Novo decreto de armas segue inconstitucional e acentua ilegalidades da normativa anterior, destaca PFDC

Novo texto mantém, por exemplo, autorização para que qualquer cidadão adquira, registre e tenha em posse alguns tipos de fuzis

Assessoria de Comunicação e Informação PFDC
Publicada em 27 de maio de 2019 às 13:45
Novo decreto de armas segue inconstitucional e acentua ilegalidades da normativa anterior, destaca PFDC
O novo decreto de armas – publicado pelo governo federal em 21 de maio para, supostamente, retificar problemas na normativa anterior – não só manteve a inconstitucionalidade e a ilegalidade do Decreto 9.785/2019, como em diversos aspectos agravou as ilegalidades que marcam a medida.
 
O entendimento está em uma Nota Técnica encaminhada nesta sexta-feira (24) pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) ao Congresso Nacional, como subsídio aos parlamentares que irão analisar a matéria. O conjunto de argumentos também foi enviado à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que deverá se posicionar sobre o tema nas ações de inconstitucionalidade sobre a matéria apresentadas ao Supremo Tribunal Federal.
 
A análise se soma ao posicionamento que a PFDC – órgão que integra o Ministério Público Federal – já havia expressado a essas autoridades acerca do Decreto 9.785/19, publicado em 7 de maio e que alterou, de forma inconstitucional e ilegal, a política pública brasileira relativa à posse, comercialização e porte de armas de fogo e munições no país.

De acordo com a Procuradoria, longe de rever essas inconstitucionalidades, o novo decreto de armas ressalta os vícios impostos pelo Decreto 9.785/19, além de agravar algumas de suas ilegalidades.
 
Acesso a fuzis está mantido – No documento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ressalta que a nova regulamentação mantém a autorização dada na versão original do Decreto 9.785/19 para que qualquer cidadão adquira e tenha em posse alguns tipos de fuzis semiautomáticos, espingardas e carabinas. A compra de alguns desses armamentos, a depender da potência, continua permitida para qualquer cidadão, pois estão qualificadas como armas portáteis de uso permitido.

“Qualquer pessoa poderá adquirir e manter em sua residência ou local de trabalho armas de alto potencial destrutivo. Apenas não poderá portá-las, ou seja, levá-las consigo fora dos referidos espaços privados”, esclarece a PFDC.
 
De acordo com a Procuradoria, além dessa falsa impressão difundida inicialmente de que o novo Decreto teria solucionado a questão relativa à facilitação da compra e posse de fuzis, a normativa permanece investindo contra o Estatuto do Desarmamento em sua estrutura, o que representa uma violação ao princípio da separação dos poderes.

“A regulamentação dada à Lei 10.826/2003 – a partir da edição do Decreto 9.685/19, de janeiro de 2019, e ampliada com os Decretos 9.785 e 9.797, de maio de 2019 – usurpa a competência constitucional do Poder Legislativo, pois veicula normas manifestamente contrárias à política pública instituída pelo Congresso Nacional”.
 
O órgão do Ministério Público Federal destaca que, a exemplo do que ocorreu com os dois decretos anteriores, o novo ato normativo foi editado sem qualquer diálogo com entidades e organizações da área da segurança pública e, pior, à margem do Sistema Único de Segurança Pública, aprovado pela Lei 13.675/2018.

Além disso, o Decreto 9.797/19 manteve inalterado o panorama de violação à Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento) e à Lei 8.069/19 (Estatuto da Criança e do Adolescente). “O conjunto de normas editadas segue, também, confrontando a política pública aprovada pelo Poder Legislativo, com a introdução de uma política de elegibilidade generalizada à posse e porte de armas de fogo por qualquer cidadão, em contrariedade às regras de restrição aprovada em lei”, aponta a PFDC, com a indicação de uma lista de, pelo menos, 15 aspectos nos quais o regulamento viola essas Leis.
 
Nova versão agrava flexibilização para posse, compra, registro e porte de armas – A nota técnica da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ressalta que o Decreto 9.797/19 agravou – em relação ao próprio Decreto 9.785/19 – o quadro de flexibilização generalizada dos critérios restritivos fixados em lei para a posse, compra, registro e porte de armas.
 
A nova regulamentação permite, por exemplo, que caçadores mantenham um arsenal de até 30 armas (sendo 15 de uso permitido e 15 de uso restrito, o que inclui até armas não-portáteis) e atiradores, até 60 armas (sendo 30 de uso permitido e 30 de uso restrito).
 
Com o Decreto 9.797/19, amplia-se também o extenso rol de pessoas que poderão ter porte de arma, em razão do exercício profissional, incluindo os advogados em geral. “Na versão anterior, eram apenas os advogados públicos, mas a nova medida aumenta o alcance para um universo de mais de 1 milhão de pessoas, além dos proprietários de empresas de segurança privada e de transporte de valores, ainda que não participem da gerência do negócio”.
 
A análise da Procuradoria aponta que a normativa publicada em 21 de maio traz também uma nova expansão nos limites de munição que podem ser adquiridas. “Em alguns casos, inclusive, sem que haja limite, como ocorre com integrantes dos órgãos de segurança para suas armas institucionais – o que parece incompreensível, pois a munição deveria ser adquirida pelo próprio órgão”, aponta a PFDC.
 
 
Riscos para a segurança pública e paz social – O documento lembra ainda que o decreto também deixou passar, novamente, a oportunidade para determinar que as munições sejam obrigatoriamente marcadas, para fortalecer os controles e a apuração de crimes cometidos.
 
“Em realidade, o regulamento cria as condições para a venda em larga escala e sem controle de munições e armas, o que certamente facilitará o acesso a elas por organizações criminosas e milícias e o aumento da violência no Brasil”, alerta o órgão do Ministério Público Federal.

Para a Procuradoria, em razão do potencial de graves danos à segurança e à paz social, o Decreto 9.785/19 – independentemente das alterações promovidas pelo Decreto 9.685/19  e pelo Decreto 9.797/19 – deve ser extirpado do sistema jurídico, mediante revogação, sustação de seus efeitos pelo Congresso Nacional ou, ainda, por decisão do Poder Judiciário.

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