O complicado é sustentar o golpe

"Como articular, aplicar e sustentar um golpe sob o comando de Bolsonaro? O mais sensato é desistir", diz o colunista Moisés Mendes

Moisés Mendes
Publicada em 12 de julho de 2021 às 14:54
O complicado é sustentar o golpe

Um golpe é um trabalho braçal danado. Um dos mais recentes, na Bolívia, em 2019, parecia uma barbada. Os militares leram um manifesto pedindo a renúncia de Evo Morales, fizeram o teatro, depuseram o presidente e sentaram num formigueiro.

O chefe deles, o general Williams Kaliman, participou do golpe, deu adiós e fugiu para os Estados Unidos. Um ano depois, os golpistas civis e militares foram derrubados pelo voto dos bolivianos.

O golpe falhou porque não tinha suporte de lideranças civis, de reputações, de gestão e de base popular. E os generais eram frouxos. Alguns líderes do golpe estão presos e outros estão foragidos.

Os generais bolivianos foram empurrados para o levante por um motim violento das polícias manipuladas pela direita e pela extrema direita.

Acovardaram-se, passaram a ser manobrados pelos golpistas civis e pelos policiais e acharam que participariam de um governo autoritário, como acontece sempre.

Não deu certo. Muitos dirão, em tom de preconceito, que o Brasil não é a Bolívia. Aqui pode ser pior. Bolsonaro articula há muito tempo uma estrutura golpista que misture polícias, Forças Armadas e milícias.

O sujeito imagina a cena que se viu na Bolívia, quando o general Kaliman, encolhido e sob o comando de policiais amotinados, leu a nota que derrubou Evo Morales.

Bolsonaro empurra os generais para o que parece improvável, num cenário em que generais e coronéis das PMs sejam todos a mesma coisa. E os generais sabem dessa ambição há muito tempo.

Os comandantes das três armas e o ministro da Defesa saltaram fora em abril. Vamos admitir, apenas para efeito de raciocínio, que os quatro podem até ter flertado em algum momento com a ideia de um governo ‘forte’.

Mas é certo que todos eles saíram a tempo de não participar de uma aventura sob a liderança de Bolsonaro. O que eles disseram é: com Bolsonaro, não.

Ser liderado por Bolsonaro hoje, antes do golpe, já é uma situação complicada. Não há como imaginar o que seria um ambiente político sob um regime totalitário chefiado por Bolsonaro.

Para que haveria um golpe? O golpe seria aplicado e logo depois Bolsonaro leria um manifesto, não em rede nacional de TV, mas numa live precária, explicando o golpe?

O que seria feito depois do golpe? Fechariam tudo, do Congresso ao Supremo? Quem sustentaria política e moralmente o golpe?

Imaginem Bolsonaro explicando um golpe que, todos sabem, tentaria evitar o aprofundamento das investigações sobre o seu governo e sobre as facções civis em guerra com as facções militares alojadas no Ministério da Saúde.

É absurdo demais para que o pensado seja provável. Um golpe precisa de lastro de confiança, da exposição de um pretexto, de repressão, da promessa de vantagens que acalmem a população e da apresentação de um projeto, de uma ideia.

Hoje, Bolsonaro e os militares não têm nada disso. Combater a corrupção? Como, se eles estão sob suspeita de envolvimento com os rolos das vacinas e da cloroquina?

Também seria inimaginável que uma elite civil, como aconteceu em 64, pudesse acompanhar Bolsonaro. Bolsonaro não tem como contar com gente com o porte do grupo chamado por Castelo Branco para um ministério que tinha Roberto Campos, Gouveia de Bulhões, Severo Gomes, Eduardo Faraco, Ney Braga, Milton Campos.

Bolsonaro quer golpear para ser fortalecido e ficar distante do risco de perder a eleição de 2022. Mas não tem vizinhos aliados e não teria a colaboração dos Estados Unidos. Ele só tem os suportes da área militar, sempre imprevisível, e do Centrão, que é alugado.

Sobra para Bolsonaro dar sobrevida ao blefe do golpe até a eleição, para que viva de ameaçar com o golpe. O blefe é a sua muleta.

Nem os golpistas fardados bolivianos, que se aliaram à pilantra Jeanine Añez, devem imaginar o que possa ser participar de um golpe liderado por Bolsonaro.

Esse é o dilema a consumir os militares que até agora estão com o sujeito, o mesmo dilema do qual os ex-chefes militares e o ex-ministro da Defesa já se livraram.

Como articular, aplicar e sustentar um golpe sob o comando de Bolsonaro? O mais sensato é desistir.

Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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