amapá e Roraima) passou a se referir com aquela nova Emenda aos anos de 1987 e 1993. Ou seja, aos servidores do grupo fiscal de todos aqueles estados, desde que admitidos até 1987, no caso de Rondônia, ou 1993, no caso de Amapá e Roraima, restam garantidos os mesmos direitos remuneratórios “auferidos pelos integrantes das Carreiras correspondentes do Grupo Tributação, Arrecadação e Fiscalização da União de que trata a Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970”. E aos servidores admitidos pelas respectivas secretarias de Segurança Pública (ou equivalentes) dos estados de Rondônia, até 1987, e Amapá e Roraima, até 1993, que, efetivamente, exerciam funções policiais, restou assegurado o enquadramento, no prazo máximo de 180 dias, com todos “os direitos, vantagens e padrões remuneratórios” do quadro de Polícia Civil dos ex-Territórios.
É importante ressaltar que se pode concluir da leitura desses dispositivos que a EC nº 98 não revoga na totalidade a EC nº 79, mas apenas os pontos em que há nítida contradição. Em segundo, pensamos que o prazo procedimental de 180 dias para o enquadramento após a opção assegurado apenas para servidores das secretarias de Segurança Pública com funções policiais, deve ser estendido a todos os servidores dos estados de Amapá, Rondônia e Roraima: a um porque tal constituiria uma “discriminação injustificável” entre pessoas em situações idênticas; a dois porque, caso fosse inaplicável a espécie aquele prazo, na inexistência de um prazo próprio, o procedimento para efetivação daqueles direitos constitucionalmente assegurados se poderia aplicar a LPA que conduziria a um prazo máximo idêntico.
Por fim, cumpre dizer que a relação histórica de referência entre as três emendas constitucionais (EC nº 60, EC nº 79 e EC nº 98), a semelhança do direito por elas delineadas e o princípio da isonomia federativa obrigam a uma interpretação conjunta desses dispositivos de modo a não se criar distinções entre servidores em situações idênticas e muito menos criar distinções no tratamento de entes federativos em situações semelhantes.
Inativos e pensionistas
A EC nº 60 não se referiu à situação funcional dos optantes da “transposição” na data da opção, se deveriam estar na ativa ou já aposentados. Tampouco se o direito se estenderia a pensionistas. Limitou apenas a indicar que no período compreendido entre a fundação do estado (24/12/1981) e o marco final – 15/3/1987 ou 31/12/1991, conforme falaremos oportunamente –, os optantes deveriam estar na ativa. O artigo 87 da Lei nº 12.249/2010 elencou expressamente entre os beneficiários do referido direito (à “transposição”) os militares da reserva e os servidores inativos, desde que essa condição fosse posterior ao limite temporal de abrangência da regra constitucional. Contudo, o então presidente da República vetou o dispositivo. Judicialmente, no entanto, o direito foi reconhecido à relevante parcela dos servidores públicos através de sentenças na primeira instância ainda sujeitas a confirmação em grau de recurso.
A Emenda nº 79 dispôs em relação aos servidores dos estados de Amapá e Roraima, exclusivamente, que “os proventos das aposentadorias, pensões, reformas e reservas remuneradas, originadas no período de outubro de 1988 a outubro de 1993” passariam a ser mantidos pela União a partir da data de publicação daquela Emenda Constitucional. Finalmente, segundo a nossa interpretação, foi a EC nº 98 que estendeu aos estado de Rondônia o direito à “transposição” de inativos, pensionistas e militares da reserva, constitucionalizando uma situação jurídica que já havia sido judicialmente reconhecida.
Servidores dos Poderes Legislativo, Judiciário, dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos dos Estados de Amapá, Rondônia e Roraima
A discriminação que excetuou os servidores públicos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, assim como aqueles dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos dos Estados de Amapá, Rondônia e Roraima não foi criada pelas normas constitucionais ora debatidas (EC nº 60, EC nº 79 e EC nº 98), mas decorreram, sim, de mera interpretação da AGU consignadas em diversos pareceres que instruíram os procedimentos administrativos em relação aos termos de opção dos servidores e as defesas da União em ações judiciais. O argumento norteador dessa posição é de que a expressão administração pública utilizada nas emendas se referiria somente ao Poder Executivo. Alegava-se também que não seria possível enquadrar servidores de outros Poderes aos quadros em extinção da União afetados ao Poder Executivo.
Se houve dois pontos de consenso no debate judicial sobre as dimensões materiais do direito tratado naquelas Emendas, foram justamente as questões dos inativos e dos servidores de outros Poderes e órgãos da administração pública estadual que não o Executivos. Aqueles estatutos tratam de servidores dos Estados e não de categorias de servidores ou especificamente de servidores de um determinado Poder. As mudanças legislativas realizadas até esta data (4/4/2018) não enfrentaram essa questão. Contudo, é interessante notar que uma atenciosa interpretação dos artigos 16 e 17 da MP 817 poderá evidenciar um alinhamento da legislação com as numerosas decisões judiciais até agora proferidas, algo na linha de um diálogo institucional. Ora, esses dispositivos, quando falam do aproveitamento dos servidores dos estados de Amapá, Rondônia e Roraima admitidos e enquadrados pela União dizem expressamente que seus serviços serão aproveitados pelos respectivos estados, como também falam da possibilidade de manejo desses servidores para outros Poderes e órgãos da administração.
Acreditamos que, nessa linha, os óbices aventados pela União podem ser vencidos com base nessas disposições legais e na impossibilidade de a administração criar discriminações onde a lei não o fez.
Período de abrangência e limites temporais
Aquilo que se chamou período de abrangência ou limites temporais diz respeito ao período no qual se deu a admissão originária do servidor nos quadros dos estados (AP, RO, RR). Para Amapá e Roraima, a regra sempre foi muito clara, desde a promulgação da EC nº 19 em 4 de junho de 1998, mesmo as alterações promovidas no art. 31 daquele diploma não promoveram nenhuma alteração capaz de suscitar qualquer dúvida, o período de abrangência tem como marco final outubro de 1993, data de efetiva instalação daqueles estados. O espectro da EC nº 60 é muito diverso e merece atenção.
A interpretação, pela Advocacia-Geral da União à redação do art. 89 da ADCT dada pela EC nº 60, era de que apenas os servidores e militares do ex-Território e aqueles admitidos pelo estado de Rondônia desde sua criação até 15 de março de 1988 seriam beneficiários do direito de serem admitidos e enquadrados pela União. Segundo diversos pareceres e pronunciamentos em autos de processos judiciais, a redação seria clara, uma vez que este seria o limite fixado expressamente no texto constitucional. Não é bem assim, entendemos que quando o dispositivo se refere aos “servidores e os policiais militares alcançados pelo disposto no art. 36 da Lei Complementar nº 41” na verdade se reporta a todos que foram contratados e pagos até 1991. Ora, o mencionado artigo da LC nº 41/1981 diz expressamente que “as despesas, até o exercício de 1991, inclusive, com os servidores de que tratam o parágrafo único do art. 18 e os arts. 22 e 29 desta Lei, serão de responsabilidade da União”.
A AGU alega que o dispositivo se refere apenas aos servidores expressamente indicados naquele artigo, ou seja, aqueles tratados nos arts. 18, 22 e 29. No entanto, esses dispositivos referem-se apenas a servidores do ex-Território sobre os quais o art. 89, com a redação da EC nº 60, já havia tratado em oração logo anterior com a qual se abre aquele Caput: “Art. 89. Os integrantes da carreira policial militar e os servidores municipais do ex-Território Federal de Rondônia, que, comprovadamente, se encontravam no exercício regular de suas funções prestando serviço àquele ex-Território na data em que foi transformado em Estado[...]”. Ora, a tese da União é de que o dispositivo da norma constitucional prevê por duas vezes em orações sequenciadas que os servidores do ex-Território podem fazer a opção de que trata o artigo. Na verdade, muito ao contrário, o art. 36 da LC nº 41 surte efeitos sobre todas as despesas da primeira década de existência do estado de Rondônia. Tanto os servidores do ex-Território que optaram no passado pela admissão e enquadramento naquele estado como aqueles que foram contratados até 1991 foram pagos pela União. A referida folha de pagamento de servidores públicos foi suportada em sua totalidade pela União até 31 de dezembro de 1991, por força dos efeitos daquela Lei Complementar que criou.
O estado de Rondônia, em face da sua incapacidade de suportar a própria folha de pagamento, desde 1991, buscou soluções legislativas para devolução de servidores federais que, na criação do estado, optaram pelo serviço público do então recém-criado Ente federado. Por questões políticas, Rondônia perdeu a possibilidade, ainda em 1998, de se incluir na hipótese do art 31 da EC nº 19. O debate em torno do projeto de Emenda Constitucional do qual resultou a EC nº 60 falava expressamente em servidores admitidos até 1991. A própria ementa do projeto indicava esse marco temporal. Com a oposição do senador Aloízio Mercadante, buscou-se uma redação que pudesse se referir indiretamente a esse marco, e o artifício utilizado foi a referência aos efeitos do art. 36 da LC nº 41, que se referia justamente ao pagamento da folha pela União; nesse sentido todo servidor público admitido, contratado e pago pelo estado de Rondônia até 1991 foi alcançado pelos efeitos daquele instrumento legal. Aliás, foram essas as razões que fundamentou uma gama de sentenças reconhecendo o direito de admissão e enquadramento de servidores de Rondônia admitidos até aquele marco. Essas sentenças estavam pendentes de confirmação pelas instâncias recursais, mas o debate existia e as razões estavam postas.
A Emenda Constitucional nº 98, no entanto, pode ter posto uma pá de cal na discussão, pois, quando se refere aos servidores do estado de Rondônia, indica como marco temporal o ano de 1987, sem precisar dia e mês. A União sustentava que o marco seria 15 de março de 1987. No entanto, a EC nº 98 se refere apenas ao ano de 1987, o que pode importar em uma extensão desse marco temporal até 31 de dezembro de 1987. Esse deve ser um assunto que merecerá profunda análise e que deve suscitar novos debates.
A opção para os quadros federais e o cargo de ingresso no serviço público estadual
A EC n. 98 também encerra essa discussão. As Emendas anteriores (60 e 79) eram omissas quanto a esse ponto e foi apenas o art. 89 da Lei 12.249 que regulou a matéria indicando que a inclusão no quadro em extinção seria referente ao cargo ocupado no momento da opção. Contudo a nova Emenda diz expressamente que o enquadramento “dar-se-á no cargo em que foram originariamente admitidos ou em cargo equivalente”.
O problema que surge é justamente saber a extensão dos efeitos desse dispositivo, se alcança todos apenas os termos de opção protocolizados a partir da promulgação da Emenda ou se tem efeitos sobre aquelas opções anteriormente manifestadas de acordo com a legislação vigente. Poderia atingir as opções já deferidas? E os casos que foram deferidos por via de decisão judicial ainda não cumprida? O parágrafo primeiro do art. 3o da Emenda diz que restam “convalidados todos os direitos já exercidos até a data de regulamentação desta Emenda Constitucional” e assegura que nos casos em que a opção foi feita, mas o enquadramento ainda não houver sido efetivado, deve ser aplicada legislação vigente à época em que houver sido feita a opção ou, sendo mais benéficas ou favoráveis ao optante, as normas previstas nesta Emenda Constitucional e em seu regulamento.
Qual o plano de cargos e a remuneração seria competente para o caso dos beneficiários?
O plano deve ser sempre aquele compatível com o cargo ocupado no serviço público federal, de modo que não possam existir dois servidores ocupando o mesmo cargo e desempenhando a mesma função, mas percebendo remuneração segundo padrões legais distintos. Aliás, é o que diz o parágrafo 6o do art. 31 com a nova redação dada pela EC nº 98. Porém, o art. 3o, inciso IV, da MP 817 prevê uma situação mais vantajosa apenas para algumas carreiras e as demais lança no Plano de Classificação de Cargos dos ex-Territórios Federais – PCC-Ext. Em nossa opinião, há uma clara contrariedade da legislação ordinária ao texto constitucional a merecer reparo, seja legislativo, seja judicial.
Considerações finais
A reforma promovida pela EC nº 98, juntamente com seu regulamento (MP nº 817), consolidou a situação dos inativos, pensionistas e militares da reserva ou reformados, que já maciça e massivamente definida no Judiciário. Contemplou as carreiras militares, da Polícia Civil, do grupo fiscal (auditores e fiscais) e do magistério com tratamento compatível com aquele, dado à matéria em sede de ações judiciais. E abriu a possibilidade de novos pedidos de transposição ou de regularização de pedidos anteriormente feitos. Por outro lado, entretanto, reduziu o período de abrangência em relação aos servidores de Rondônia, excluiu em relação a todos os servidores a possibilidade de transposição daqueles que mudaram de cargo sem quebra de vínculos, como por exemplo, servidores que prestaram novos concursos para cargos distintos. E, por fim, lançou todos os servidores no Plano de Classificação de Cargos dos ex-Territórios Federais – PCC-Ext, à exceção de algumas poucas carreiras beneficiadas com tratamento compatível com aquilo que já havia sido decidido judicialmente.
Não acreditamos em uma solução rápida para os milhares de termos de opção que desde 2013 pendem de decisão administrativa e que desafiam inúmeras ordens judiciais, determinando a aplicação dos prazos da LPA àqueles procedimentos. Da mesma forma, ainda resta uma série de lacunas normativas a serem colmatadas e conflitos de interpretação da lei que devem suscitar novas discussões em sede judicial.
Quando fazer a opção?
Prazo de 30 dias para apresentação da opção de trata a EC n. 98 foi inaugurado com a publicação do Decreto 9.324/2018 que ocorreu em 3 de abril de 2018. Devemos lembrar que na contagem dos prazos em dias, segundo o art. 132 do Código Civil exclui-se o dia do começo e inclui-se o do fim; Além disso, se o dia do vencimento cair em feriado deverá ser prorrogado até o dia útil seguinte. Desse modo o prazo se encerrará em 3 de maio de 2018, caso não haja nenhuma modificação legislativa.
Para aqueles que já apresentaram o termo de opção no passado a nova norma constitucional garantiu a convalidação de todos os atos e direitos já exercidos até a data de entrada em vigor da MP 817, inclusive nos casos em que, feita a opção, o enquadramento ainda não houver sido efetivado. A norma constitucional assegurou ainda a aplicação todos os fins, inclusive o de enquadramento, da legislação vigente à época do protocolo do termo de opção ou, sendo mais benéficas ou favoráveis ao optante, as normas previstas na Emenda Constitucional nº 98, de 2017, ou em regulamento.
De toda sorte, cumpre lembrar que mesmo para aqueles que já fizeram a opção o prazo serve para aditamento de pedidos, juntada de novos documentos e até mesmo para reiterar anteriormente expressada. O Decreto 9.324 e a MP 817 regulamentam meios de prova da relação funcional, o cotejo dos dispositivos com o caso concreto pode, por exemplo, indicar a necessidade de juntada de documentos. O excesso de diligência jamais é prejudicial.
[1] Doutorando em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (FND) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Rondônia (Unir). Visiting Researcher na Università Del Salento (Itália). Fellow do Centro di Studi Sul Rischio (Università Del Salento – Itália). Bolsista Capes. Membro do Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas da Amazônia (Cejam). E-mail: diego@rochafilho.com . CV: http://lattes.cnpq.br/5892231067274303 ; http://orcid.org/0000-0001-7419-2242
[2] Recuso-me a utilizar o termo princípio do concurso público por questões eminentemente teóricas que não cabem neste artigo. Entanto, advirto que assim é tratado o tema por parte significativa da doutrina desde há muito tempo (Cf. O princípio do concurso público na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: alguns aspectos. Mendes, Gilmar Ferreira. Data de publicação: 10/1988. Fonte: Revista de informação legislativa, v. 25, n. 100, p. 163-174, out./dez. 1988)
[3] A Emenda no 19 de 1998 já havia criado hipótese semelhante.
[4] Art. 89. Para fins da inclusão no quadro em extinção de que trata o art. 85 desta Lei, será considerado o cargo ou emprego ocupado pelo servidor na data da entrega do documento da opção pela inclusão em quadro em extinção da administração federal e documentação comprobatória dos requisitos estabelecidos por esta Lei, assegurados os direitos e vantagens a eles inerentes, inclusive as eventuais alterações remuneratórias decorrentes de decisões judiciais.
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Comentários
gostaria de saber do Sr uma pessoa que entrou no governo de Rondônia em 23 de fevereiro 1987 ele se enquadra na lei 13681 a contagem dos noventa dias e depois de 23 de fevereiro de até 15 de março. ou de 23 de fevereiro até a data da quebra do vínculo, obrigado
Dr. Boa tarde! Parabéns pelo excelente artigo, muito esclarecedor. Contudo pela complexidade do tema tenho algumas dúvidas ainda! Quais medidas cabíveis, administrativas ou judiciais, relativas à servidores atualmente inativos, que deram entrada no prazo, porém tiveram seus requerimentos de transposição indeferidos? Contudo se enquadram na EC 98 e respectiva regulamentação. Qual dispositivo legal que garante esse direito?
Bem sensata as colocações e de grande competência. Parabéns doutor. Mas lido tudo ainda fica a dúvida, até 91 o marco temporal judicialmente tem chances de enquadramento....a MP 817 pode retroagir e tira o direito do marco temporal até 91 prevista na EC n] 60. Por favor nos esclareça. o que fazer.??? E os danos emocionais, psicológicos causadas por estas dúvidas provocadas peo governo.
Fui funcionária publica - contrato agente adm no período de 01/01 1988 a abril/1991 - tenho direito a transposição?
Dr. Diego, felicito pela explanação acerca das diversas legislações e alterações na transposição dos servidores. Minha dúvida, fui admitido em 1986 e 2009, pedi exoneração e tomei posse no mesmo dia em Concurso Público na Polícia Civil de Rondônia, e meu pedido administrativo para transpor foi indeferido. Tenho ou não direitos à Transposição?
Eu gostaria de saber como fica os devido e da educação.eu recebi minha carta da União mais foi indeferido fui comecei a trabalhar em 89 tomei posse. Em 1990 tenho direito a transpo p o quadro da União
Dr. Diego....Bom Dia!!! Tenho duvidas ainda quanto aos ganhos e/ou proventos que os servidores transposto dos governos do ex-territórios de Rondônia, Roraima e Amapá farão jus. Se os mesmos levarão na remuneração, as vantagens adquiridas/incorporadas nos respectivos estados e somarão aos oferecidos pela transposição(Governo Federal), objetos dos cargos, tais como: 1 - Quintos; 2- Quinquênios; 3- Outras vantagens de caráter pessoal e/ou individual.
Quanto aos servi8que foram deferidos e depois indeferido por causa da escolaridade que é o meu caso meu contrato é de 1985.
Dr. Diego ainda tenho dúvida quanto ao período para se fazer jus a transposição em se tratando do ex-território do Amapá. Seria para servidores/trabalhadores que prestaram serviço no período 05/10/1988 a outubro de 1993, ou quem prestou serviço no período antes de 1988 (período ainda território federal) até outubro de1993?
Dr. Diego, muito boa a dissecação analítica que você faz da colcha de retalhos que virou a "Lei da Transposição". Muito embora uma mesma legislação assegure tabelas de ganhos diferenciados para diferentes categorias, como os policiais civis e militares, além dos profissionais das carreiras tributárias, aos servidores de Rondônia restou suprimido o direito de levar na remuneração as vantagens judiciais que, eventualmente, teriam auferido ao longo dos anos. Isso e o prolongamento do prazo até 91 são ainda perdas irreparáveis que deveriam ter ser sido sanadas pelo esforço de nossa bancada legislativa. Lamentamos não ter alcançado isso.
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