A banalização da violência nas escolas

Não há ilusões. A burguesia não elaborará uma educação emancipadora

Rosana Alves
Publicada em 30 de março de 2023 às 09:04

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(Foto: Fernando Frazão/Ag. Brasil)

Todos fomos tomados pelo horror ocorrido na segunda-feira (27) na E.E. Thomazia Montoro, no bairro da Vila Sônia, zona oeste de São Paulo. Um estudante do 8º ano atacou três pessoas, ferindo e matando uma professora.

Nesses momentos de revolta e consternação, surgem as mais diversas opiniões e todos encontram motivos e soluções. Lamentamos profundamente o ocorrido e não podemos nos conformar com a situação, mas é preciso diligência ao tratar do assunto.

Só a educação salva? Somente a educação transforma? A resposta a essas perguntas é não. Aqui estamos falando da educação formal, aquela que ocorre na escola. Sabemos que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. No entanto, geralmente, quando falamos de educação, estamos nos referindo ao processo formal/institucional de educação, que ocorre numa instituição criada pela burguesia.

No campo da educação, é comum o questionamento sobre qual é a função social da escola. Segundo Gramsci, a escola deve instruir, pois a instrução forma os indivíduos, conforme uma determinada concepção de ser humano e sociedade. Dessa forma, podemos entender que a escola, melhor, o currículo dela, ensina e instrui de acordo com uma determinada visão de mundo - a da classe hegemônica que está no poder.

Não há ilusões. A burguesia não elaborará uma educação emancipadora. O caso trágico ocorrido nos demonstra que estamos vivendo sobre uma sociedade doente, na qual a concepção de mundo que impera é a concepção do individualismo, da negação da ciência e da solidariedade humana na verdade da completa transmutação do ser humano numa inversão de valores. Ademais, o fetichismo pela individualidade, que impera no senso de coletividade, vem paulatinamente sendo destruído. Me perdoem, mas esse não é um problema da escola. Sejamos cautelosos, pois a grande mídia tenta transformar a tragédia num problema da instituição de ensino, que não observou o comportamento “atípico” do estudante, que não tratou a tempo e não tomou providências. Essas são atitudes típicas da nossa sociedade capitalista e hipócrita, que transforma um problema de política pública em política de caça às bruxas, de culpados no sentido cristão da palavra, procurando responsabilizar as vítimas do sistema cruel e desumano que vivemos.

É evidente que o adolescente e os seus responsáveis devem ser responsabilizados e arcar com as consequências do ato, mas restringir a questão a uma ação isolada de violência dentro da instituição escola é tapar o sol com a peneira.

As soluções mais imediatas nem sempre são as mais apropriadas e esquecemos que vivemos uma crise de valores, de concepções de mundo e procuramos soluções imediatas para problemas sistêmicos.

Em outras palavras, o problema vai além da questão pedagógica e dentro de uma sociedade capitalista não é possível uma educação emancipadora, mas é necessário criar condições para isso, com práticas emancipadoras. Precisamos organizar a resistência, entender a escola como instrumento de luta, trabalhar na perspectiva contra hegemônica e reafirmar o nosso compromisso de classe. Os psicólogos dentro das escolas, bem como os profissionais de saúde serão sempre bem-vindos, mas isso não é a dissolução do problema. Tentam a todo custo transformar a instituição da escola como a grande detentora do poder de transformar o mundo, sendo mais fácil, assim, acabar com essa instituição tão necessária. Ou invertemos a ordem dessa sociedade enferma ou uma hora ou outra nos depararemos com questões lamentáveis como essa.

Por fim, nos solidarizamos com todas as vítimas do sucedido, clamamos por justiça. No entanto, entendemos que essa justiça não passa somente em punir os culpados, mas por um debate enleado com ações que envolvam toda a sociedade, para que se entenda que a violência tem os seus meandros dentro de várias perspectivas e que precisam ser revistas em todas as suas instâncias.

A escola deve ser um espaço de interação de construção do desenvolvimento humano, comprometida com a formação do homem emancipado, em que a violência seja veementemente contestada.

O que assistimos ontem foi a vitória das forças obscurantistas que capturaram a nossa sociedade. Precisamos educar contra o fascismo e entender que a nossa luta é compreender as raízes que estão adoecendo a nossa sociedade.

Entende-se, assim, que a emancipação não é uma condição individual, mas coletiva da humanidade e enquanto houver exploração de uma classe sobre a outra, não há emancipação.

Rosana Alves

Coordenadora da rede Municipal de ensino de São Paulo. Mestranda em Educação no programa de Filosofia e Política na FE da Unicamp. Membro do comitê do PCdoB municipal São Paulo

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