Debatedores divergem sobre favorecimento do réu em decisão penal com empate
Pela proposta, quando houver empate no julgamento, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu (proclamando-se de imediato esse resultado) em todos os julgamentos de matéria penal ou processual penal em órgãos colegiados
CCJ realizou audiência pública sobre projeto de lei (PL) 3.453/2021, que já foi aprovado pela Câmara
Questão delicada no sistema de justiça penal, a proposta de favorecer o réu quando houver empate em julgamento nos tribunais colegiados foi amplamente debatida em audiência pública promovida pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que nesta quinta-feira (18) ouviu juristas e especialistas para instruir de forma substancial a análise do PL 3.453/2021. O texto, já aprovado pela Câmara, altera o Código de Processo Penal (CPP - Decreto-Lei 3.689, de 1941) e a Lei 8.038, de 1990, que institui normas procedimentais para os processos penais perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Enquanto o relator, senador Weverton (PDT-MA), já manifestou posição favorável à proposta, os senadores Sergio Moro (União-PR) e Eduardo Girão (Novo-CE), expressaram preocupação com o projeto. Foram ouvidos juristas com opiniões divergentes sobre o benefício aos réus no processo penal.
Pela proposta, quando houver empate no julgamento, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu (proclamando-se de imediato esse resultado) em todos os julgamentos de matéria penal ou processual penal em órgãos colegiados. Isso mesmo nas hipóteses de vaga aberta a ser preenchida, de impedimento, de suspeição ou de ausência, o julgamento aconteça sem todos os integrantes do tribunal. Hoje, o CPP já determina que, havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu. O PL 3.453/2021 expande esse princípio para todos os julgamentos de matéria penal em tribunais colegiados.
A proposta modifica ainda o art. 41 da Lei 8.038, de 1990, segundo o qual em caso de vaga ou afastamento de ministro do Superior Tribunal de Justiça por prazo superior a 30 dias, poderá ser convocado um juiz ou um desembargador de Tribunal Regional Federal para substituição, para que a decisão se dê por voto da maioria absoluta do STJ. Pelo projeto, fica expresso que a decisão de turma, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça será tomada pelo voto da maioria absoluta de seus membros.
Relatada pelo senador Weverton, que já emitiu parecer favorável e presidiu a audiência nesta quinta, a proposta também altera regras para expedição de habeas corpus de ofício. O PL 3.453/2021 estabelece que qualquer autoridade judicial, no âmbito de sua competência jurisdicional, poderá expedir de ofício ordem de habeas corpus, individual ou coletivo, quando, no curso de qualquer processo, verificar que, por violação ao ordenamento jurídico, alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção.
O "sim"
"O processo penal é um instrumento de natural desigualdade entre as partes". A afirmativa é do ex-ministro da Justiça e ex-procurador da República Eugênio José Guilherme de Aragão, que defendeu o favorecimento do réu nos casos de empate.
De um lado, enfatizou Aragão, "temos um estado todo-poderoso, que tem a seu dispor uma máquina de investigar", e frente a isso o indivíduo que "só tem a seu favor as garantias processuais fundamentais".
— Não existe igualdade entre as partes no processo penal. (...) Diante desse desempoderamento natural do indivíduo no processo penal, é fundamental que nós cuidemos dessas garantias fundamentais, portanto garantias processuais constitucionais, como direitos humanos no processo penal. E o Estado tem a responsabilidade de resguardá-los.
Jurista e professor, Lênio Luiz Streck foi enfático em afirmar que quando não houver consenso entre os julgadores, tem de se favorecer o réu. Ele salientou que "nós jurisprudencializamos o direito" e, muitas vezes, o Senado e a Câmara aprovam projetos que, se tornando lei, são julgados de forma contrária.
— Olhamos demais para a jurisprudência e de menos para a lei. (...) No Brasil, nós criamos uma ficção, não há na lei in dubio pro societate.
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, ponderou que é preciso pensar o direito penal como um todo e pensar naquele que é o seu cliente principal, em geral, "o negro, o pobre, o invisível".
— O princípio do in dubio pro reo é secular e o empate é civilizatório. (...) A partir do momento que não se conseguiu fazer a prova pelo Estado, o empate é decisão sim. (...) O que acontece é uma visão punitivista do processo penal, que privilegia o espetáculo.
O "não"
Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Antônio Henrique Graciano Suxberger afirmou que o sistema de justiça criminal precisa passar a ser visto como um "problema público" e, ao seu ver, o PL 3.453/2021 não se presta a esse fim.
Suxberger questionou se o empate realizado dentro das cortes deriva mais de uma conveniência ou de uma impossibilidade de se chegar a um consenso. Não há dúvida, segundo o promotor, que o favorecimento deve ser ao réu, mas os empates ocorridos nos tribunais têm sido muito mais resultados da contingência das cortes, em sua opinião.
— Será que esses processos de deliberação serão mais sofisticados se unicamente forem resultados de empate? Vamos trocar uma decisão justa por uma decisão contingente?
Procurador regional da República, Bruno Calabrich também sublinhou que o sistema rejeita indecisões e que tribunal existe para decidir — destaca-se o número ímpar dos juristas nas cortes — e não para empatar.
— O sistema não convive com indefinição. O problema do projeto é que normaliza o empate. (...) O problema é naturalizar para todo tipo de processo. Isso estimula a busca pelo empate como uma estratégia de defesa, o que é ruim, nocivo.
Para o juiz federal Américo Bedê Freire Júnior, "é preocupante a forma prática de realização" do projeto de lei. Ele também ratificou que "tribunal não foi feito para empatar".
— É preciso terminar o jogo, é preciso que se tenha uma decisão por completa. (...) Que o voto de desempate faça justiça.
Habeas corpus de ofício
O habeas corpus de ofício — que ocorre por iniciativa do próprio órgão jurisdicional quando constatada a existência de ilegalidade flagrante ao direito de locomoção do réu — foi defendido por alguns dos palestrantes.
Para o advogado criminalista Kakay, o juiz que vê alguma ilegalidade quando o cidadão está preso e não toma decisão imediata está prevaricando.
— O habeas corpus é um requisito essencial para a liberdade. (...) Hoje, felizmente, os tribunais aumentaram a possibilidade de se usar o habeas corpus.
O habeas corpus de oficio é dos instrumentos mais poderosos que a defesa pode ter, "por ser capaz de ultrapassar toda a burocracia processual", segundo o ex-procurador da República, Eugênio José Guilherme de Aragão.
— Não se pode dizer, que isso deva depender de submissão, turma, nada. É o Estado reconhecendo que errou.
Preocupações
Em seu relatório, Weverton assevera que o empate no tribunal, especialmente aquele entre absolvição e condenação, indica a existência de dúvida do órgão colegiado quanto à imputação contida na denúncia. Se, num colegiado, cinco julgadores condenam o réu e outros cinco o absolvem, é evidente que o status libertatis do acusado deve ser preservado. A acusação não logrou convencer a maioria da Corte sobre a responsabilidade penal". Além disso, para o relator, "as alterações propostas pelo PL tornam lei práticas processuais já em curso nos tribunais". Weverton rejeita em seu relatório as emendas propostas por Sergio Moro e Eduardo Girão, porque a seu ver alteram o cerne do projeto.
Autor, com Weverton, do requerimento para o debate, Sergio Moro disse, após ouvir os palestrantes, sobre o risco da possibilidade de "empate gerar um procedente jurídico". Outro problema que chamou sua atenção foi a questão da recorrabilidade interna e o risco de "manipulação da agenda do Judiciário".
— Uma das preocupações com esse processo, apesar das boas intenções, é que gere riscos com consequências danosas. Não pressupomos [que vai haver] a manipulação, mas é uma possibilidade — afirmou Moro.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) declarou que a grande crise vivida no país "é a moral" e que "o sentimento hoje no Brasil é de impunidade". A questão de empate favorecendo o réu é preocupante, na opinião do senador, que levantou a possibilidade, premeditada, de se recorrer à Justiça quando do afastamento de alguns magistrados e quando houver número par entre os julgadores.
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