Usuários de Ayahuasca auxiliam na conservação da Floresta
Estudo mapeia 20 municípios do Estado de Rondônia.
Pesquisa de doutorado realizada na Unesp mostra, de forma inédita, como os usuários do chá Ayahuasca, bebida considerada sagrada, contribuem para a conservação da Floresta Amazônica.
Associada ao culto do Santo Daime, a bebida que, para muitos, proporciona, um efeito enteógeno, ou seja uma "manifestação interior do divino", é feita da união de partes de duas plantas da região: o cipó da Banisteriopsis caapi, conhecida como jagube ou mariri, e a folha da Psychotria viridis, chamada de rainha ou chacrona. Além do Santo Daime, existem mais duas vertentes religiosas que fazem uso da Ayahuasca no Brasil: a Barquinha e a União do Vegetal (UDV).
Em seu trabalho, Julien Marius Reis Thevenin mostra como os praticantes dessas religiões, para assegurar o consumo sustentável da bebida, cultivam as plantas usadas para a sua produção e, promovem a existência de um ambiente florestal propício para o desenvolvimento dessas espécies.
Para o pesquisador, a medida em que o indivíduo, de forma espontânea, reconhece o sagrado na natureza, ele amplia paralelamente e gradualmente a sua consciência ambiental e o seu comportamento com atitudes de respeito e zelo. “Este reconhecimento aparece em vários níveis, mas é potencializado pelo uso da Ayahuasca que proporciona a ampliação de sua percepção”, reforça.
A pesquisa, defendida no Departamento de Geografia da Unesp de Presidente Prudente, mostrou que a conservação de áreas florestadas tem se dado de maneira espontânea, não somente por força da lei, mas associados a aspectos espirituais da natureza com métodos de plantio feitos dentro de princípios agroecológicos em sistemas agroflorestais, que buscam atender as necessidades ambientais das próprias espécies, como o sombreamento para a folha Psychotria viridis e o suporte para o cipó Banisteriopsis caapi.
Pesquisa de campo
A tese contou com uma extensa pesquisa de campo, em 20 municípios do Estado de Rondônia, com realização de questionários, entrevistas, levantamentos florísticos e estudos de mapeamento com geoprocessamento (fitogeografia e fitossociologia).
De acordo com Thevenin, a pesquisa confirmou o cumprimento das normas ambientais vigentes nestes territórios, ao contrário do que tem predominado no resto do País. “Nas áreas de plantio, o levantamento florístico e de parâmetros fitossociológicos também mostraram resultados satisfatórios quanto à conservação da diversidade de espécies arbóreas”, diz.
Edson Luís Piroli, orientador da tese, professor do Departamento de Geografia da Unesp de Ourinhos, acredita que os resultados da pesquisa indicam que religiões que se valem da Ayahuasca têm consolidados crenças e valores não econômicos de uso dos recursos naturais. "Essa concepção aproxima essas pessoas da natureza e as leva a preservá-la", diz.
Mapeamento
Ao realizar um mapeamento da expansão territorial ayahuasqueira, Thevenin analisou o crescimento e a manutenção das áreas florestadas para o plantio das duas espécies por consumidores da bebida no Estado de Rondônia, terceiro Estado com as maiores taxas de desmatamento na Amazônia e que, junto com o Estado do Acre, possui o maior número de seguidores dos rituais religiosos ligados ao uso da Ayahuasca.
O pesquisador visitou cinco centros para o registro dos dados, distribuídos em 31 unidades administrativas e 53 propriedades urbanas e rurais, como o Centro Eclético de Correntes da Luz Universal, o Centro Espiritualista Jardim do Redentor, a Casa de Iluminação Rainha da Floresta, o Centro de Irradiação Espiritual Casa de Jesus, o Lar de Frei Manoel e 27 sedes locais do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (Cebudv).
Os dados apresentados indicam a presença de mais de cinco mil árvores nativas plantadas nas propriedades analisadas. Além disso, em 63% delas, foi identificada a presença de pelo menos uma espécie arbórea ameaçada de extinção listada pelo Ministério do Meio Ambiente, como a Castanheira (Bertholletia excelsa), a Imburana-de-Cheiro (Amburana acreana) e o Mogno (Swietenia macrophylla).
Observou-se ainda que, nas 24 propriedades rurais que fizeram parte do mapeamento, 96,6% das áreas estão cobertas por vegetação nativa em estágio inicial (gramíneas dispersas entre vegetação arbórea em crescimento), intermediário (árvores entre 8 e 12 m de altura) ou, em 81,4% delas, em estágio avançado (árvores normalmente excedendo a 20 m de altura) de sucessão, mesmo com a existência de um grande número de pastagens no entorno das propriedades.
Para o geógrafo, os resultados obtidos mostram o poder das representações e do sagrado no estabelecimento de normas informais e práticas que favorecem a conservação florestal. O contato com o chá Ayahuasca e com os sistemas doutrinários associados – que trazem em si a pluralidade de crenças presentes na cultura brasileira, sejam elas, cristãs, afro-brasileiras e indígenas - amplia essa percepção da natureza e contribui gradualmente para o desenvolvimento de valores humanos e comportamentos ecológicos.
“O que pôde ser comprovado em suas práticas de conservação florestal e na relação que esses grupos estabelecem com a natureza, em especial, com as espécies ritualísticas, de valor imaterial”, conclui.
A tese teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Contato do pesquisador
[email protected]
Maristela Garmes
Unesp – Universidade Estadual Paulista
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