Desinformação coloca em risco a democracia e a liberdade de expressão

Esses discursos estimulam a divisão social a partir da dicotomia ‘nós’ e ‘eles’, o que remete ao fantasma das ideologias fascistas

Regina Bandeira Agência CNJ de Notícias/Foto: Romulo Serpa/CNJ
Publicada em 25 de novembro de 2021 às 13:33
Desinformação coloca em risco a democracia e a liberdade de expressão

“Sociedades polarizadas e com baixos níveis de confiança são terreno fértil para a produção e circulação de desinformação com motivação ideológica. A polarização extrema leva ao discurso do ódio. Esses discursos estimulam a divisão social a partir da dicotomia ‘nós’ e ‘eles’, o que remete ao fantasma das ideologias fascistas. A desinformação pode, portanto, colocar em risco a delicada e fundamental relação entre democracia e liberdade de expressão”, afirmou na última terça-feira (23/11), o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux.

Fux participou da abertura do III Encontro Virtual sobre Liberdade de Expressão, que teve como foco a desinformação como ameaça aos direitos humanos e à democracia. Ele citou que o fenômeno não é novo, mas foi intensificado pela internet. E que o problema já não diz respeito apenas a notícias falsas, mas a falsas histórias – como a que nega o holocausto -, falsos perfis e outras inverdades.

O presidente do CNJ destacou relatório do Grupo de Peritos de Alto Nível sobre Notícias Falsas e Desinformação On-line da Comissão Europeia, que demonstra que a desinformação deliberada tem como objetivo a obtenção de lucro ou causar prejuízo político. “Embora não seja necessariamente ilegal, a desinformação pode ser prejudicial para os cidadãos e para a sociedade em geral. O risco de dano inclui ameaças aos processos políticos democráticos e aos valores que moldam as políticas públicas em uma sociedade, como, por exemplo, os direitos humanos.”

O ministro defendeu ainda que a defesa da democracia, dos direitos humanos e o combate à desinformação é dever de todas as pessoas. “O Poder Judiciário, instituições essenciais à Justiça, comunidade acadêmica, imprensa, jornalistas, provedores de internet, plataformas digitais, verificadores de notícias e cidadãos. Todos precisam se envolver e estar em um diálogo plural e responsável voltado à busca por soluções que, a um só tempo, privilegiem o diálogo democrático, a verdade e a liberdade de expressão.”

Eleições

A cantora e ativista pelos direitos LGBTQIA+ Daniela Mercury, integrante do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário e idealizadora do seminário, questionou a preparação das instituições públicas brasileiras no enfrentamento à desinformação, em especial, nas próximas eleições. Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a Justiça está bem mais preparada para lidar com a engrenagem que move a criação e propagação das notícias falsas do que em 2018. “Em 2022, os responsáveis serão punidos”, garantiu o magistrado, relator do inquérito das fake news no STF e que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a partir do ano que vem.

Moraes afirmou que o TSE e a Justiça como um todo estão aprendendo a investigar essas novas técnicas de ataque. “Estamos mais preparados para combater os criminosos que utilizam essas práticas. Inclusive com a perda do mandato. As fraudes serão combatidas. Juntem as mensagens e encaminhem para o TSE. Não deixaremos impunes discursos atentatórios da democracia.”

“Discurso de ódio não é liberdade de expressão”, afirmou. Ele apontou que a liberdade de expressão serve para garantir a democracia, a liberdade, a igualdade e o respeito à diversidade. “Não é possível censura prévia. Você pode falar o que quiser, mas deve ser responsável pelos seus atos. Não há democracia sem responsabilidade.”

O ministro do STF explicou que o bombardeio de notícias falsas é parte de atividades de grupo financiado para propagar “discurso de ódio a toda e qualquer ideia contrária”. E que várias pessoas já foram ou estão sendo processadas. “Essas pessoas criaram um mecanismo que transforma mentiras em verdades absolutas. Células separadas tal qual uma verdadeira empresa criminosa. Há os que preparam mensagens direcionadas a segmentos específicos, como mulheres, idosos e adolescentes. O núcleo que disparava as mensagens e o grupo político que dava o verniz da legitimidade a essas notícias. Comprovamos que cada notícia falsa gerava milhares de reais para essas pessoas.”

O ministro do TSE e atual corregedor-geral eleitoral, Mauro Luiz Campbell, afirmou que o órgão vai estar atento à propaganda eleitoral e ao uso criminoso das mentiras nas próximas eleições. “Sabemos no Judiciário que estamos lidando com criminosos e vamos estar atentos. Juiz não combate nada. Juiz julga, decide. Quem combate é o Ministério Público e os partidos políticos em âmbito eleitoral. Vamos deixar esse legado. Quem quiser agir à margem da lei através das plataformas de redes sociais será encontrado e responsabilizado. E manteremos viva a democracia nesse país.”

Preconceitos e falsas certezas

O ex-deputado federal, jornalista, escritor e professor Jean Wyllys fez um resgate histórico do controle da informação na Internet. “As plataformas passaram a trabalhar por meio da lógica do algoritmo, que permite extrair dados do nosso corpo a corpo diuturnamente, identificando nossas emoções políticas e possibilitando sua manipulação. O ouro negro do século XXI é a informação.”

Ele explicou que conteúdos que estimulam a raiva e o ódio produzem muito mais interação e, com isso, são mais rentáveis. Wyllys citou que, para cada pessoa, o algoritmo constrói uma bolha, afetando seu mundo cognitivo. “Não é errado dizer que pessoas estão em mundo diferentes. Elas, de fato, estão recebendo informações virtuais indicadas por esses algoritmos que oferecem um conteúdo diferencial, que vai construindo uma multiplicidade de realidades.”

Segundo Wyllys, essa é uma “subeconomia que funciona de maneira subterrânea, por meio das mídias sociais”. “Mentira, manipulação e estímulo de emoções. Essa subeconomia de desinformação é programada para obtenção de lucros financeiros ou políticos.”

O professor de História da New School for Social Research (EUA) Federico Finchelstein, afirmou que vivemos um período de constante ataque à democracia, como há muito não víamos – desde a queda do fascismo e da chegada do autoritarismo pelas ditaduras latinoamericanas. “Temos hoje a xenofobia extrema e a militarização da política. Quando falamos em fascismo, temos de saber se há mentira, política do ódio e ditadura.”

“Atualmente, os populistas se aproximam do fascismo. Os fascistas não apenas mentem, mas também buscam transformar suas propagandas em verdades. Essa demonização do diferente faz parte do fascismo brasileiro e é importante perceber que não há fascismo sem ditadura. Uma das primeiras coisas atacadas pelo fascismo é o jornalismo. Eles não querem dados empíricos”, defendeu.

Direitos humanos

O encontro ainda contou com a participação da conselheira do CNJ Tânia Regina Silva Reckziegel, o deputado federal Orlando Silva, a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretora global de Educação do Banco Mundial, Cláudia Costin, e outras pessoas integrantes do Observatório de Direitos Humanos. A série com o tema da Liberdade de Expressão debate a proteção a esse direito fundamental no Brasil. O primeiro ocorreu em 14 de junho e o segundo, em 23 de agosto, com os assuntos liberdade de expressão artística e limites do poder do Estado e a liberdade de expressão dos povos indígenas, respectivamente.

Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube

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