Chefs do Rio testam e aprovam pirarucu de manejo

Concluída a primeira etapa do projeto Gosto da Amazônia, que lançará o produto no mercado do Rio do de Janeiro a partir de agosto deste ano.

ICMBio 
Publicada em 30 de abril de 2019 às 09:28
Chefs do Rio testam e aprovam pirarucu de manejo

As chefes Ana Pedrosa, Teresa Corção e Ana Ribeiro testam várias receitas com o produto. (Foto Bel Corção)

“Sabor que preserva a floresta”: o slogan do projeto Gosto da Amazônia não deixa dúvidas em relação aos dois principais atributos do pirarucu de manejo que, além das suas qualidades gastronômicas, representa um modelo muito bem-sucedido de conservação da espécie e de seu habitat natural, com geração de oportunidades sociais, econômicas e culturais para as comunidades envolvidas na atividade.

Com o objetivo de avaliar o potencial do produto na cozinha, um time de renomados chefs da cidade foi convidado a participar da primeira etapa do projeto, chamada sensibilização inicial, para criar receitas e analisar diferentes formas de preparo do pirarucu de manejo. O processo foi conduzido em parceria com a consultoria Cambucá, especializada em gastronomia, que ficou responsável pelo contato com os chefs e organização das informações coletadas.

Andressa Cabral, Claude Troisgros, Damien Montecer, Fred Monnier, Katia Barbosa, Marcelo Barcellos, Nao Hara, Natacha Fink, Ricardo Lapeyre, Roberta Sudbrack, Rodrigo Guimarães, Roland Villard e o grupo de Ecochefs, formado por Ana Ribeiro, Ana Pedrosa, Bianca Barbosa e Teresa Corção utilizaram ao longo dos meses de março e abril conhecimentos e técnicas diversas na criação das receitas, que na segunda fase do projeto virarão conteúdo de oficinas ministradas para outros chefs, sous chefs, funcionários do ramo e pessoas interessadas no assunto.

- O sabor é suave e de fácil adaptação a diversos temperos, muito bom de gosto - foi o que mais chamou a atenção de Ana Pedrosa nos testes que realizou com o produto. Já para Claude Troisgros “o pirarucu frito fica super macio dentro e crocante por fora. Quando é pochê, seja num caldo, numa moqueca ou num consomé, a baixa temperatura, sem ferver muito, fica suculento, macio e gostoso”. Um caminho diferente foi seguido e aprovado por Ana Ribeiro: “por conta da espécie de gelatina que esse peixe tem, ele fica melhor sem contato direto com o calor da frigideira. Enrolado em folhas comestíveis, preserva a textura macia e fica muito bom”.

- Os fatores que mais se destacaram foram o sabor, sem nota de terra, muito comum em peixe de água doce, a aparência nobre, limpa, alta cor clara com as camadas marcantes. O paladar delicado abre um leque enorme de possibilidades de preparo, e também funciona como contraponto a um molho mais marcante – elogia Marcelo Barcellos, chef do Restaurante Barsa. No comando do Restaurante Laguiole, Ricardo Lapeyre não esconde seu entusiasmo: “ficamos muito empolgados aqui na cozinha em trabalhar com o pirarucu, um produto super nacional, que envolve sustentabilidade, e a gastronomia hoje não pode ficar à parte desses movimentos. Um peixe muito versátil, que dá para ser trabalhado em inúmeras receitas”.

Ana Pedrosa: Pirarucu no papillote com legumes. (Foto Bel Corção)

Para Teresa Corção, que coordenou as atividades com os ecochefs e participa da gestão do projeto Gosto da Amazônia, a boa receptividade dos chefs reforça a importância dos restaurantes como porta de entrada do produto na cidade: “a grande aceitação me surpreendeu. Mesmo chefs exigentes, que normalmente não gostam de trabalhar com peixes congelados, adoraram o pirarucu. O ponto alto foi o gosto suave, sem resíduos de sabor. Vejo um grande potencial para os restaurantes e bares”.

O manejo na Amazônia - O pirarucu (Arapaima gigas) é o maior peixe de escamas de água doce do mundo e se encontra principalmente na bacia Amazônica, podendo atingir até três metros de comprimento e 200kg de peso. Com uma inquestionável importância cultural, social e econômica para os povos indígenas e comunidades tradicionais da região, o manejo do pirarucu começou a ser implementado em 1999, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, e hoje está presente em 34 áreas protegidas e/ou com Acordos de Pesca devidamente autorizados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Pirarucu crocante com tapenade de açaí, receita do chef Claude Troisgros (Foto Divulgação)
O manejo desenvolvido nas diferentes áreas é baseado na organização social e produtiva das famílias e de suas representações associativas, e vem ganhando escala mais recentemente com a atuação conjunta de diversas comunidades manejadoras, organizações da sociedade civil e governamentais, fruto da parceria entre o Governo Brasileiro e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional/USAID, com apoio técnico do Serviço Florestal Americano (USFS), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ), Operação Amazônia Nativa (OPAN), Conservação Estratégica (CSF), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), Memorial Chico Mendes (MCM), Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC) e Associação dos Comunitários que trabalham com Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí (ACJ).

Prática de uso sustentável e gestão participativa do recurso pesqueiro, o manejo comunitário garante a sobrevivência da espécie, soberania alimentar e renda às comunidades envolvidas no processo, configurando-se como um extraordinário caso de conservação da biodiversidade. Graças à atividade, o pirarucu voltou a habitar grande parte das várzeas amazônicas e não é mais uma espécie ameaçada. Com o esforço realizado para a implementação do manejo do pirarucu, que envolve atividades de contagem e a vigilância dos lagos, entre outras etapas, observa-se que os estoques de outras espécies aumentaram, como tambaqui, jacaré-açu, tartaruga, tracajá, peixe-boi.

O fortalecimento da organização comunitária e a manutenção da pesca artesanal, assim como outras práticas culturais das populações indígenas e ribeirinhas manejadoras, também são bons resultados relacionados ao manejo, que transforma os lagos protegidos em verdadeiras “poupanças bancárias”, geradoras de uma renda que supre as necessidades das famílias e permite realizar melhorias onde vivem. Tudo isso sem falar dos inúmeros benefícios aos diversos atores dos demais elos da cadeia de valor.

Mesmo com tantos aspectos positivos, as comunidades que trabalham o manejo do pirarucu enfrentam grandes desafios para a operacionalização da atividade e acesso a mercados que trazem maior retorno financeiro, tais como o alto custo de logística das atividades e o baixo preço de venda do produto recebido pelos comunitários. Os seguintes fatores ocasionam isso: falta de acesso a financiamentos para capital de giro e investimentos; mercado com poucos compradores; vendas pelos comunitários restritas aos atravessadores; baixo acesso às capacitações para produção e gestão da atividade, concorrência com a pesca e comercialização ilegal, entre outros.

O projeto no Rio de Janeiro - Desenvolvido a partir da necessidade de se conquistarem novos mercados e um número maior de consumidores, o Gosto da Amazônia é fruto de uma parceria entre as instituições responsáveis pelo manejo do pirarucu, o Instituto Maniva, cuja missão é promover a melhoria da qualidade alimentar da sociedade, valorizando o modelo de produção familiar e sustentável, e o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio (SINDRIO), que representa institucionalmente mais de 11.000 estabelecimentos na cidade e está sempre em busca de novidades e melhorias para o setor.

Contribuir para a melhoria de qualidade de vida das comunidades envolvidas no manejo do pirarucu é o principal objetivo do projeto, que está previsto para acontecer em cinco diferentes etapas:

ETAPA 1 (abril/maio) - Sensibilização inicial: distribuição do pirarucu de manejo para cerca de quinze chefs do Rio de Janeiro, que criaram receitas e fizeram a análise detalhada do produto, conhecendo e explorando todo o seu potencial gastronômico

ETAPA 2 (junho) - Oficinas e Palestras no SindRio: cursos práticos de curta duração sobre receitas com pirarucu e palestras sobre o manejo e seus benefícios, contemplando um total de 150 a 200 pessoas, entre chefs, sous chefs, profissionais do setor de bares e restaurantes, jornalistas de gastronomia e instituições que atuam em projetos de sustentabilidade. Todas as atividades serão “temperadas” com degustação do pirarucu de manejo.

ETAPA 3 (julho) - Viagem à Amazônia: oito a dez chefs do Rio irão conhecer de perto a pesca do pirarucu e seus impactos sociais e econômicos nas comunidades que participam do manejo. A viagem será para as terras indígenas do povo Paumari do rio Tapauá, no sul do estado do Amazonas, onde estão programadas também atividades de intercâmbio culinário entre os indígenas e os chefs convidados.

ETAPA 4 (agosto) - Participação no Rio Gastronomia: dentro do maior evento de gastronomia do país, operação de um quiosque especializado em receitas com pirarucu de manejo e de uma barraca na feira de produtores com diversos produtos da Amazônia

ETAPA 5 (setembro/outubro) - Festival no Cadeg: durante duas semanas, o Cadeg acrescentará mais uma atração ao seu já tradicional calendário de festivais, com restaurantes servindo pratos especiais preparados com pirarucu e lojas do mercado vendendo produtos da Amazônia.

Concluídas as cinco etapas do projeto, espera-se que a maior quantidade possível de bares e restaurantes passem a adotar o pirarucu de manejo em seus cardápios, e que um número significativo de consumidores tenha entrado em contato com o produto e conhecido os diversos benefícios do manejo sustentável. Dessa forma, um importante passo terá sido dado na valorização do pirarucu de manejo no Rio de Janeiro, o que poderá ser aproveitado em um futuro próximo na conquista de novos mercados.

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