Tribunais podem aplicar técnica do julgamento antecipado do mérito no recurso de apelação
"O julgamento antecipado parcial do mérito somente será possível se a parcela da pretensão a ser enfrentada de imediato não puder ser alterada pelo julgamento posterior das demais questões e se presente uma das hipóteses consagradas no artigo 356 do CPC/2015"
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento de recurso de apelação, os tribunais podem se valer da norma introduzida pelo artigo 356 do Código de Processo Civil (CPC/2015) para aplicar a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito.
A relatora do caso analisado, ministra Nancy Andrighi, explicou que a legislação traz previsão expressa das situações em que o juiz deverá usar tal técnica. Segundo ela, é possível o julgamento antecipado parcial do mérito caso haja cumulação de pedidos e estes sejam autônomos e independentes – ou, tendo sido feito um único pedido, que ele seja divisível.
"O julgamento antecipado parcial do mérito somente será possível se a parcela da pretensão a ser enfrentada de imediato não puder ser alterada pelo julgamento posterior das demais questões e se presente uma das hipóteses consagradas no artigo 356 do CPC/2015", acrescentou.
Condenação por danos materiais, morais e estéticos
A controvérsia julgada pelo colegiado teve origem em ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos ajuizada por um motociclista em desfavor de empresa de ônibus e do seu motorista, após acidente de trânsito em que o ônibus bateu na motocicleta, causando danos ao autor da ação.
No primeiro grau, foram julgados procedentes os pedidos para condenar a empresa de ônibus ao pagamento de danos materiais e de indenização por danos morais e estéticos, arbitrada em R$ 50 mil.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) manteve a condenação por danos patrimoniais e extrapatrimoniais. No entanto, ao passar à análise do pedido de fixação de pensão por redução da capacidade laborativa, o órgão julgador considerou insuficientes as provas produzidas e entendeu ser necessária a produção de prova pericial. Em razão disso, com fundamento no artigo 356 do CPC/2015, o TJPR anulou a sentença nesse tópico, determinando o retorno dos autos à origem para a complementação da prova.
No recurso especial apresentado ao STJ, tanto a empresa de ônibus como a seguradora sustentaram que somente o juiz de primeiro grau estaria autorizado a dividir o julgamento do mérito da causa.
Abandono da unicidade da sentença
A ministra Nancy Andrighi destacou que, com a novidade introduzida pelo novo CPC sobre as situações em que o juiz deverá proceder ao julgamento antecipado parcial do mérito, houve o abandono do dogma da unicidade da sentença.
"Na prática, significa dizer que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo. Não há dúvidas de que a decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito da demanda é proferida com base em cognição exauriente e, ao transitar em julgado, produz coisa julgada material (artigo 356, parágrafo 3º, do CPC/2015)", afirmou.
Para a ministra, além da independência dos pedidos ou da possibilidade de fracionamento da pretensão, é imprescindível que se esteja diante de uma das situações descritas no artigo 356 do CPC/2015: um ou mais pedidos, ou parcela deles, é incontroverso; ou está em condições de imediato julgamento, em razão da desnecessidade de produção de outras provas, ou devido à revelia, desde que acompanhada dos efeitos previstos no artigo 344 do CPC/2015.
"Presentes tais requisitos, não há óbice para que os tribunais apliquem a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito. Tal possibilidade encontra alicerce na teoria da causa madura, no fato de que a anulação dos atos processuais é a ultima ratio, no confinamento da nulidade (artigo 281 do CPC/2015, segunda parte) e em princípios que orientam o processo civil, nomeadamente, da razoável duração do processo, da eficiência e da economia processual", esclareceu.
Complementação da instrução processual
A relatora ressaltou, ainda, que os artigos 932, inciso I e 938, parágrafo 3º, do CPC/2015, autorizam a determinação de complementação da prova pelos tribunais. Citando vários precedentes, a magistrada acrescentou que a jurisprudência do STJ é uníssona quanto à faculdade do juiz de determinar a complementação da instrução processual, tanto em primeiro como em segundo grau de jurisdição.
Ao negar provimento aos dois recursos especiais, Nancy Andrighi afirmou que os pressupostos para a utilização da técnica do julgamento antecipado parcial do mérito foram todos contemplados no caso julgado.
"A conduta adotada pelo TJPR está em harmonia com o ordenamento jurídico e com os princípios que orientam o processo civil, especialmente, repita-se, da razoável duração do processo, da economia processual e da eficiência", concluiu.
Leia o acórdão do REsp 1.845.542.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1845542
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