Fraudadores, torturadores e pervertidos
Telegram fez o que o fascismo adotou como prática. Sobem em qualquer palco, dizem o que a plateia da extrema direita quer ouvir e depois pedem desculpas
(Foto: REUTERS/Dado Ruvic)
O ministro Alexandre de Moraes definiu como mensagem “fraudulenta” o texto disseminado pelo Telegram com a mentira de que “o Brasil está prestes a aprovar uma lei que irá acabar com a liberdade de expressão".
Já o ministro Gilmar Mendes disse que Sergio Moro e seu time da Lava-Jato usavam a prisão preventiva como “elemento de tortura” em Curitiba.
Moraes conseguiu conter o Telegram com a advertência de que deveriam apagar a mensagem ou seriam multados ou ficariam fora do ar.
Mas parece que não há o que fazer com a denúncia de Gilmar Mendes contra os lavajatistas que torturavam.
Os dois casos produzem o mesmo sentimento, apesar de no primeiro existir uma trava de contenção. O sentimento médio é o de que até aqui não aconteceu nenhuma reparação.
O Telegram fez o que o fascismo adotou como prática. Sobem em qualquer palco, dizem o que a plateia da extrema direita quer ouvir e depois pedem desculpas.
É só entrar com buscas na internet com os nomes de Bolsonaro e dos filhos Eduardo, Flavio e Carluxo. Há pedidos de desculpas de todos eles por falas agressivas e mentirosas.
Sergio Moro grampeou Lula e Dilma, mandou o grampo para a Globo e depois enviou um pedido formal de desculpas ao Supremo. O estrago estava feito.
O Telegram jogou seus usuários contra os deputados, o governo e a Justiça. É a tentativa de coação (definição de Moraes) descarada de uma empresa estrangeira, que se acha imune a qualquer controle, tentando interferir em decisões internas do país.
Com o para-te-quieto de Moraes, o Telegram entra em modo mandrake, mas até quando?
Até as decisões que o Supremo deve tomar na semana que vem sobre o controle de conteúdos criminosos distribuídos pelas big techs?
O Telegram conspirou contra a autonomia do Congresso e do governo, assim como já fizera o Google, e a punição é uma advertência.
Mas os recados fascistas já foram dados por Google, Telegram, Twitter e assemelhados. Todos já passaram adiante, com estardalhaço e desenvoltura, o que desejavam dizer.
Assim como Sergio Moro e Deltan Dallagnol fizeram o que bem entenderam na Lava-Jato. Mas a Lava-Jato já era, e os dois têm mandatos e imunidades que antes condenavam.
Gilmar Mendes sugere que as corregedorias do Judiciário e do Ministério Público podem dar conta do que ele denuncia sobre a masmorra de Curitiba.
O ministro espera que assim se esclareça por que o lavajatismo era coisa de pervertidos (a expressão é dele) que torturavam ou coagiam réus na fila da delação.
Mas os órgãos de fiscalização de condutas no Judiciário e no MP nada fizeram antes contra os desmandos de Moro e Dallagnol.
Fariam agora que os dois nem mais pertencem aos quadros do MP e da magistratura?
Os casos de Telegram, Google e lavajatistas se assemelham em quase tudo, até na capacidade de reafirmar a sensação de que acusados com poder fazem com que a reparação fique quase sempre pela metade.
O Telegram talvez recue, e apenas isso, mas sem maiores punições, e é certo que os torturadores pervertidos continuarão discursando pela moralidade e pela família.
O Telegram tem poder econômico, e Moro e Dallagnol tinham poder institucional no sistema de Justiça e têm agora poder político.
Todos falando em nome de Deus e da liberdade de expressão e cumprindo o mesmo roteiro da extrema direita: cometem desmandos e crimes e depois se desculpam. Vem funcionando.
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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