Lulismo x Chavismo: porque Lula acha regime venezuelano desagradável e autoritário

"A tentativa de Lula de dar curso à pregação constitucional segundo a qual o Brasil defende a interdependência dos povos, está em xeque"

Fonte: César Fonseca - Publicada em 19 de agosto de 2024 às 17:15

Lulismo x Chavismo: porque Lula acha regime venezuelano desagradável e autoritário

Presidentes Lula e Maduro durante encontro da Unasul em Brasília 29/05/2023 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

O desabafo do presidente Lula de que o regime político na Venezuela é desagradável e autoritário, sem ser uma ditadura, expressa seu contido repúdio instintivo à representação explícita da marca registrada do modelo político criado pelo ex-presidente Hugo Chavez, seguido pelo presidente Maduro: socialismo bolivariano venezuelano.

Lula mudou de posição em relação à Venezuela: antes dizia que o problema lá era excesso de democracia – em 25 anos de chavismo, cerca de 30 eleições foram realizadas; agora, predomina, na sua opinião, o autoritarismo, embora eleições sejam realizadas regularmente.

O fato essencial é que marca o antagonismo lulista à posição chavista é que a  agremiação partidária que movimenta a superestrutura jurídica no país de Simón Bolívar, para dar vida ao bolivarianismo não deixa dúvida quanto à proposta revolucionária: Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Sua base ideológica se assenta na Revolução Cubana, que, desde seu nascimento, na segunda metade dos anos de 1950, segue o marxismo-leninismo como norte político, tendo o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, escrito no final de 1847 e início de 1848, como manual básico para orientar a condução da luta dos trabalhadores, na Europa, pelo poder contra o sistema capitalista.

Os capitalistas, hoje, conduzidos pelos Estados Unidos, arrepiam-se diante dos 10 pontos básicos do manual marxista como frente de luta contra o capital:

“1 – Expropriação da propriedade latifundiária;

2 – Imposto fortemente progressivo;

3 – Abolição do direito de herança;

4 – Centralização do crédito nas mãos do Estado, atrás de um banco nacional com capital estatal e monopólio exclusivo;

5 – Centralização e estatização dos meios de transporte;

6 – Confisco da propriedade dos emigrados e sediciosos;

7 – Multiplicação das fábricas e dos instrumentos de produção nas mãos do Estado, desbravamento das terras incultas e melhoria das terras cultivadas, segundo plano geral;

8 – Trabalho obrigatório para todos e constituição de brigadas industriais, especialmente, para agricultura;

9 – Organização conjuntural/estrutural da agricultura e da indústria, para suprimir diferença entre cidade e campo; e

10 – Educação pública e gratuita e sua integração com produção material.”

CHINA SEGUE MARX

Esse decálogo político-partidário do Partido Comunista, na concepção de Marx e Engels, pregado por Hugo Chaves, é o mesmo que, hoje, Xi Jinping dissemina, ideologicamente, na China, pelo partido comunista chinês, responsável por colocar os chineses no topo da economia mundial pelo critério do poder de paridade de compra em escala global, graças aos juros baixos praticados pelo crédito público estatal.

Essencialmente, a cabeça de Chavez, na tarefa de construção do PSVU, na Venezuela, que tem, como base política, a união da população com os militares nacionalistas, na denominada aliança cívico-militar, visa a construção de uma superestrutura jurídica nacionalista popular para conduzir a base econômica, sua infraestrutura, ancorada na maior riqueza nacional: o petróleo.

Superestrutura e infraestrutura conjugadas pelo método marxista-leninista construído segundo concepção do materialismo histórico-dialético:

1 – A materialidade como base das relações sociais objetivas;

 2 – A história como produto da luta de classes, e;

3 – A dialética como movimento dual da realidade(positivo-negativo, singular-plural, yin-yang, masculino-feminino etc) dominada pelos interesses contraditórios entre capital e trabalho, no modo de produção burguês, para superá-lo rumo ao socialismo.

QUINTA INTERNACIONAL: IDEOLOGIA DO TRABALHO

Hugo Chávez aliou sua prática como militar com visão socialista, a partir das leituras aprofundadas dos clássicos marxistas, especialmente, de Lenin, como ideólogo da organização dos trabalhadores por meio do partido político revolucionário para dominar o poder burguês.

Sua luta para chegar ao poder, em 1999, depois de vencer, por meio de derrubada da burguesia venezuelana pelas armas e apoio popular, o levou a conceber a realização de uma Quinta Internacional Socialista, para organizar os trabalhadores, especialmente, na América Latina, projeto que não alcançou, na prática, mas deixou como projeto futuro.

Portanto, trata-se de um revolucionário latino-americano, que, depois de conceber e construir partido da revolução socialista na Venezuela, criou, junto com presidentes progressistas como Lula(Brasil), Kirchner(Argentina), Rafael Correa(Equador), Mujica(Uruguai) etc, o que considerava fundamental: estrutura de comunicação, com Telesur, cujo lema era o de que o Norte do movimento político era o Sul, estruturado na União Sul Americana(Unasul) e Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos(CELAC).

LULA, OPOSTO REFORMISTA

Ao contrário de Chávez, o presidente Lula não tem nada de socialista

Trata-se de reformista da burguesia, com sua origem sindical, formada na base econômica industrial do Brasil herdado de Getúlio Vargas, que modernizou o Estado nacional e as relações de trabalho, a partir da Revolução de 1930.

Os criadores do PT, nos anos 1980, tiveram formação marxista, mas Lula construiu sua cabeça política nas fileiras dos trabalhadores da indústria metalúrgica, submetidos à burguesia industrial economicamente dependente do capital externo.

Sem leitura dos clássicos do marxismo, mas profissionalizado na luta sindical, seu ideal não é a revolução socialista, mas a reforma do sistema pela valorização do trabalho a partir do salário-mínimo sempre, segundo sua defesa, reajustado pela inflação mais crescimento do PIB no período anterior de dois anos, como praticou, especialmente, no seu segundo governo, entre 2006-2010.

Lula jamais pregou, como Chaves e seu partido majoritário na Assembleia Nacional, o PSUV, supressão da propriedade privada para ser assumida pela classe trabalhadora, partidariamente, organizada pelo PT, criado por ele em 1980.

As greves, organizadas por Lula e PT, que derrubaram a ditadura militar, no cenário da crise do capitalismo, no final dos anos 1970, que implodiram a dívida externa e o modelo militar keynesiano varguista, economicamente dependente da bancocracia internacional, não visam mudança de regime.

Buscaram, sobretudo, acomodação ao sistema capitalista nacional, pretensamente reformado pela Assembleia Nacional Constituinte, em 1988, por forças aliadas à burguesia tupiniquim com a qual o PT, nos anos pós ditadura, iria se conciliar, jamais romper com elas.

O socialismo, com o qual sonhou os intelectuais fundadores do PT, jamais foi colocado como objetivo principal por Lula e seus liderados sindicalistas pragmáticos, nos últimos 44 anos, pós sua criação em 1980.

Ao contrário, o PT e seus simpatizantes à esquerda, como nunca alcançaram maioria no Congresso, depois da Assembleia Constituinte, à qual, inicialmente, renegou, foram, paulatinamente, cooptados pelo modelo burguês, até que, atualmente, estão submetidos a uma maioria de direita e ultradireita, cuja meta é inviabilizar a governabilidade progressista, com Lula em seu terceiro mandato, a fim de tentar derrotá-lo em 2026.

DIFERENÇA QUALITATIVA

Portanto, a diferença histórica qualitativa entre Venezuela, sob chavismo-madurismo, dominante no parlamento venezuelano, e Brasil, comandado por Lula e aliados de centro-esquerda, minoritários no Congresso, rechaçados pela elite reacionária, que lhes impõe modelo neoliberal anti-nacionalista, anti-crescimento econômico sustentável, tende a ser incontornável.

Ela, essencialmente, explica as peculiaridades políticas que estão antagonizando os presidentes dos dois países na fase pós-eleitoral recente que elegeu Nicolás Maduro, contestado pela oposição, apoiada e financiada pelos Estados Unidos, que ameaçam retomada das sanções econômica, para impedir avanço do socialismo bolivariano.

Maduro e os militares bolivarianos-chavistas, em aliança cívico-militar, que se antagoniza, radicalmente, com o imperialismo americano, coloca a América Latina em situação de instabilidade política crescente, em meio à financeirização econômica capitalista da periferia sul-americana, bloqueada em suas chances de promover desenvolvimento econômico sustentável, se continuar subordinada e tutelada pela geopolítica de Washington.

Lula, nesse contexto, tenta se equilibrar entre os dois pólos geopolíticos que se formam no plano global, com renascimento de nova guerra fria, que pode virar guerra quente:

1 – De um lado, os Estados Unidos, propensos à destruição do regime chavista, para dominar o petróleo venezuelano, indispensável à estabilidade do dólar, depois do fim do petrodólar, que lhe garantia o necessário aval, e;

2 – De outro, a China e a Rússia, aliadas da Venezuela, com as quais o Brasil se encontra alinhado na construção dos BRICS, cuja máxima geopolítica é a multipolaridade contra a unipolaridade defendida pelos Estados Unidos e União Europeia.

IMPASSE POLÍTICO

A tentativa de Lula de dar curso à pregação constitucional segundo a qual o Brasil defende a interdependência dos povos, como pressuposto básico, está em xeque.

O presidente brasileiro passou, nas últimas semanas, a ser contestado por segmentos latino-americanos de que estaria fazendo jogo de Washington de promover ingerência em assuntos venezuelanos no que diz respeito aos resultados da eleição de 28 de julho, na Venezuela.

Washington abraçou o ponto de vista da oposição da Venezuela de que venceu eleições segundo atas eleitorais que diz dispor, mas que não as apresenta ao Conselho Eleitoral venezuelano e à justiça nacional.

Já Nicolás Maduro se diz vencedor e aguarda o pronunciamento das autoridades eleitorais depois de encaminhar a elas as atas eleitorais reclamadas pelos oposicionistas e lideranças latino-americanas, entre as quais o presidente Lula.

Nesse cabo-de-guerra, as palavras de Lula, como representante da nação líder da América do Sul, deixam o ambiente político em fervura total, quanto mais elas acentuam o que acabou afirmando, de maneira açodada, de que o regime venezuelano é desagradável e autoritário, porém, não ditatorial.

A direita e ultradireita brasileira, como, também, a latino-americana, em geral, espera o desfecho da decisão do Tribunal Superior de Justiça da Venezuela, que analisa as atas que lhe foram repassadas pelo CNE.

Se o veredicto das autoridades venezuelanas for o de que Nicolas Maduro, isto é, o chavismo, venceu as eleições, que, previamente, os oposicionistas consideram ter sido vencidas por eles, Lula terá que sair da posição de ambiguidade em que se encontra.

Caso contrário, protagonizará polaridades políticas ideológicas agudas, aprofundando divisões crescentes no continente sul-americano que favorecem o objetivo central dos Estados Unidos para facilitar o que julgam fundamental: dominar o petróleo da Venezuela, mediante tensões e rompimentos políticos com o chavismo socialista.

César Fonseca

Repórter de política e economia, editor do site Independência Sul Americana

683 artigos

Lulismo x Chavismo: porque Lula acha regime venezuelano desagradável e autoritário

"A tentativa de Lula de dar curso à pregação constitucional segundo a qual o Brasil defende a interdependência dos povos, está em xeque"

César Fonseca
Publicada em 19 de agosto de 2024 às 17:15
Lulismo x Chavismo: porque Lula acha regime venezuelano desagradável e autoritário

Presidentes Lula e Maduro durante encontro da Unasul em Brasília 29/05/2023 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

O desabafo do presidente Lula de que o regime político na Venezuela é desagradável e autoritário, sem ser uma ditadura, expressa seu contido repúdio instintivo à representação explícita da marca registrada do modelo político criado pelo ex-presidente Hugo Chavez, seguido pelo presidente Maduro: socialismo bolivariano venezuelano.

Lula mudou de posição em relação à Venezuela: antes dizia que o problema lá era excesso de democracia – em 25 anos de chavismo, cerca de 30 eleições foram realizadas; agora, predomina, na sua opinião, o autoritarismo, embora eleições sejam realizadas regularmente.

O fato essencial é que marca o antagonismo lulista à posição chavista é que a  agremiação partidária que movimenta a superestrutura jurídica no país de Simón Bolívar, para dar vida ao bolivarianismo não deixa dúvida quanto à proposta revolucionária: Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Sua base ideológica se assenta na Revolução Cubana, que, desde seu nascimento, na segunda metade dos anos de 1950, segue o marxismo-leninismo como norte político, tendo o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, escrito no final de 1847 e início de 1848, como manual básico para orientar a condução da luta dos trabalhadores, na Europa, pelo poder contra o sistema capitalista.

Os capitalistas, hoje, conduzidos pelos Estados Unidos, arrepiam-se diante dos 10 pontos básicos do manual marxista como frente de luta contra o capital:

“1 – Expropriação da propriedade latifundiária;

2 – Imposto fortemente progressivo;

3 – Abolição do direito de herança;

4 – Centralização do crédito nas mãos do Estado, atrás de um banco nacional com capital estatal e monopólio exclusivo;

5 – Centralização e estatização dos meios de transporte;

6 – Confisco da propriedade dos emigrados e sediciosos;

7 – Multiplicação das fábricas e dos instrumentos de produção nas mãos do Estado, desbravamento das terras incultas e melhoria das terras cultivadas, segundo plano geral;

8 – Trabalho obrigatório para todos e constituição de brigadas industriais, especialmente, para agricultura;

9 – Organização conjuntural/estrutural da agricultura e da indústria, para suprimir diferença entre cidade e campo; e

10 – Educação pública e gratuita e sua integração com produção material.”

CHINA SEGUE MARX

Esse decálogo político-partidário do Partido Comunista, na concepção de Marx e Engels, pregado por Hugo Chaves, é o mesmo que, hoje, Xi Jinping dissemina, ideologicamente, na China, pelo partido comunista chinês, responsável por colocar os chineses no topo da economia mundial pelo critério do poder de paridade de compra em escala global, graças aos juros baixos praticados pelo crédito público estatal.

Essencialmente, a cabeça de Chavez, na tarefa de construção do PSVU, na Venezuela, que tem, como base política, a união da população com os militares nacionalistas, na denominada aliança cívico-militar, visa a construção de uma superestrutura jurídica nacionalista popular para conduzir a base econômica, sua infraestrutura, ancorada na maior riqueza nacional: o petróleo.

Superestrutura e infraestrutura conjugadas pelo método marxista-leninista construído segundo concepção do materialismo histórico-dialético:

1 – A materialidade como base das relações sociais objetivas;

 2 – A história como produto da luta de classes, e;

3 – A dialética como movimento dual da realidade(positivo-negativo, singular-plural, yin-yang, masculino-feminino etc) dominada pelos interesses contraditórios entre capital e trabalho, no modo de produção burguês, para superá-lo rumo ao socialismo.

QUINTA INTERNACIONAL: IDEOLOGIA DO TRABALHO

Hugo Chávez aliou sua prática como militar com visão socialista, a partir das leituras aprofundadas dos clássicos marxistas, especialmente, de Lenin, como ideólogo da organização dos trabalhadores por meio do partido político revolucionário para dominar o poder burguês.

Sua luta para chegar ao poder, em 1999, depois de vencer, por meio de derrubada da burguesia venezuelana pelas armas e apoio popular, o levou a conceber a realização de uma Quinta Internacional Socialista, para organizar os trabalhadores, especialmente, na América Latina, projeto que não alcançou, na prática, mas deixou como projeto futuro.

Portanto, trata-se de um revolucionário latino-americano, que, depois de conceber e construir partido da revolução socialista na Venezuela, criou, junto com presidentes progressistas como Lula(Brasil), Kirchner(Argentina), Rafael Correa(Equador), Mujica(Uruguai) etc, o que considerava fundamental: estrutura de comunicação, com Telesur, cujo lema era o de que o Norte do movimento político era o Sul, estruturado na União Sul Americana(Unasul) e Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos(CELAC).

LULA, OPOSTO REFORMISTA

Ao contrário de Chávez, o presidente Lula não tem nada de socialista

Trata-se de reformista da burguesia, com sua origem sindical, formada na base econômica industrial do Brasil herdado de Getúlio Vargas, que modernizou o Estado nacional e as relações de trabalho, a partir da Revolução de 1930.

Os criadores do PT, nos anos 1980, tiveram formação marxista, mas Lula construiu sua cabeça política nas fileiras dos trabalhadores da indústria metalúrgica, submetidos à burguesia industrial economicamente dependente do capital externo.

Sem leitura dos clássicos do marxismo, mas profissionalizado na luta sindical, seu ideal não é a revolução socialista, mas a reforma do sistema pela valorização do trabalho a partir do salário-mínimo sempre, segundo sua defesa, reajustado pela inflação mais crescimento do PIB no período anterior de dois anos, como praticou, especialmente, no seu segundo governo, entre 2006-2010.

Lula jamais pregou, como Chaves e seu partido majoritário na Assembleia Nacional, o PSUV, supressão da propriedade privada para ser assumida pela classe trabalhadora, partidariamente, organizada pelo PT, criado por ele em 1980.

As greves, organizadas por Lula e PT, que derrubaram a ditadura militar, no cenário da crise do capitalismo, no final dos anos 1970, que implodiram a dívida externa e o modelo militar keynesiano varguista, economicamente dependente da bancocracia internacional, não visam mudança de regime.

Buscaram, sobretudo, acomodação ao sistema capitalista nacional, pretensamente reformado pela Assembleia Nacional Constituinte, em 1988, por forças aliadas à burguesia tupiniquim com a qual o PT, nos anos pós ditadura, iria se conciliar, jamais romper com elas.

O socialismo, com o qual sonhou os intelectuais fundadores do PT, jamais foi colocado como objetivo principal por Lula e seus liderados sindicalistas pragmáticos, nos últimos 44 anos, pós sua criação em 1980.

Ao contrário, o PT e seus simpatizantes à esquerda, como nunca alcançaram maioria no Congresso, depois da Assembleia Constituinte, à qual, inicialmente, renegou, foram, paulatinamente, cooptados pelo modelo burguês, até que, atualmente, estão submetidos a uma maioria de direita e ultradireita, cuja meta é inviabilizar a governabilidade progressista, com Lula em seu terceiro mandato, a fim de tentar derrotá-lo em 2026.

DIFERENÇA QUALITATIVA

Portanto, a diferença histórica qualitativa entre Venezuela, sob chavismo-madurismo, dominante no parlamento venezuelano, e Brasil, comandado por Lula e aliados de centro-esquerda, minoritários no Congresso, rechaçados pela elite reacionária, que lhes impõe modelo neoliberal anti-nacionalista, anti-crescimento econômico sustentável, tende a ser incontornável.

Ela, essencialmente, explica as peculiaridades políticas que estão antagonizando os presidentes dos dois países na fase pós-eleitoral recente que elegeu Nicolás Maduro, contestado pela oposição, apoiada e financiada pelos Estados Unidos, que ameaçam retomada das sanções econômica, para impedir avanço do socialismo bolivariano.

Maduro e os militares bolivarianos-chavistas, em aliança cívico-militar, que se antagoniza, radicalmente, com o imperialismo americano, coloca a América Latina em situação de instabilidade política crescente, em meio à financeirização econômica capitalista da periferia sul-americana, bloqueada em suas chances de promover desenvolvimento econômico sustentável, se continuar subordinada e tutelada pela geopolítica de Washington.

Lula, nesse contexto, tenta se equilibrar entre os dois pólos geopolíticos que se formam no plano global, com renascimento de nova guerra fria, que pode virar guerra quente:

1 – De um lado, os Estados Unidos, propensos à destruição do regime chavista, para dominar o petróleo venezuelano, indispensável à estabilidade do dólar, depois do fim do petrodólar, que lhe garantia o necessário aval, e;

2 – De outro, a China e a Rússia, aliadas da Venezuela, com as quais o Brasil se encontra alinhado na construção dos BRICS, cuja máxima geopolítica é a multipolaridade contra a unipolaridade defendida pelos Estados Unidos e União Europeia.

IMPASSE POLÍTICO

A tentativa de Lula de dar curso à pregação constitucional segundo a qual o Brasil defende a interdependência dos povos, como pressuposto básico, está em xeque.

O presidente brasileiro passou, nas últimas semanas, a ser contestado por segmentos latino-americanos de que estaria fazendo jogo de Washington de promover ingerência em assuntos venezuelanos no que diz respeito aos resultados da eleição de 28 de julho, na Venezuela.

Washington abraçou o ponto de vista da oposição da Venezuela de que venceu eleições segundo atas eleitorais que diz dispor, mas que não as apresenta ao Conselho Eleitoral venezuelano e à justiça nacional.

Já Nicolás Maduro se diz vencedor e aguarda o pronunciamento das autoridades eleitorais depois de encaminhar a elas as atas eleitorais reclamadas pelos oposicionistas e lideranças latino-americanas, entre as quais o presidente Lula.

Nesse cabo-de-guerra, as palavras de Lula, como representante da nação líder da América do Sul, deixam o ambiente político em fervura total, quanto mais elas acentuam o que acabou afirmando, de maneira açodada, de que o regime venezuelano é desagradável e autoritário, porém, não ditatorial.

A direita e ultradireita brasileira, como, também, a latino-americana, em geral, espera o desfecho da decisão do Tribunal Superior de Justiça da Venezuela, que analisa as atas que lhe foram repassadas pelo CNE.

Se o veredicto das autoridades venezuelanas for o de que Nicolas Maduro, isto é, o chavismo, venceu as eleições, que, previamente, os oposicionistas consideram ter sido vencidas por eles, Lula terá que sair da posição de ambiguidade em que se encontra.

Caso contrário, protagonizará polaridades políticas ideológicas agudas, aprofundando divisões crescentes no continente sul-americano que favorecem o objetivo central dos Estados Unidos para facilitar o que julgam fundamental: dominar o petróleo da Venezuela, mediante tensões e rompimentos políticos com o chavismo socialista.

César Fonseca

Repórter de política e economia, editor do site Independência Sul Americana

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