General Santos Cruz rompe silêncio e chama Bolsonaro de 'fujão' e 'covarde'
“É inadmissível que a legislação brasileira não considere crime um presidente sair fugido do país, em pleno exercício do mandato", diz o general
Alberto dos Santos Cruz (Foto: Adriano Machado/Reuters)
Hoje (13/06), começam os trabalhos, de fato, da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que vai apurar responsabilidades no golpe de 8 de janeiro. Embora puxada pela direita, a tentativa de emplacar o discurso da “conivência do governo” - uma aleivosia despudoradamente absurda -, não tem chance de emplacar. A turba que organizou a depredação tentou provocar a convocação, pelo Executivo, de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o que colocaria no modo “indefinido” o poder e a democracia no Brasil. Como forma de chamar os colegas à razão e se colocar como alguém que diz: “me inclua fora disto”, o general Santos Cruz publicou no último (11/06, às 10h02) no portal MyNews, um artigo (sob o título: Os covardes nunca estão na linha de frente!) em que cospe marimbondos e classifica Bolsonaro de “fujão” e “covarde”. O mínimo que disse foi:
“É inadmissível que a legislação brasileira não considere crime um presidente sair fugido do país, em pleno exercício do mandato. Quando fugiu, Bolsonaro não teve nem a consideração e o respeito de se dirigir aos acampados e dizer-lhes que voltassem para suas casas, que a expectativa deles não iria se realizar, que não era uma decisão da competência do Exército …”
Tivesse chamado uma GLO e Luiz Inácio Lula da Silva, recém-empossado, talvez não pudesse retornar à cadeira presidencial. Decretar a intervenção federal, numa atitude ágil e sensata, fez com que o país, traumatizado em sua história por vários golpes (1964,2016 – só para citar os dois últimos), revertesse a aventura dos fascistas que tomaram de assalto a Praça dos Três Poderes. Pela primeira vez, o golpe fracassou.
Não passaram. As Forças Armadas, embora açuladas, não toparam endossar a ventura golpista. Ainda assim, saíram chamuscadas do episódio, por tolerar a pantomima diante dos seus quartéis por dois meses a fio, sem espaventar os que resistiam a aceitar o óbvio: Bolsonaro foi derrotado das urnas e arrastou consigo uma parte dos oficiais do comando, que agora terá de desfilar diante das câmeras, assumindo a parcela de culpa que lhes cabe.
Na avaliação de Cruz em seu artigo, aponta: “De todas as instituições que Bolsonaro prejudicou e desgastou, a que mais sofreu, e vem sofrendo, é o Exército Brasileiro”.
Segue espinafrando, apontando o descontrole e as falhas de caráter do ex-presidente e ex-colega de farda: “entre erros e acertos, que acontecem em todos os governos, as áreas que Bolsonaro mais teve êxitos foram: conflito; desrespeito; extremismo; desgaste das instituições; e até do pessoal mais próximo, como o Ajudante de Ordens e alguns auxiliares diretos. Ele teve, também, muito sucesso como cabo eleitoral do seu opositor, sem tirar o mérito próprio do atual presidente”, espeta.
Incomoda-se e expõe o seu desconforto: “No show de besteiras sempre foram embutidas fanfarronices como: meu Exército; discursos inoportunos de cunho político em cerimônias militares; inúteis e ridículas flexões de braço; entre outras. Sem contar o sequestro das cores e símbolos nacionais, camiseta da seleção brasileira, passeios de jet-ski e “motociatas”, até a idiotice do “imbrochável”.
Cruz reprova e chama de “fanatismo político” a movimentação de fanáticos que permaneceu nas portas dos quartéis: “A partir da derrota nas urnas foram estimulados os tais acampamentos em frente aos quartéis para pressionar o Exército a tomar uma decisão política descabida. Quando isso não ocorreu, iniciou-se um grande volume de críticas ofensivas e até criminosas ao Exército e a seus oficiais em função de comando. Opiniões positivas e negativas são absolutamente normais. Mas o que se viu e se vê, são críticas originadas por oportunismo e fanatismo político, frustrações pessoais, “heroísmo” de internet, falta de noção de disciplina, de respeito, e de limites do que é liberdade de opinião”.
Classifica de “absurda” a atitude que os seguidores de Bolsonaro exigiam do Exército: “Alguns covardes e inconsequentes queriam que, depois de um processo eleitoral, dois turnos e um candidato eleito, o Exército impedisse o prosseguimento normal da vida nacional tomando uma decisão política absurda. Essa tentativa de transferência de responsabilidade é a mais profunda traição já sofrida pelo Exército. A milícia digital foi fundamental para esse processo criminoso de manipulação da opinião”.
E num ataque direto (e merecido) a Bolsonaro, o chama de “medroso”: “Depois de perder a eleição, por medo de assumir suas responsabilidades, Bolsonaro entrou numa omissão inaceitável, ficando cerca de dois meses em chilique político, vitimização, choradeira, com aparições grotescas, que a milícia digital tentava transformar em mensagens enigmáticas para os acampados em frente aos quartéis, em especial em Brasília, prometendo uma decisão fantástica iminente. E a gangue da internet fazendo o trabalho de mantê-los na posição”.
Para o general Cruz, os que prosseguiram na atitude fascista de desconhecer o resultado das urnas foram “inocentes úteis”, nas mãos de Bolsonaro e do seu entorno. “Nenhum dos covardes e fanfarrões que atacavam e atacam atualmente o Exército teve coragem de ir até junto daquelas pessoas acampadas na frente dos quartéis. Os covardes nunca estão na linha de frente! Eles estão sempre escondidos nos seus gabinetes, nas suas imunidades, na internet, nos grupos de redes sociais, no anonimato etc. Eles empurram a massa de manobra para fazer besteiras. Os manipulados e os inocentes úteis que se acertem com a Justiça!”
Chama o ex-ministro da Defesa do ex-presidente às falas, atribuindo-lhe responsabilidades: “As autoridades de nível político com obrigação de fazer uma orientação clara e honesta aos acampados eram o Presidente da República e o Ministério da Defesa, e não o comandante do Exército. Este é uma autoridade operacional, integrante da própria Força que, apesar de nomeados pelo Presidente da República, não têm função política”.
Em sua opinião, “o Presidente se omitiu, deixou que alguns fanáticos e a milícia digital manipulassem a ideia de transferência de responsabilidade que era dele, Presidente, para o Exército. O Ministério da Defesa não se manifestou e não defendeu o Exército”. Alivia a postura do comandante do Exército, embora, como ficou claro, fosse simpático à causa: “O comandante se manteve em atitude disciplinada e não quis se dirigir diretamente à população, ultrapassando o Ministério da Defesa e o Presidente da República. O Exército não cedeu à pressão. O Exército engoliu essa barbaridade em nome da disciplina e da institucionalidade”.
Por fim, deposita sobre os ombros de Bolsonaro o que é dele: “Decisão política é da responsabilidade do Presidente da República e não do Exército”, sentencia, prosseguindo em seu duro discurso, até colar no ex-presidente os suaves rótulos de fujão e covarde:
“Mas o Presidente ficou sorrateiramente em silêncio até fugir do país para passear por três meses nos EUA. É inadmissível que a legislação brasileira não considere crime um presidente sair fugido do país, em pleno exercício do mandato. Quando fugiu, Bolsonaro não teve nem a consideração e o respeito de se dirigir aos acampados e dizer-lhes que voltassem para suas casas, que a expectativa deles não iria se realizar, que não era uma decisão da competência do Exército …. e que ele iria passear em Miami! Essa foi a apoteose da covardia! Mas a milícia digital arrumou logo as “justificativas” para a fuga covarde.
Atacar o Exército não é o caminho para a solução dos muitos e graves problemas nacionais. Isso é simplesmente oportunismo e covardia!
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".
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