'Energia é um bem de todos'

E qualquer novo compromisso ou custos adicionais que possam surgir terão reflexos na conta de cada consumidor

Andrey Cavalcante
Publicada em 03 de dezembro de 2019 às 16:24
'Energia é um bem de todos'

"Energia é bem comum da sociedade e, como tal, deve ser regrado por aquele que recebeu a incumbência constitucional de cuidá-lo: a União". A manifestação tão concisa quanto ampla do ministro Alexandre de Moraes sintetiza o imprescindível entendimento das relações entre público consumidor e concessionárias de distribuição de energia. Ele aponta, fartamente embasado no que estabelece a constituição federal, que o "núcleo de prestação do serviço concedido" não se pode permitir a regência de parâmetros que não atendam a toda a sociedade, mas apenas a algum dos entes federados.

É preciso que o país entenda o princípio, porque definitivo: embora integre a relação de serviços abrangidos pelo Código de Defesa do Consumidor, a energia não é um produto de cuja utilização o público possa declinar do uso. Da mesma forma que as distribuidoras são impedidas de recusar o fornecimento em regiões de pouca ou nenhuma compensação financeira. Ou seja: não são simples relações de consumo que se possa gerir ao sabor de peculiaridades regionais ou sazonais. Nem podem ser instrumentalizados ao sabor de interesses específicos. O país já experimentou isso e os efeitos são de todos conhecidos.

Está claro que, mesmo admitida a eventual razoabilidade, do ponto de vista regional, na propositura de alterações das regras de distribuição de energia, ela sempre haverá de produzir efeitos colaterais que haverão de ser sentidos pelo conjunto de consumidores de todo o país. Por isso mesmo o sistema é regido por leis, regulamentos e contratos de concessão sistêmicos, encadeados e destinados a funcionar harmonicamente. Se alteradas, por qualquer circunstância, elas naturalmente haverão de refletir em toda operação e, com isso, repercutidas para todo o conjunto de usuários do serviço. E qualquer novo compromisso ou custos adicionais que possam surgir terão reflexos na conta de cada consumidor.

Exatamente por isso a constituição instituiu o pacto federativo que delimita as competências da União, dos estados e municípios. Ela estabelece as regras do jogo na delimitação das áreas de atuação de cada ente federado. E atribui exclusivamente à União a tarefa de legislar sobre energia (art 21, XII, alínea “b” e 22, IV). Mas apesar de clara na letra constitucional esta delimitação de competências não tem sido adequadamente observada no âmbito dos legislativos estaduais e até municipais, o que permite a proliferação de leis sem embasamento técnico, que apenas promovem um emaranhado de complexidades, aumenta custos e gera insegurança jurídica no setor de energia.

A solução jurídica foi, felizmente, pacificada pelo STF, após longa discussão, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5610 promovida pela Abradee – Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica contra a Assembleia Estadual da Bahia. Os ministros declararam inconstitucional a lei estadual n. 13.578/2016 que alterava prazos e regras do serviço concedido pela União de distribuição de energia. Foi o que consolidou a buscada segurança jurídica para o setor: o Supremo estabeleceu ali, que energia é bem comum da sociedade e como tal deve ser regrado por aquele que recebeu a incumbência constitucional de cuidá-lo: A União.

Isso não afasta, porém, a constituição da república da ponderação principiológica, pela qual o sistema constitucional brasileiro (art. 170, caput, da CF), determina que a ordem econômica tenha por fim assegurar a todos uma existência digna. A propriedade privada e a livre iniciativa, postulados mestres no sistema capitalista, são apenas meios cuja finalidade é prover a dignidade da pessoa humana. Mas deixa claro que, assim como a lei e a constituição, a regulação das concessões de serviços essenciais deve valer para todos.

 Andrey Cavalcante, ex-presidente da OAB/RO e atual conselheiro federal da OAB Nacional. 

Winz

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Comentários

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    josé bento 04/12/2019

    Leila, Você está completamente enganada. A ceron foi quebrada de forma proposital, pelo governo federal (MDB), para atender aos interesses de agentes externos. O governo atrasava repasses de recursos de obrigação e caráter legal, de responsabilidade da união de propósito só para deixar a empresa deficitária. Quanto aos funcionários, esses eram em sua boa parte, pessoas altamente capacitadas e experientes no setor elétrico, contratados mediante a realização de concursos públicos, não era cabide de emprego. Um setor altamente estratégico, para poucos, não se pega mão de obra assim na esquina, como se fosse uma padaria e o resultado está ai. Não sei se você sabe alguma coisa sobre indicadores de qualidade, veja os da Energisa hoje como estão, compare com os da época da CERON, compare as tarifas, faça uma análise entre variáveis explicativas e você verá a diferença. Não importa se você~e não gosta de empresa estatal, faça as análises, analise sua própria fatura de energia, compare os anos de 2017, 2018 com 2019. Veja o número de reclamações no PROCON, no judiciário, se informe. Você vai ampliar seu leque de opinião.

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    leila maria 04/12/2019

    Nada de pai para filho, a antiga Ceron tinha uma dívida astronômica, nem o estado nem a união, tinham interesse em saldar tal dívida, então a Energisa se habilitou para assumir a concessão assumindo a dívida. Alguém tem dúvidas de que ela ia querer ter prejuízo? Soube que a antiga Ceron tinha funcionários com salários altíssimos , e que foram todos dispensados. Por ser uma estatal a Ceron se transformou num grande cabide emprego com muitos desmandos e amargando grande prejuízo para o Estado de Rondônia.Se choramos com a Ceron, morreremos com a Energisa,

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    josé bento 04/12/2019

    Muito bem Dr, porém, é preciso que se tenha vigilância sobre a forma de "entrega" da concessão de um ente estatal para um privado. O leilão da CERON foi feito de forma fraudulenta na bolsa de valores de SP, em agosto de 2018. Havia apenas uma proposta válida, entre 2 envelopes apresentados para a oferta pela empresa. Esse único envelope válido era o da Energisa. Veja como ficou o mapa das privatizações: A Energisa ficou com Rondônia e Acre, pois, já atuava no MT, MS, GO, TO, SP, RJ (curioso não)? A Equatorial Energia ficou com Piauí e Alagoas, pois, já atuava no MA, RN (curioso não)? A Oliveira Energia ficou com Roraima e Amazonas, pois já atuava nessas áreas (curioso não)? Isso demonstra que houve conchavo nessas entregas da concessão estatal para o ente privado, o que definitivamente está lesando o consumidor, parte mais frágil e inocente do processo. As tarifas subiram 20% em 1 ano de nova administração, foram demitidos 500 empregados experientes do setor elétrico e a qualidade dos serviços piorou. Os investimentos que estão sendo feitos são com recursos do consumidor que sempre foram arrecadados da conta CCC, administrada pela CCEE. A ANEEL foi totalmente omissa, complacente e agiu com parcimônia nos leilões, na assinatura dos contratos de pai pra filho e tudo mais. A Diretoria da ANEEL é política e estava alinhada com o MDB de Michel Temer, Moreira Franco, Eliseu Padilha e Valdir Raupp e Romero Jucá. Esses foram os patronos dessa orgia para com os consumidores. A CPI da Energisa e o senhor deveriam se aprofundar em conhecer a Resolução Normativa 748/2016 da ANEEL que impôs a CERON, poucos meses antes da privatização, a obrigatoriedade de contrair empréstimo de 700 milhões junto a RGR (fundo de financiamento do setor) para cobrir os custos de prestação de serviços de distribuição. Tudo isso combinado com o novo agente que viria depois. Investigue isso, peça pra Eletrobras no RJ, o Ministério de Minas e Energia e a ANEEL explicar sobre esse empréstimo e as condições de pagamento que ferram com os consumidores e os beneficiários desse empréstimo. Efraim Cruz era diretor da CERON e virou de repente Diretor da ANEEL, após esses episódios (curioso não)?

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