Uma odisseia no “açougue”

Muitos dizem que ele é invisível: apesar de muitas pessoas passarem diariamente à sua frente, ninguém o vê

Professor Nazareno*
Publicada em 08 de novembro de 2021 às 09:34
Uma odisseia no “açougue”

Dos poucos e raros prazeres que se tem na vida, um deles é passar dois ou três dias internado num certo “açougue”. Fala-se que seu nome quase santo não combina com tanta desfaçatez. Mas o imundo, sujo e infecto logradouro público é uma espécie de campo de concentração. Um Auschwitz em pleno século XXI. Só que em vez de exterminar judeus ou outras minorias “indesejáveis” pelo sistema, sua especialidade maior é matar cidadãos pobres e sem muita leitura de mundo. Um dos maiores símbolos de um falido Estado, sua convivência em plena capital dá a real impressão do que é viver sob a agonia da incompetência e insensatez humanas. Pauta para eleger canalhas travestidos de heróis em anos de eleição, sua angústia e tormento são transformados sempre em votos quando recebe uma telha, uma pintura ou outro reparozinho qualquer.

A cada dois anos, o Hitler da vez promete “mundos e fundos” para acabar com a podridão de seus corredores, apartamentos, salas de cirurgias, consultórios, cozinha e recepção. Mas nada parece funcionar por ali. Não há chuva que não consiga inundar suas dependências já devidamente inundadas de seboseira, ratos e tapurus. Durante a pandemia da Covid-19, para manter a sua fama de “inferno na terra”, foi o primeiro foco de Coronavírus. A cidade onde se localiza, que é um espelho de suas assustadoras e tristes mazelas, ganha todo ano verdadeiros palácios suntuosos para a Justiça, para o Ministério Público, para a administração estadual, para fóruns, Assembleia e outras ricas dependências de vidros e luxo, muito luxo mesmo, que geralmente serão usadas só pelos ricos e endinheirados. Enquanto for a casa de pobres e miseráveis será esquecido.

Raramente quando apenas por interesse eleitoreiro lhe prometem substituição, um oceano de autoridades e representantes de quase todos os poderes constituídos criam obstáculos intransponíveis para que ele continue ali exercendo a sua macabra sina de reflexo da podridão humana. Mas a cruel decadência desse “açougue”, embora seja a decadência de seus próprios administradores, só demonstra a pouca ou nenhuma empatia dos governantes com os seus governados.  Recentemente, por três dias estive lá para tratar de uma infecção de bicho-de-pé. Fui atendido por um cardiologista muito educado, mas que nada entendia de coração. Com a perna toda inchada e dolorida, fui “tratado” por um pneumologista especialista em doenças renais. Durante o tempo que fiquei internado, ele me viu só uma vez e disse que me receitaria algo para a Covid-19.

O característico mau cheiro de carne humana apodrecida é comum naquelas redondezas. E aquele imundo “açougue” pode até não ter fornos crematórios, mas toda fumaça que lhe escapa de sua quebrada e torta chaminé sempre nos remete a Dachau, Treblinka ou Sobibor. E quase todo mundo, nascido ali ou não, diz que não sabe o porquê de tudo isso. Sem receber alta de nenhum “açougueiro” de plantão, tive que fugir dali feito um louco. O meu bicho-de-pé já estava se sentido à vontade para procriar naquele ambiente podre, repugnante e sórdido. Porém o que mais chama a atenção em todas estas bizarrices é o comodismo de quem procura aquele lugar malcheiroso para curar suas doenças. Muitos dizem que ele é invisível: apesar de muitas pessoas passarem diariamente à sua frente, ninguém o vê. É como os moradores de rua da cidade sem água e esgotos. Mas o “açougue” para uma coisa sempre serve: eleger ricos.

 *Foi Professor em Porto Velho.

Winz

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Comentários

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    Carlson Lima 09/11/2021

    Cadê o moderno e bilionário Hospital EURO? https://fb.watch/9aJQoWuH5N/

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    Christian 09/11/2021

    O hospital só melhoraria se os políticos só pudessem ser atendidos em hospitais públicos. Aí ia ver a maravilha. O político adoece e já vai para o Sírio, Albert Einstein... tudo com dinheiro público. Ano que vem eles prometerão mudanças no açougue citado na matéria.

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    Chico Bento 09/11/2021

    Como sempre assertivo e direto ao ponto. Sou residente em Rondônia por 45 anos e todas as vezes que temos eleições os candidatos sempre ao abordar a questão da saúde citam este "hospital", e após eleito, nada ou pouco fazem. Talvez porque nunca o adentrarão como pacientes. Enquanto isto o povão vai adoecendo e perecendo neste "açougue" de gente. Triste realidade.

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    edgard feitosa 08/11/2021

    Será que o nome do "açougue", tem algo a ver com sua pia batismal: JOÃO PAULO II??? lembremos que João Paulo II, junto com Ronald Reagan e Margareth Thatcher foram os "baluartes do neoliberalismo", em que tudo e todas as coisas foram sacrificadas no altar do MERCADO, e os direitos trabalhistas passaram a ser extintos; por outro lado foi João Paulo II quem "encarregou" o cardeal Ratzinger (depois Bento XVI, Superior da Congregação para a Doutrina da FÉ, antiga SANTO OFICIO INQUISIÇÃO), de "investigar" casos de pedofilia na Igreja, na maior parte varridos para baixo das batinas; João Paulo II tinha como um dos principais assessores o Cardeal Paul Marcinkus, o "banqueiro de deus", envolvido no maior escândalo financeiro do Vaticano, o Banco Ambrosiano;

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