Vigilante que recolhia restos mortais de acidentados em linhas da CPTM será indenizado

A prática foi considerada abusiva.

TST
Publicada em 19 de novembro de 2018 às 12:01
Vigilante que recolhia restos mortais de acidentados em linhas da CPTM será indenizado

Acidentes, atropelamentos e suicídios

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Power Segurança e Vigilância Ltda. a pagar R$ 30 mil de reparação por danos morais a um vigilante patrimonial que, durante quatro anos, foi obrigado a remover restos de corpos de pessoas acidentadas em linhas férreas. Para o relator do recurso, ministro Vieira de Mello Filho, a prática abusiva da empresa violou a dignidade da pessoa do empregado, justificando a indenização.

Na reclamação trabalhista, o vigilante relatou que prestava serviços em posto da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) em São Paulo (SP) e fazia parte do Grupo de Apoio Móvel (GAM), que prestava socorro e acompanhamento a vítimas de mal súbito. Além dessas atividades, porém, os vigilantes também eram chamados para atender casos de acidentes, atropelamentos e suicídios de usuários, que, segundo ele, eram comuns.

Segundo seu relato, nessas situações, por não haver empregados da CPTM preparados para isso, os vigilantes eram obrigados a fazer a imediata remoção dos corpos para desobstruir trilhos e passagens e a permanecer no local até a chegada do Instituto Médico Legal ou do Corpo de Bombeiros, auxiliando no transporte.

Equilíbrio emocional

Ele alegou que a empresa, ao desviá-lo de função, o submeteu a atividade para a qual não havia sido treinado, com risco à sua saúde física e mental. Ressaltou que não recebia orientação psicológica para lidar com os traumas vivenciados todos os dias e lembrou que, em alguns casos, as vítimas não morriam imediatamente, e ele tinha de presenciar a dor e a agonia dessas pessoas.

Ocorrências lamentáveis

O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido de reparação e fixou a indenização em R$ 200 mil. Em recurso ordinário ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), a empresa sustentou que o procedimento de remoção de cadáveres não competia ao vigilante e que sua função era relatar o ocorrido e esperar as autoridades competentes. Para a Power, aborrecimentos e inconvenientes no local de trabalho são “ocorrências lamentáveis, mas previsíveis”, e, para haver o dever de indenizar, seria necessário a demonstração de ofensa à personalidade.

“Tétrico”

O TRT excluiu a condenação, entendendo que não foi demonstrado o dano moral indenizável. “Embora tétrico e estranho às funções de vigilante, o fato narrado não representa lesividade ao patrimônio moral do trabalhador”, registrou. Ainda de acordo com o Tribunal Regional, lidar com pessoas mortas faz parte das atribuições de várias profissões, como médicos, enfermeiros e empregados de funerárias.

Carne humana

Ao recorrer ao TST, o vigilante insistiu no argumento de desvio de função e do dano psicológico. “Manusear pedaços de carne humana, destroços, sem qualquer treinamento específico, desvirtuando a função para a qual fui contratado, configura evidente dano moral”, enfatizou.

Trabalho penoso

Segundo o relator do recurso de revista, ministro Vieira de Mello Filho, embora a exigência de limpeza e desobstrução da linha férrea seja lícita, o empregador foge ao seu poder diretivo quando exige que o vigilante, sem receber orientação ou amparo físico, legal e emocional, recolha restos de corpos humanos acidentados. “Ao firmar o contrato de trabalho, o empregado não se despoja dos direitos inerentes à sua condição de ser humano”, afirmou. Na sua avaliação, a situação do vigilante ia “além da simples vivência da morte de outra pessoa, porque ele tinha contato visual, físico e emocional com o morto, dada a possibilidade de presenciar a dor final do acidentado”.

Implicação penal

O relator apontou também a implicação penal das atividades exigidas do vigilante, lembrando que as mortes podem se tratar de suicídio, acidente ou homicídio. Para o ministro, o empregado submetido a essas circunstâncias pode ser acusado de ter modificado a cena de um crime, o que lhe causaria outros transtornos além dos psíquicos. “O abuso do empregador, sob essa ótica, adquire contornos mais nítidos”, assinalou.

Negligência

Para chegar ao valor da indenização, o ministro Vieira de Mello considerou a significativa negligência da empresa e a não ocorrência de maiores implicações práticas ao empregado, além do tempo de vínculo empregatício e a consequente duração da ofensa. Por esses parâmetros, a Turma, por unanimidade, fixou a reparação em R$ 30 mil. 

Processo: ARR-159700-05.2008.5.02.0049 

Winz

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