Bote fé no velhinho

A jornalista Denise Assis comenta sobre o jingle de Ulysses Guimarães e cita o presidente Lula

Fonte: Denise Assis - Publicada em 03 de abril de 2024 às 15:26

Bote fé no velhinho

Ulysses Guimarães (Foto: Agência Brasil)

Prestes a ir para a rua, a nova campanha de marketing oficial, com objetivo de dar uma renovada na imagem do governo e contribuir para maior aceitação do nome de Lula entre o público evangélico, congelou. É que alguém se lembrou de ecos do passado que poderiam estar influenciando os criadores do slogan: “Bote fé no Brasil”. Passará a ser apenas: “Fé no Brasil”.

Os que esperaram ansiosamente para votar na primeira eleição permitida para a escolha do presidente da República, em 1989, (depois da ressaca da reprovação da proposta das Diretas – 1984, e da frustração com o Colégio Eleitoral, seguido da morte de Tancredo Neves), haverão de se lembrar do jingle: “Bote fé, no velhinho/O velhinho é demais/Bote fé no velhinho/Ele sabe o que faz/Vai limpar o Brasil/ do Oiapoque ao Chuí/E acabar com a molecagem/que tem por aí”.

O jingle embalava a campanha do candidato do MDB, Ulysses Guimarães. Aos 73 anos, depois de presidir a Assembleia Nacional Constituinte, lançou-se candidato usando o termo “molecagem”, algo de démodé, típico de alguém não muito próximo à linguagem daquela juventude esperançosa e ansiosa por ares de liberdade e mudanças. Ulysses, aos olhos do eleitorado, era o “velhinho” e não só aceitou, como incorporou o aposto.

Suas credenciais eram imbatíveis. Diziam mesmo que Ulysses era o “candidato natural” para o cargo. Porém, odiado pelos militares, a quem na ditadura recém enterrada chamava de “gorilas”, foi tirado de cena pelo então “virtual” ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves. Era o nome de Tancredo para a pasta. Presidente da Câmara, Ulysses era o substituto legal com a morte de Tancredo Neves. A Constituição rezava que, em caso de morte do titular, assumiria o cargo o presidente da Câmara. O general, porém, apontou o dedo para José Sarney, que ainda não havia tomado posse no cargo de vice. E assim foi.

Nos versos da campanha o candidato prometia construir um novo país de verdade, pois “com ele o Brasil vai sorrir”. Etarismos à parte, o jingle era do tipo chiclete. Fossem eleitores ou não do “velhinho”, todos cantavam o dia todo a marchinha. Por isso, talvez, não foi difícil identificar o quase plágio concebido para a nova campanha do governo. Antes que ganhasse as ruas e virasse meme, não só pelo plágio, mas pelo “etarismo” do qual a direita se aproveitaria imediatamente, foi abortada. Em tempo: que ninguém ouse chamar de “velhinho” alguém que tenha 73 anos. Estará cometendo uma gafe enorme, além de transgredindo no “politicamente” correto.

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Bote fé no velhinho

A jornalista Denise Assis comenta sobre o jingle de Ulysses Guimarães e cita o presidente Lula

Denise Assis
Publicada em 03 de abril de 2024 às 15:26
Bote fé no velhinho

Ulysses Guimarães (Foto: Agência Brasil)

Prestes a ir para a rua, a nova campanha de marketing oficial, com objetivo de dar uma renovada na imagem do governo e contribuir para maior aceitação do nome de Lula entre o público evangélico, congelou. É que alguém se lembrou de ecos do passado que poderiam estar influenciando os criadores do slogan: “Bote fé no Brasil”. Passará a ser apenas: “Fé no Brasil”.

Os que esperaram ansiosamente para votar na primeira eleição permitida para a escolha do presidente da República, em 1989, (depois da ressaca da reprovação da proposta das Diretas – 1984, e da frustração com o Colégio Eleitoral, seguido da morte de Tancredo Neves), haverão de se lembrar do jingle: “Bote fé, no velhinho/O velhinho é demais/Bote fé no velhinho/Ele sabe o que faz/Vai limpar o Brasil/ do Oiapoque ao Chuí/E acabar com a molecagem/que tem por aí”.

O jingle embalava a campanha do candidato do MDB, Ulysses Guimarães. Aos 73 anos, depois de presidir a Assembleia Nacional Constituinte, lançou-se candidato usando o termo “molecagem”, algo de démodé, típico de alguém não muito próximo à linguagem daquela juventude esperançosa e ansiosa por ares de liberdade e mudanças. Ulysses, aos olhos do eleitorado, era o “velhinho” e não só aceitou, como incorporou o aposto.

Suas credenciais eram imbatíveis. Diziam mesmo que Ulysses era o “candidato natural” para o cargo. Porém, odiado pelos militares, a quem na ditadura recém enterrada chamava de “gorilas”, foi tirado de cena pelo então “virtual” ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves. Era o nome de Tancredo para a pasta. Presidente da Câmara, Ulysses era o substituto legal com a morte de Tancredo Neves. A Constituição rezava que, em caso de morte do titular, assumiria o cargo o presidente da Câmara. O general, porém, apontou o dedo para José Sarney, que ainda não havia tomado posse no cargo de vice. E assim foi.

Nos versos da campanha o candidato prometia construir um novo país de verdade, pois “com ele o Brasil vai sorrir”. Etarismos à parte, o jingle era do tipo chiclete. Fossem eleitores ou não do “velhinho”, todos cantavam o dia todo a marchinha. Por isso, talvez, não foi difícil identificar o quase plágio concebido para a nova campanha do governo. Antes que ganhasse as ruas e virasse meme, não só pelo plágio, mas pelo “etarismo” do qual a direita se aproveitaria imediatamente, foi abortada. Em tempo: que ninguém ouse chamar de “velhinho” alguém que tenha 73 anos. Estará cometendo uma gafe enorme, além de transgredindo no “politicamente” correto.

Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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