Bolsonaro pode atear fogo e ser empurrado para a fogueira
Jornalista Moisés Mendes diz que um eventual golpe é a saída de alto risco. "Bolsonaro não tem eleitores para se manter no poder"
(Foto: ABr)
Muita coisa não fecha no roteiro do golpe tramado por Bolsonaro e que estaria agora em ritmo mais acelerado com a amplificação das ameaças ao Supremo e ao TSE.
Há incoerências, mesmo que um golpe seja um bicho disforme muitas vezes sem pé nem cabeça. O plano parece frágil, até porque teria muito coturno e pouco sapato em cromo alemão.
Bolsonaro não conseguiu criar para a família um partido que qualquer um cria ou aluga. É rejeitado por mais de 60% dos eleitores que não votariam nele de jeito nenhum.
Não tem o respeito das elites civis que o tratam como uma gambiarra precária anti-Lula. Fraturou uma vez os comandos das três armas e pôs a correr seus chefes e o ministro da Defesa.
Demitiu do governo, quase sempre por ordem dos filhos, uma dúzia de generais. Tem apenas o apoio venal do centrão. Não tem certeza de que pode confiar incondicionalmente na sua base militar.
Se Bolsonaro é um improviso em estágio final, como poderá aplicar e manter um golpe nas atuais circunstâncias, que são inóspitas internamente e também ao redor?
Não há governos aliados na vizinhança. Um golpe seria ruim para os Estados Unidos já fragilizados pela guerra de Putin. As forças da democracia mundial, de governos e organizações, se voltariam contra o golpe.
Aqui dentro, é possível considerar que lideranças e forças até agora encolhidas ou acovardadas talvez não mantenham a resignação diante de um quadro em que Bolsonaro se apresente como um ogro-déspota disposto a se perpetuar no poder.
Mesmo que o golpe apresente um novo Bolsonaro, o que é impensável hoje, que os militares segurem o tranco, que as forças do centrão venham a aderir à sabotagem da eleição e da apuração, quase tudo hoje é contra Bolsonaro.
O que toda a direita, e não só o centrão, ganharia com um golpe que esculhambaria também com a eleição para o Congresso e as Assembleias e criaria cenários imprevisíveis para quem, numa vitória de Lula, buscaria de novo o conforto do poder?
O que Bolsonaro mais tem ou pensa ter é suporte militar, porque teve votos. Coisa que eles, os generais, não têm.
E aqui está o maior problema para um projeto golpista, que só existe porque Bolsonaro não tem mais o respaldo que teve em 2018.
O Bolsonaro com votos atraiu os militares para o poder, trocando empregos por proteção (ou alguém acha que eles têm um 'projeto'?), engajou generais aos seus desatinos e os tornou cúmplices de crimes denunciados pela CPI do Genocídio.
Mas esse Bolsonaro com voto não existe mais. O sentimento que os militares tinham em relação ao tenente é o da inveja de quem não tem votos. Generais sofrem, em qualquer país, com o recalque de quem não sustenta projetos políticos em bases da democracia.
Mas a realidade é outra. Bolsonaro não tem eleitores para se manter no poder. O golpe é a saída de alto risco, que pode estar sendo imaginada em algumas cabeças fardadas com formato diferente do elaborado na cabeça de Bolsonaro.
Um golpe com Bolsonaro talvez seja para muitos generais e para a elite golpista empresarial somente isso mesmo: um movimento que apenas usa Bolsonaro para o que der e vier. Apenas usa.
O que vier, se os militares tiverem coragem para seguir em frente, pode ser um golpe em que Bolsonaro será o líder que ateia o fogo, sendo também o primeiro a cair na fogueira.
Um golpe com Bolsonaro pode ser o plano final para que a base militar antissistema se livre de Bolsonaro, mesmo que não se livre de todos os milicianos e da sua base orgânica de pastores, polícias, pilantras variados e grileiros.
A História está cheia de incendiários que atearam fogo e foram empurrados para as labaredas.
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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