Trégua com financiadores das milícias seria a capitulação do Supremo

"Estão na moita os empresários que sustentaram com muito dinheiro os robôs disseminadores de mentiras e difamações na eleição de 2018", diz Moisés Mendes

Moisés Mendes
Publicada em 02 de maio de 2022 às 14:29

(Foto: Reprodução | Dorivan Marinho/SCO/STF)

Não basta torcer para que os plantadores de notinhas sobre a possível trégua entre o Supremo e Bolsonaro estejam errados. É preciso agir para que eles não estejam certos.

Uma trégua numa hora dessas seria o sepultamento indigno de todos os avanços que o STF conseguiu no enfrentamento do fascismo. E pior ainda se o recuo envolver o superinquérito das fake news e dos atos pelo golpe.

O inquérito é a única investigação com chance de desfecho que o Supremo tem a oferecer hoje. A única que envolve diretamente os protagonistas e os coadjuvantes das afrontas ao próprio Supremo.

Considerar a hipótese de encerrar o inquérito, em nome da paz com Bolsonaro, com militares, empresários e com milicianos, é entregar à extrema direita o que ela mais deseja.

Bolsonaro não quer apenas o encerramento de um caso que poderá ter no Supremo um final que não teve no TSE. Quer a capitulação do STF e de Alexandre de Moraes, às vésperas da eleição.

Não interessa ouvir dizer que Allan dos Santos, Carluxo, Flavio, Eduardo e Daniel Silveira estão envolvidos com o gabinete do ódio. É cansativo ouvir falar deles.

O que importa hoje é saber, não por informações da imprensa, mas pelo resultado das investigações, que eles são patrocinados por gente poderosa por ter dinheiro e por ter proteção.

É o que mais interessa hoje. Não importa tanto saber quem são os operadores das fábricas de fake news e de atos contra a democracia, porque já se sabe quase tudo. Interessa que o STF diga quem sustenta essa gente desde 2018.

Moraes avisou, na semana passada, que o inquérito continua, porque a Polícia Federal estaria chegando aos patrocinadores do que a própria PF já definiu como milícias digitais. Foi a melhor notícia em meio às ameaças de trégua.

Os operadores são conhecidos e sabe-se até, por conclusão da PF, que o gabinete funciona dentro do Palácio do Planalto. Mas ainda estão encobertos os financiadores das engrenagens.

Estão na moita os empresários que sustentaram com muito dinheiro os robôs disseminadores de mentiras e difamações na eleição de 2018 e que ainda podem estar sustentando as facções já identificadas.

No começo de abril, Moraes anunciou, na condição de relator, que o inquérito seria prorrogado por mais 90 dias, ou seja, até o início de julho. Em agosto, o ministro assume a presidência do TSE.

Só os muito otimistas podem acreditar que Moraes conseguirá conciliar, politicamente, o avanço e a possível conclusão do inquérito com o planejamento da eleição.

Mas, se não concluir, que pelo menos não entregue o que tem até agora a Bolsonaro e aos cúmplices do que ele chamou de “associação criminosa dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática".

Lembremos que, logo no começo das investigações, quando fake news e atos antidemocráticos ainda eram temas de inquéritos separados, depois unificados, a Polícia Federal produziu seu ato mais espetaculoso.

Em maio de 2020, a PF cumpriu 29 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Mato Grosso, no Paraná e em Santa Catarina.

Além de operadores, os possíveis financiadores eram alvos da ação, entre os quais Luciano Hang, Edgard Corona e Otavio Fakhoury. E nada mais se soube do que eles teriam feito na primavera de quatro anos atrás.

Se o Brasil não ouvir falar mais nada deles, que o Supremo entregue as armas e se renda a Bolsonaro.

Mas se, como disse Moraes, as investigações estão chegando aos financiadores, que não sejamos informados daqui a pouco que, por algum imprevisto previsível, o STF não chegou a mais ninguém.

O superinquérito das fakes news e dos atos com ataques ao Supremo e à democracia pode ajudar a salvar ou pode ajudar a enterrar o Supremo e a democracia.

Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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