Lula e Bolsonaro, aproximações

Poderíamos aqui, aproximar Lula e Bolsonaro a partir de diversos discursos, quando, por exemplo, ambos legitimaram a atuação da polícia em massacres nos morros cariocas

Victor Missiato
Publicada em 14 de junho de 2021 às 11:19
Lula e Bolsonaro, aproximações

Em sua obra seminal, As origens do totalitarismo, Hannah Arendt esmiúça detalhadamente as relações de proximidade (e diferenças) entre o nazismo hitlerista e o comunismo leninista-stalinista. De acordo com a filósofa, "o líder totalitário tem de evitar, a qualquer preço, que a normalização atinja um ponto em que poderia surgir um novo modo de vida". Diante de tal situação, coube a Hitler e Stalin, admiradores recíprocos, instalarem regimes de "revolução permanente" ou "uma seleção [racial] que não pode parar". Críticos da democracia liberal, antissemitas, criadores de política de extermínio em campos de concentração, Stalin e Hitler estiveram juntos na invasão à Polônia. Suas semelhanças, no entanto, não escondiam o desejo de eliminar um ao outro.

Apesar de muitos acadêmicos e intelectuais recorrerem ao conflito nazifascismo x comunismo, a fim de ilustrarem o atual cenário político brasileiro, não é minha intenção aqui perpetuar esse tipo de barbaridade analítica. Tanto os que comparam o bolsonarismo ao nazi-fascismo, quanto os que denunciam uma ameaça global comunista, garantem seus espaços na mídia a partir de um rebaixamento do nível do debate público.

Lula não é comunista. Bolsonaro não é fascista. Embora Lula já tenha elogiado Hitler, e Bolsonaro tenha admirado Hugo Chávez, é muito pobre analisar seus perfis e governos a partir de discursos e estéticas. Recurso importante, porém, empobrecido sem conteúdo histórico-político, a análise de discurso e a estética vulgarizada empobrecem e rejeitam o debate acerca do desenvolvimento socioeconômico brasileiro.

Poderíamos aqui, aproximar Lula e Bolsonaro a partir de diversos discursos, quando, por exemplo, ambos legitimaram a atuação da polícia em massacres nos morros cariocas. Todavia, nosso objetivo é outro. Por detrás das retóricas polarizadoras, Lula e Bolsonaro pensam o Brasil de forma similar. Tanto no lulismo, quanto no bolsonarismo, o desenvolvimento da democracia brasileira ocorre por meio do que vou chamar aqui de cidadania do consumo. Baseada em uma estratégia democratizante, porém pouco republicana, a cidadania conquistada através do consumo não estabelece um desenvolvimento sustentável no país.

Cientes da necessidade de modernizar o Estado brasileiro, Lula e Bolsonaro encamparam, no início de seus governos, reformas de caráter liberal. Porém, a partir do Mensalão e do Caso Queiroz, ambos os governos estabeleceram um forte estreitamento com o chamado Centrão. Os sentimentos políticos ligados à esperança logo sairiam de cena, com a saída da ala que viria a formar o PSOL e a desilusão dos apoiadores da Lava Jato. Restariam os seus núcleos duros das diferentes classes médias brasileiras, suas políticas distributivas para as camadas menos favorecidas, bem como o apoio irrestrito ao agronegócio e o mundo financeiro. Com Lula e Bolsonaro, políticas assistencialistas como prioridade social, planos de habitação similares aos do regime militar (1964-1985), financiamento universitário a partir da formação de grandes oligopólios, e a preservação de uma estrutura fiscal, tributária e administrativamente desigual, permanecem intocáveis. No Brasil da Nova República, a miséria diminuiu significativamente, mas o desenvolvimento industrial e a desigualdade permaneceram estagnados.

Diante disso, está claro que as bases do sistema capitalista brasileiro não se modificaram com o lulismo e o bolsonarismo. Apesar de conjunturas completamente distintas (boom das commodities x pandemia global), as políticas socioeconômicas de ambos os governos não possuem uma diferença substancial. Pelo contrário, o Brasil não quebra diante do incentivo à política do consumo, com forte luta contra a inflação e benefícios fiscais a diversos grupos e sindicatos organizados, mas não rompe sua estrutura fordista, baseada em preceitos estabelecidos nos anos 1920 e ultrapassados a partir dos anos 1980 na economia global. No Brasil de Lula e Bolsonaro, povo e consumo sobressaem-se perante sociedade e conhecimento.

Victor Missiato é doutor em História, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais sobre o Desenvolvimento Humano (Mackenzie/Brasília) e Intelectuais e Política nas Américas (Unesp/Franca).

Sobre a Faculdade Presbiteriana Mackenzie

A Faculdade Presbiteriana Mackenzie é uma instituição de ensino confessional presbiteriana, filantrópica e de perfil comunitário, que se dedica às ciências divinas, humanas e de saúde. A instituição é comprometida com a formação de profissionais competentes e com a produção, disseminação e aplicação do conhecimento, inserida na sociedade para atender suas necessidades e anseios, e de acordo com princípios cristãos. O Instituto Presbiteriano Mackenzie (IPM) é a entidade mantenedora e responsável pela gestão administrativa dos campi em três cidades do País: Brasília (DF), Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ). As Presbiterianas Mackenzie têm missão educadora, de cultura empreendedora e inovadora. Entre seus diferenciais estão os cursos de Medicina (Curitiba); Administração, Ciências Econômicas, Contábeis, Direito (Brasília e Rio); e Engenharia Civil (Brasília). Em 2021, serão comemorados os 150 anos da instituição no Brasil. Ao longo deste período, a instituição manteve-se fiel aos valores confessionais vinculados à sua origem na Igreja Presbiteriana do Brasil.

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