Vulgaridades e golpismos à parte, Bolsonaro safou-se e Moro estrepou-se
O inquérito e o isolamento levou Bolsonaro para o balcão. Não havendo denúncia do STF, o preço do apoio se estabiliza. Se vier um pedido de impeachment, o preço sobe. Bom para eles também
Em algum momento eu disse que Sergio Moro havia vendido pastel de vento com suas acusações a Jair Bolsonaro. Mas veio a novela do vídeo, e nele podia haver alguma almôndega. Para o desfecho do inquérito que investiga a denúncia de Moro e em tese poderia levar a uma denúncia por crime comum contra Bolsonaro, não havia. Os trechos realmente importantes sobre interferência na PF já haviam sido divulgados pela AGU. Agora, no conjunto, o vídeo é um retrato aterrador do governo, desnudando a vulgaridade de alguns, a boçalidade e o sabugismo de outros, o gosto pelo insulto e a tentação golpista de Bolsonaro em sua forma pura, porque externado na intimidade, quando ele revela que pretende armar o povo em nome da liberdade, mas sugerindo resistência ao isolamento social e a determinação dos governadores e prefeitos.
Sobre interferência na PF, o trecho mais importante já fora divulgado pela AGU, e uma frase dele eu mesma publicara em primeira mão aqui. É aquele em que Bolsonaro diz: “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.” Ele ameaça interferir em todos os ministérios, exceto na Economia, e diz que os serviços de informação “são uma vergonha”. Mas ele diz que “o meu particular funciona”. Que serviço de informação privado é este? Isso vai gerar questionamentos.
No conjunto, a fala confirma que Bolsonaro queria interferir na PF, como de fato interferiu ao trocar o diretor-geral, que era Maurício Valeiro, por Alexandre Ramagem, que antes mesmo de nomeado já convidara o superintendente no Rio, Carlos Henrique, para assumir outro cargo em Brasília. Com a posse de Ramagem barrada pelo STF, seu substituto, Rolando Alexandre, concluiu a troca na seção fluminense. Mas a fala não prova que Bolsonaro tinha um interesse específico na PF do Rio, como arquivar determinado inquérito, embaraçar uma investigação ou coisa parecida. Claro que ele tinha e tem interesse em proteger Flavio Bolsonaro e evitar qualquer investida da PF contra filhos e amigos, como disse. Mas o vídeo não traz prova de que fez isso, com força jurídica, e assim o procurador-geral da República não deve apresentar denúncia e pedir o arquivamento do inquérito. É pule de dez.
Logo, a retirada do sigilo do vídeo, embora devastadora para a imagem do governo, foi boa para Bolsonaro quanto ao inquérito, e deixou Sergio Moro na chuva. Sujeito, inclusive, a responder por denunciação caluniosa. Os novos aliados que Bolsonaro está comprando no Centrão, com a entrega de cargos com orçamentos bilionários à escória do fisiologismo e mesmo da corrupção, respiraram aliviados. Vão continuar negociando e vão se dar bem. O inquérito e o isolamento levou Bolsonaro para o balcão. Não havendo denúncia do STF, o preço do apoio se estabiliza. Se vier um pedido de impeachment, o preço sobe. Bom para eles também.
Mas, de resto, o vídeo é um espetáculo de cafastagem e do desinteresse do governo pelo que realmente castiga a população neste momento, a pandemia que já levou mais de 20 mil pessoas. Exceto pela fala do ex-ministro Teich, que era um peixe fora d’água (assim como Moro, que mal aparece no elenco), não se viu ninguém puxar o foco para a pandemia, que em 22 de abril já estava com a curva ascendente no país.
A rigor, nesta reunião os ministros quiseram mostrar serviço ou falar de suas ações setoriais, ao passo que Bolsonaro pediu que eles não se limitassem a fazer seus deveres de casa, mas que partissem para a luta política, defendendo o governo e suas bandeiras e partindo para cima dos adversários que são insultados com gosto. Witzel é chamado de estrume, Dória de bosta, assim como o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio. Quem não se alinhar inteiramente, foi o recado, que procure outro rumo.
Um dos trechos mais preocupantes é aquele em que Bolsonaro declara que seu objetivo é mesmo armar a população, alegando que isso seria para evitar um golpe. Mas de quem? Quem pode dar golpe é ele, e nesta sexta-feira mesmo tivemos o general Heleno ameaçando com uma reação “de consequências imprevisíveis” caso os celulares de Bolsonaro e seu filho Carlos fossem requisitados para perícia. O que o ministro Celso de Mello fez foi seguir o rito jurídico de encaminhar ao Procurador-Geral da República queixas-crimes que pediam esta providência.
Bolsonaro diz a certa altura, que vai escancarar ali a questão do armamento da população: “Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado. E que cada um faça, exerça o teu papel. Se exponha.”
E ainda, falando dos adversários:
“O que esses filha de uma égua quer, ô Weintraub, é a nossa liberdade. Olha, eu tô, como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua. E se eu fosse ditador, né? Eu queria desarmar a população, como todos fizeram no passado quando queriam, antes de impor a sua respectiva ditadura. Aí, que é a demonstração nossa, eu peço ao Fernando (Fernando Azevedo, ministro da Defesa) e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje e que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não da pra segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais.”
Existe uma enorme gravidade nisso. Ele sugere que o povo armado não aceitaria calado as imposições de distanciamento social. “O povo tá dentro de casa”. Quis dizer que, se estivesse armado, poderia sublevar-se contra as autoridades. Isso é incitação contra a ordem constituída. Isso não tem nada a ver com o inquérito sobre denúncias de Moro, mas pode gerar reações. Armando o povo, contando com as polícias e as milícias...sem falar nas Forças Armadas, onde ele pode chegar? Nosotros é que devemos temer a ditadura.
Há muito o que pescar ainda no conjunto do vídeo mas o ministro da Educação, Abraham Weintraub, não pode passar sem o destaque de sua fala de “militante”, como se definiu: “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF.” Pode ter que responder por isso.
As falas sobre outros países foram cortadas mas a tesoura não alcançou uma passagem do chanceler Ernesto Araújo, que pode gerar reação da China:
“O que que aconteceu nesses trinta anos? Foi uma globalização cega para o tema dos valores, para o tema da democracia, da liberdade. Foi uma globalização que, a gente tá vendo agora, criou é ... um modelo onde no centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos etc., né? “
Liturgia, decoro e dignidade do cargo passaram longe dos ministros e de Bolsonaro.
Líderes iniciam discussão sobre prorrogação do auxílio emergencial
Projeto com medidas emergenciais para os setor cultural também pode entrar na pauta
Projetos anulam orientação para uso da cloroquina mesmo em casos leves da Covid-19
Liberação do medicamento contraria Lei Orgânica da Saúde e ignora orientação do CFM
Maia critica nota do general Heleno e diz que 'ameaça não é o caminho'
"Não pode ter ameaça ou agressão, porque isso fragiliza a relação com as instituições”, afirmou o presidente da Câmara
Comentários
Eu prefiro verdades grosseiras do que MENTIRAS fofas ...Cansamos desse tal de politicamente correto!
Moro não passa de um canalha e X9 que pensou ser maior que o Presidente Bolsonaro na popularidade. Ninguém dá valor à traidor ! Nem bandidos perdoam traidores. Moro entrou glamourosamente para o governo e saiu pela porta dos fundos desmoralizado, como um rato de esgoto. Perdeu grande oportunidade de suceder o Presidente em 2022 ou se candidatar a Senador pelo Paraná. Simplesmente com sua traição se transformou em cinzas que o vento levará para o esquecimento nacional. Lamentável sua postura!
Envie Comentários utilizando sua conta do Facebook